Alcindo Monteiro

cidadão afro-português assassinado por skinheads

Alcindo Bernardo Fortes Monteiro (Mindelo, 1 de outubro de 1967Lisboa, 12 de junho de 1995), mais conhecido por Alcindo Monteiro, foi um cidadão português assassinado aos 27 anos, vítima de crime de ódio racial.[1][2][3][4][5]

Alcindo Monteiro
Nascimento 1 de outubro de 1967
Mindelo
Morte 12 de junho de 1995 (27 anos)
Lisboa
Cidadania Portugal
Ocupação cozinheiro

A 1 de Outubro de 2020, data em que comemoraria o seu 53.º aniversário, a Câmara Municipal de Lisboa inaugurou uma placa em sua homenagem na Rua Garrett, local onde foi atacado.[6][7][8] O executivo autárquico salientou a placa enquanto símbolo do "compromisso da cidade com o combate ao racismo e intolerância".[9]

Biografia

editar

Alcindo Monteiro nasceu no Mindelo a 1 de outubro de 1967, filho de Bernardo e Francisca Monteiro.[1] Era um de sete filhos. Em 1978, com 11 anos, Alcindo emigrou para Portugal juntamente com a sua família, que se estabeleceu no Bairro de Casquilhos, no Barreiro.[1] Alcindo cumpriu o serviço militar obrigatório em Beja, tendo assumido o posto de cozinheiro. Gostava de cozinhar e de dançar.[1] um dos seus sonhos era seguir a carreira de bailarino, «talvez de Hip Hop ou breakdance» Sonho esse que foi interrompido por um bando de skinheads a 10 de Junho de 1995 que, simplesmente devido à tonalidade da sua pele, o espancou violentamente, o que resultaria na morte de Alcindo.

Assassinato

editar

Na noite de 10 de junho de 1995, Alcindo Monteiro apanhou o barco do Barreiro para Lisboa, com o objetivo de ir dançar ao Bairro Alto.[1] Foi interceptado e violentamente espancado por um grupo de nacionalistas skinheads, na zona do Chiado, vindos de um jantar comemorativo do Dia da Raça, designação dada durante o Estado Novo ao Dia de Portugal, celebrado a 10 de Junho.[5]

 
Notificação da Procuradoria-Geral da República a Francisca Fortes Monteiro, mãe de Alcindo Monteiro, no dia do seu espancamento.

Monteiro foi encontrado sem sentidos na Rua Garrett, em frente à montra da casa Gianni Versace, sendo transportado para o Hospital de São José, juntamente com outras nove vítimas de agressões, todas elas negras.[1] Foi João Lourenço quem ligou para o 115. [10] O relatório médico indicava “hemorragias sub-pleurais e sub-endocirdicas; edema pulmonar; graves lesões traumáticas crânio-vasculo-encefálicas; lesão no tronco cerebral; edema cerebral muito marcado; fractura da calote craniana”. [1][2] Alcindo Monteiro entrou em coma profundo nas primeiras horas da madrugada de 11 de junho de 1995.[1] O seu óbito seria declarado às 10h30 da manhã de 12 de junho.[1]

Julgamento do seu assassinato

editar

O julgamento do caso teve início no dia 31 de janeiro de 1997, no tribunal de Monsanto, presidido pelo juiz João Martinho.[1][11] Foram identificados 17 arguidos, julgados por genocídio, um crime de homicídio e dez ofensas corporais, e ouvidas 84 testemunhas. As sessões estenderam-se até 4 de Junho do mesmo ano.[1] Os arguidos foram Mário Machado, Nuno Cláudio Cerejeira, Nuno Monteiro, Nélson Silva, Nuno Themudo da Silva, Jaime Helder, Alexandre Cordeiro, José Lameiras, Hugo Silva, João Martins, Ricardo Abreu, José Paiva, Jorge Martins, Tiago Palma, Jorge Santos, Nélson Pereira e João Homem.[1][12]

Foi o depoimento do arguido José Lameiras que permitiu a identificação dos restantes agressores e o seu nível de envolvimento na agressão.[1][11][12] João Lourenço depôs como testemunha ocular da agressão, mas não conseguiu identificar nenhum dos agressores.[10] No dia 2 de Maio, o Ministério Público deixou cair a acusação de genocídio.[1]

