al-Ma'arri
Al-Ma‘arri (em árabe: أبو العلاء أحمد بن عبد الله بن سليمان التنوخي المعري; romaniz.: Abu al-'Alā Ahmad ibn 'Abd Allāh ibn Sulaimān al-Tanūkhī al-Ma'arri, Maarate Anumane, perto de Alepo, Síria, 26 de dezembro de 973 – Maarate Anumane, 10 de maio ou 21 de maio de 1057) foi um filósofo, poeta e escritor árabe, cego.[1][2] Foi um controverso racionalista do seu tempo, atacando os dogmas da religião e rejeitando a alegação de que o Islã possuía qualquer monopólio sobre a verdade.
al-Ma'arri | |
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Esboço imaginário representando o poeta árabe Al-Ma'arri | |
Nascimento | أحمد بن عبد الله بن سُليمان القضاعي التنُّوخي المعرِّي 973 Maarate Anumane |
Morte | 1057 (83–84 anos) Maarate Anumane |
Ocupação | poeta, escritor, filósofo |
Obras destacadas | Resalat Al-Ghufran, Saqt az-Zand, Diwan al-Lazumiyat |
Religião | deísmo |
Biografia
editarAbu 'Ali al-Muhassin al-Tanukhi (Tanukhi) nasceu na Síria e perdeu a visão aos quatro anos devido à varíola.[3] Era originário da cidade de Maarate Anumane (المعرة) na Síria, da qual seu nome deriva. Estudou em Alepo, na Antioquia, e em outras cidades sírias, onde seguiu uma carreira como pensador, filósofo e poeta antes de retornar à sua cidade-natal de Maarate Anumane, onde viveu o resto da vida, praticando ascetismo e o veganismo.[4][5]
Viajou rapidamente para o centro de Bagdá, onde atraiu um grande número de discípulos de ambos os sexos para ouvir as suas palestras sobre poesia, gramática e racionalismo.[6] Um dos temas mais recorrentes da sua filosofia era a dos direitos da razão contra as pretensões do costume, da tradição e da autoridade.
Embora fosse um defensor da justiça social e da ação, al-Ma'arri sugeriu que as mulheres não deveriam ter filhos, a fim de salvar as gerações futuras das dores da vida.
Visão sobre o Islã e a religião
editarAl-Ma'arri mostrava-se ousadamente cético no que tocava às crenças religiosas, tendo denunciado a superstição e o dogmatismo na religião.[6] Por este motivo, tem sido descrito como um pensador pessimista.[7][6]
Al-Ma'arri ensinou que a religião era uma inútil “fábula inventada pelos antigos”,[8] exceto para aqueles que exploram as massas de crédulos.[8] Durante a vida de al-Ma'arri, muitos califados surgiram no Egito, Bagdá e Alepo, onde se serviram da religião como um instrumento para justificar o seu poder.[9]
Rejeitou os postulados do Islã, bem como de outras religiões, afirmando:
- “Não pressuponhas que as declarações dos profetas sejam verdades; elas são todas mentiras. Os homens viviam confortavelmente, até que eles vieram e estragaram a vida. Os livros sagrados são apenas um conjunto de contos ociosos que poderiam ter sido produzidos em qualquer época e que, de fato, o foram.”[10]
Al-Ma'arri criticou muitos dos dogmas do Islã, tal como a Hajj (a peregrinação santa até Meca), a que chamou uma “romaria de pagãos”.[11]
Um dos seus poemas exprime exatamente os seus pontos de vista:
- Todos erram — muçulmanos, cristãos, judeus e magos:
- Dois fazem a seita universal da humanidade:
- Um homem inteligente, sem religião,
- E, um religioso sem intelecto.[12][13]
Rejeitou a alegação de qualquer revelação divina.[14] As suas convicções religiosas eram as de um filósofo e asceta, para quem a razão fornece um guia moral, e a virtude é a sua própria recompensa.[15]
Obras
editarAs suas coleções de poesia são intituladas The Tinder Spark (Saqt az-zand; سقط الزند) e Necessidade Desnecessária (Luzum ma la yalzam; لزوم ما لا يلزم أو اللزوميات), também chamadas Luzumiyat. Ficou notável pela sua aparente descrença nas religiões reveladas, o que era raro no século XI.
Abū al-'Ala al-Ma'arrī na elegia composta por si sobre a perda de um familiar, combina a sua tristeza com observações sobre a efemeridade da vida:
Suaviza os teus passos. Parece-me que a superfície da Terra é feita apenas de corpos dos mortos; Caminha pausadamente no ar, assim não pisarás os restos dos servos de Deus.[17]
Abul-ʿAla também é conhecido pelo seu famoso livro Resalat Al-Ghufran (رسالة الغفران), um dos livros mais eficazes do patrimônio árabe, e que deixou uma influência notável sobre as próximas gerações de escritores. É um livro da divina comédia, que se concentra na civilização poética árabe, mas de uma forma que toca todos os aspectos da vida. As características mais interessantes do Resalat Al-Ghufran são os seus geniais devaneios, os aforismos filosóficos e a linguagem de traço burilado. Há algumas “semelhanças superficiais” do Resalat Al-Ghufran com a Divina Comédia, salientadas por alguns estudiosos.[18]
Abul-ʿAla também escreveu o Fusul wal ghayat (“Parágrafos e Períodos”), uma coleção de poesias em estilo semelhante ao Alcorão. Há alguns estudiosos que supõem que Abul-ʿAla a escreveu a fim de ilustrar que a linguagem do Alcorão não é milagrosa, mas que só é assim considerada porque já tinha sido reverenciada como tal há centenas de anos. Contudo, nem todos os estudiosos concordam com esta interpretação.
