Órganon
Órganon ou órgano (do grego órganon,[1][2] através do latim tardio organu) refere-se a um dos vários estilos de polifonia medieval, primordial na Europa Ocidental entre os séculos IX e XIII. Requer a adição de uma ou mais vozes a um cantochão existente. Também pode se referir a uma obra, improvisada ou escrita, nesse estilo, na qual uma voz origina-se de um cantochão.[3]
A música polifônica, surgida no século IX, atingiu o auge da sua utilização e formulação no século XIII, com a chamada escola de Notre Dame (Schola Cantorum), em Paris. A partir do século XIV, passa a fazer parte da então chamada ars antiqua, em oposição à ars nova, recém teorizada.
O estilo
editarEm geral, nesse estilo, uma melodia de cantochão é acompanhada de, pelo menos, uma outra voz adicionada para embelezar a harmonia.
A vox principalis (em português, 'voz principal') segue o cantochão (canto gregoriano), e a segunda voz (vox organalis, a voz acompanhante) harmoniza paralelamente, em geral, iniciando e terminando a melodia junto à tônica da escala do cantochão.
Conforme a melodia progride, as notas vão se separando até alcançarem intervalos de quarta e quinta, seguindo com o canto nesses intervalos de forma paralela. Conforme se aproximam do final do cantochão, as vozes também se aproximam até finalizarem a melodia juntas, na tônica da escala novamente.
Frequentemente, a vox principalis tinha uma notação escrita, enquanto a vox organalis improvisava.
Essa técnica antecedeu a polifonia de contraponto e foi usada com grupos maiores do que duas vozes; mas, mesmo quando em grupos, as vozes dividiam-se em partes que somente duplicavam a voz principal, e uma só voz cantava o órgano. Essa técnica foi desaparecendo com o avanço da polifonia e a expansão da escrita na composição musical.
História
editarA música oficial da Igreja na alta Idade Média, o canto gregoriano ou cantochão, tinha como característica a monofonia, isto é, todas as vozes de um coro cantando a mesma linha melódica. No entanto, no ambiente profano, desenvolveu-se a chamada música de caça (chace), ou cânone, na qual vozes cantando uma mesma melodia entram sucessivamente, separadas por um ou mais compassos, como se cada voz "caçasse", perseguisse a que começou a cantar antes. Provavelmente dessas músicas surgem as primeiras ídéias para uma nova organização musical, o estilo polifônico, ou seja, vozes cantando melodias diferentes ao mesmo tempo. Num primeiro instante (século IX), foi acrescentado à voz principal (vox principalis), que era um cantochão, uma segunda voz, a voz organal (vox organalis), que consistia numa duplicação da voz principal uma quarta ou quinta abaixo, o que dá a essa música a sonoridade característica da época medieval.
Mas era necessário evitar o trítono (diabulus in música), que é o intervalo de quarta aumentada ou o seu enarmônico, a quinta diminuta, como, por exemplo, o intervalo entre as notas fá e si, considerado dissonante pela teoria musical da época. Por isso começaram a ser permitidos outros intervalos e outros movimentos, além do paralelo (no qual as duas vozes se movimentavam paralelamente, isto é, utilizando os mesmos intervalos), foram adotados. O primeiro foi o movimento contrário, no qual uma voz sobe a escala enquanto outra desce, e vice-versa. Depois vieram o movimento oblíquo - no qual uma voz permanece na mesma nota, enquanto a outra se eleva ou abaixa - e o movimento direto - em que as duas vozes se movem na mesma direção mas não pelos mesmos intervalos. Com isso, a voz organal se liberta cada vez mais da voz principal, terminando por ser escrita acima desta, estabelecendo-se como a voz mais aguda (século XI). A esse organum deu-se a denominação de organum livre. Posteriormente, o ritmo da voz organal se torna independente também, ao executar várias notas contra apenas uma sustentada pela voz principal (organum melismático, século XII).
A melodia cantada pela voz principal, baseada normalmente no repertório de cantochão, tem o nome de cantus firmus e essa voz principal passa a se chamar tenor (do latim tenere, sustentar, posto que ela agora sustenta as notas longas).
Nessa etapa de sua evolução, o nome organum era aplicado exclusivamente a esse desenho de uma nota no tenor para várias na voz organal. Para o estilo nota contra nota (punctus contra punctum ou simplesmente contraponto ) foi dado o nome de descante.
Com a construção da catedral de Notre Dame em Paris, onde deveria haver um grande afluxo de pessoas e, por conseguinte, de culturas, a composição de organa chega ao auge, sendo seus principais representantes Léonin e Pérotin (século XII e XIII), mestres de coro da catedral.