No dia 4 de Junho de 1997, a sentença ditou penas únicas de 18 anos de prisão a Nuno Themudo da Silva, Nuno Monteiro, Hugo Silva, Ricardo Abreu, José Paiva e Tiago Palma; 17 anos e seis meses de prisão para Jaime Hélder, Nélson Silva e João Martins e 16 anos e seis meses de prisão para Alexandre Cordeiro.[13] Foram ainda proferidas penas mais leves para Mário Machado (quatro anos e três meses), Nuno Cerejeira (dois anos e seis meses), Jorge Martins e Nélson Pereira (três anos e nove meses).[13] Jorge Santos e João Homem foram absolvidos.[13][1]

Reconhecimentos

editar

Em 2020, a Câmara Municipal de Lisboa colocou na Rua Garrett, local onde Alcindo foi assassinado, uma placa em sua homenagem.[6]

Em 2021 foi lançado o documentário “Alcindo” realizado por Miguel Dores. O documentário relata a noite do assassinato e reflete ainda sobre a violência e ataques racistas, em Portugal. O documentário foi vencedor do Prémio do Público na edição de 2021 do Doclisboa e nesse mesmo ano ganhou ainda o prémio de Melhor Documentário e o Grande Prémio do Festival Caminhos do Cinema Português.[14][15]

Referências

editar
  1. a b c d e f g h i j k l m n o Monteiro, Fábio. «A vítima perfeita». Observador. Consultado em 12 de maio de 2021 
  2. a b «Há 25 anos, Alcindo Monteiro foi assassinado pela sua cor de pele». Esquerda. Consultado em 12 de maio de 2021 
  3. «Alcino Monteiro foi assassinado no Bairro Alto por skinheads há 25 anos». SIC Notícias. Consultado em 12 de maio de 2021 
  4. «Alcindo Monteiro morreu há 25 anos. Uma vítima do racismo». www.dn.pt. Consultado em 12 de maio de 2021 
  5. a b Renascença (27 de julho de 2020). «De Alcindo Monteiro a Bruno Candé. Crimes contra as "vidas negras" em Portugal - Renascença». Rádio Renascença. Consultado em 12 de maio de 2021 
  6. a b «Memória de Alcindo Monteiro perpetuada em Lisboa». MUNICÍPIO de LISBOA. Consultado em 12 de maio de 2021 
  7. Lusa, Agência. «Lisboa assinala antirracismo com placa de homenagem a Alcindo Monteiro». Observador. Consultado em 12 de maio de 2021 
  8. Lusa. «Lisboa põe placa de homenagem a Alcindo Monteiro no local onde foi assassinado». PÚBLICO. Consultado em 12 de maio de 2021 
  9. «Alcindo Monteiro homenageado em Lisboa no aniversário do seu assassinato». MUNICÍPIO de LISBOA. Consultado em 12 de maio de 2021 
  10. a b «+Skinheads+: Actor João Lourenço descreve crime em pormenor». Lusa. 24 de fevereiro de 1997. Consultado em 12 de maio de 2021. Arquivado do original em 29 de março de 1997 
  11. a b «"Skinheads": Tribunal admoesta arguidos». Agência Lusa. 12 de abril de 1997. Consultado em 12 de maio de 2021. Cópia arquivada em 19 de julho de 1997 
  12. a b Marques Pereira, Pedro. «Dossier Extrema-Direita | Quebrado muro de silêncio dos "cabeças-rapadas"». Diário de Notícias. Consultado em 12 de maio de 2021. Arquivado do original em 13 de abril de 2010 
  13. a b c «″Cabeças-rapadas″ condenados». www.dn.pt. 5 de junho de 1997. Consultado em 12 de maio de 2021 
  14. «"Alcindo" vence Grande Prémio Caminhos do Cinema Português». https://www.caminhos.info/. 20 de novembro de 2021. Consultado em 30 de maio de 2022 
  15. «"Alcindo" vence prémio do público no Doclisboa». NOVA FCSH. 2 de novembro de 2021. Consultado em 30 de maio de 2022 

Ligações Externas

editar