Notas
- ↑ Miguel Asín Palacios (1919). «Islam and the Divine Comedy». Al-Risala. Consultado em 31 de março de 2010
- ↑ Bigotte de Carvalho, Maria Irene (1997). Nova Enciclopédia Larousse vol. 1. Lisboa: Círculo de Leitores. p. 33. 314 páginas. ISBN 972-42-1477-X. OCLC 959016748
- ↑ Philip Khuri Hitti. Islam, a Way of Life. [S.l.]: University of Minnesota Press. 147 páginas
- ↑ 28 11 2010 (28 de novembro de 2010). «On Veganism From a Medieval Arab Poet | Animal Rights». The Abolitionist Approach. Consultado em 28 de dezembro de 2010
- ↑ David Samuel Margoliouth, Abu 'l-ʿAla al-Maʿarri's correspondence on vegetarianism, Journal of the Royal Asiatic Society, 1902, p. 289.
- ↑ a b c Bigotte de Carvalho, Maria Irene (1997). Nova Enciclopédia Larousse vol. 1. Lisboa: Círculo de Leitores. p. 33. 314 páginas. ISBN 972-42-1477-X. OCLC 959016748
- ↑ Philip Khuri Hitti. «Islam, a way of life». Consultado em 31 de março de 2010
- ↑ a b Reynold Alleyne Nicholson (1962). A Literary History of the Arabs. [S.l.]: Routledge. 318 páginas
- ↑ Lamia Ben Youssef Zayzafoon. The Production of the Muslim Woman. [S.l.]: Lexington Books. 141 páginas
- ↑ James Hastings. Encyclopedia of Religion and Ethics, Part 3. [S.l.]: Kessinger Publishing. 190 páginas
- ↑ Reynold Alleyne Nicholson (1962). A Literary History of the Arabs. [S.l.]: Routledge. 319 páginas
- ↑ Traduzido por Reynold A. Nicholson. Citado em Cyril Glasse, (2001), The New Encyclopedia of Islam, página 278. Rowman Altamira.
- ↑ Fred Whitehead. «Freethought Traditions in the Islamic World». Consultado em 31 de março de 2010. Arquivado do original em 31 de maio de 2012
- ↑ Reynold Alleyne Nicholson (1962). A Literary History of the Arabs. [S.l.]: Routledge. 317 páginas
- ↑ Reynold Alleyne Nicholson (1962). A Literary History of the Arabs. [S.l.]: Routledge. 323 páginas
- ↑ Divã de Abul-Alá
- ↑ «al-Ma'arri». Encyclopædia Britannica. Consultado em 31 de março de 2010
- ↑ William Montgomery Watt e Pierre Cachia (1996). A History of Islamic Spain. [S.l.]: Edinburgh University Press. pp. 125–126. ISBN 0748608478
Referências
- Este artigo incorpora texto (em inglês) da Encyclopædia Britannica (11.ª edição), publicação em domínio público.
- Chisholm, Hugh, ed. (1911). «Abu-l-'Ala ul-Ma'arri». Encyclopædia Britannica (em inglês) 11.ª ed. Encyclopædia Britannica, Inc. (atualmente em domínio público)
- Hitti, Philip Khuri (1971). Islam: A Way of Life (em inglês). [S.l.]: U of Minnesota Press
- Meri, Josef W. (2006). Medieval Islamic Civilization: A-K, index (em inglês). [S.l.]: Taylor & Francis
- Nicholson, Reynold A. (1 de julho de 2006). A Literary History of the Arabs (em inglês). [S.l.]: Kessinger Publishing
- Holt, P. M.; Holt, Peter Malcolm; Lambton, Ann K. S.; Lewis, Bernard (21 de abril de 1977). The Cambridge History of Islam: Volume 2B, Islamic Society and Civilisation (em inglês). [S.l.]: Cambridge University Press
- Glassé, Cyril (2003). The New Encyclopedia of Islam (em inglês). [S.l.]: Rowman Altamira
- Watt, William Montgomery; Cachia, Pierre (1996). A History of Islamic Spain (em inglês). [S.l.]: Edinburgh University Press
- Browne, E. G. (dezembro de 1998). A Literary History of Persia (em inglês). [S.l.]: Psychology Press
- Majid, Anouar. A Call for Heresy: Why Dissent Is Vital to Islam and America (em inglês). [S.l.]: U of Minnesota Press
- Zayzafoon, Lamia Ben Youssef (2005). The Production of the Muslim Woman: Negotiating Text, History, and Ideology (em inglês). [S.l.]: Lexington Books
Ligações externas
editar- Media relacionados com Al-Ma'arri no Wikimedia Commons
- «Al-Ma'arri | Biography | Britannica». www.britannica.com (em inglês). Consultado em 27 de novembro de 2022