O organum a partir de então começa a ser superado pelo contraponto descante. Posteriormente, reaparecerá, com ritmos modais na voz mais aguda.
Tipos
editarOrganum paralelo
editarOs organa paralelos datam do século IX e são as primeiras obras polifônicas de que se tem notícia. Consistiam na duplicação de um cantochão, cantado pela vox principalis, e pela vox organalis, normalmente uma quarta ou quinta abaixo. Uma outra forma seria a duplicação da vox principalis, uma oitava abaixo, e a duplicação da vox organalis acima das outras três.
Organum Livre
editarDesenvolvimento do organum paralelo. No século XI, observavam-se os movimentos das vozes em paralelo, oblíquo, contrário e direto. As notas não eram executadas somente em estrito contraponto. A vox organalis passa a ser escrita acima da vox principalis.
Organum melismático
editarNo século XII, o tenor mantinha as notas longas enquanto a vox organalis se desenvolvia suavemente através de notas mais curtas acima (melisma é o nome que se dá a um grupo de notas cantadas para apenas uma sílaba do texto).
Organum de Notre Dame
editarMais tarde, ainda no século XII, Paris tornou-se um importantíssimo centro musical, desde que, em 1163, teve início a construção da catedral de Notre-Dame. Aí, as partituras de organum, com um grupo de compositores pertencentes à chamada "Escola de Notre-Dame", alcançaram admirável estágio de elaboração. No entanto, apenas o nome de dois desses compositores chegou até nós: O de Léonin, que foi o primeiro mestre do coro da catedral, e o de seu sucessor, Pérotin, que trabalhou de 1180 até cerca de 1225.
Léonin
editarMestre de coro da catedral de Notre Dame, Léonin usava um cantochão de estilo silábico, isto é, de uma nota para cada sílaba, e aumentava os valores das notas de forma que elas talvez fossem tocadas, em vez de cantadas, sendo esta a parte do tenor.
Acima dessa linha, ele compunha um duplum, com notas mais rápidas e com ritmos tirados das danças e da poesia. Léonin inseria em seus organa uma parte conhecida como clausula, onde o estilo contrapontual (descante) era utilizado.
Pérotin
editarSucessor de Léonin (de 1180 a 1225) no coro da catedral, Pérotin introduziu modificações como o triplum (uma terceira voz, acima do duplum) e o quadruplum (uma quarta voz). Pérotin também compôs várias clausula.
Conclusão
editarApesar de o estilo ter caído em desuso há muito tempo, todo o arcabouço musical tem no organum o seu primeiro desenvolvimento. Pouco de sua teoria foi aproveitado, apesar de esta ter sido fartamente documentada. Se por um lado o estilo se perdeu - e não é errado afirmar-se que não tem um impacto direto na música ocidental posterior -, ao mesmo tempo o organum foi o começo das experimentações com duas ou mais vozes, dando uma base para a formulação teórica que viria nos séculos seguintes.
Leituras adicionais
editar- Ad organum faciendum (ca. 1100) Jay A. Huff, ed. and trans., Ad organum faciendum et Item de organo, Musical Theorists in Translation, vol. 8 Institute of Mediaeval Music, Brooklyn,NY [1963])---em Inglês
- Magnus Liber Organi, Parisian Liturgical Polyphony from the Twelfth and Thirteenth Centuries, 7 Vols. Les Editions de L'Oiseau-Lyre, Monaco, 1988-1993, editor: Edward H. Roesner---em Inglês.
- Apel, Willi, Gregorian Chant, Londres, 1958---em Inglês
- Rankin, Susan, Winchester Polyphony. The Early Theory and Practice of Organum,
("Música na Liturgia Inglesa da Idade Média") (Oxford, 1993) pp. 59–100---em Inglês
- Magnus Liber Organi. (F) Pluteo 29.1, Bibliotheca Mediceo-Laurenziana, Firenze, ---facsimilé do Instituto de Música Medieval, Brooklyn, NY, Manuscritos Medievais em Reprodução, vols. X and XI, ed. Luther Dittmer
Referências
- ↑ Dicionário Houaiss: "órganon"; plural: órgano ou órganons
- ↑ Buarque de Holanda Ferreira, Aurélio. "Novo Dicionário da Língua Portuguesa" 2º ed., J.E.M.M., Editores, ltda., 1986.
- ↑ Grout, Donald J.& Claude V. Palisca, History of Western Music, 843 pp., Norton, Londres, 2001