Anaíte
Anaíte (em armênio: Անահիտ; romaniz.: Anahit), na mitologia armênia, era a deusa da fertilidade, castidade e sabedoria.[1] [2] Era a principal divindade na Armênia ao lado de Aramasde e originou-se da deusa iraniana Anaíta. A adoração de Anaíte, provavelmente emprestada dos iranianos durante a invasão meda ou o início do Período Aquemênida, foi de suma importância na Armênia.
Anaíte | |
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Busto da chamada Afrodite de Satala, que se acredita ser Anaíte
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Nome nativo | Anahit |
Local de culto | Armênia |
Religiões | Zoroastrismo |
Nome
editarAnaíte (Անահիտ, Anahit) é a grafia armênia do persa antigo (𐎠𐎴𐏃𐎡𐎫, Anāhitā) e avéstico (𐬀𐬥𐬁𐬵𐬌𐬙𐬀, Anāhita) Anaíta. Foi registrado em babilônico tardio como Anaítu (𒀀𒈾𒄴𒄿𒌅𒀪, Anaḫituʾ) e Anati (𒀀𒈾𒀪𒋾, Anaʾti),[3] em persa médio como Anaíde (𐭠𐭭𐭠𐭤𐭩𐭲, Anāhīd),[4] em persa novo como Naíde (ناهید, Nahid), em latim e grego como Anaítis (Anaītis; Αναΐτις, Anaḯtis).[5] Dados os seus atributos, foi associada pelas fontes clássicas com Afrodite (Beroso) e Ártemis.[2][6]
História
editarAramasde, Mir, Anaíte, Vaagênio e Tir eram as divindades dominantes do panteão armênio.[7] Mais tarde, foram feitas tentativas de reformar o panteão, incluindo possivelmente reduzi-lo para compreender três divindades principais: Aramasde, Anaíte e Vaagênio.[8] Na tradição, Aramasde é reconhecido como pai de todos os deuses, incluindo Anaíte,[9] embora por vezes tenha sido assumida como sua esposa.[10][11] Foi provavelmente no reinado de Artaxerxes II (r. 405/4–359/8 a.C.), cuja concubina Aspásia foi designada sacerdotisa de "Ártemis a quem chamam Anaítis", que o culto dessa deusa se espalhou pela Ásia Menor e Síria antes de alcançar o planalto Armênio.[12]
Segundo Estrabão (Geografia, 11.14.16), os armênios tinham particular apreço por Anaíte. Uma tradição não verificada, preservada na obra de Moisés de Corene, alega que o principal centro de culto dessa deusa, situado em Eriza (atual Erzincã), foi estabelecido pelo rei artaxíada Tigranes, o Grande (r. 95–55 a.C.).[12] A região na qual Eriza estava localizada chamava-se Acilisena, um dos distritos que compunham a província da Alta Armênia.[13] Em decorrência da presença do templo, Acilisena por vezes era referida como Anética (em latim: Anaetica), "a terra de Anaítis" (Dião Cássio, História Romana, 36.48.1; Plínio, o Velho, História Natural, 5.83).[14] No templo havia uma enorme imagem de ouro que, em 34 a.C., foi levada pelos soldados de Marco Antônio, que a destruíram e dividiram os fragmentos entre si (Plínio, o Velho, História Natural, 33.82-83).[a] Cícero (Pro lege Manilia, 9.23) alegou que era o templo "mais rico e venerável da Armênia" e Estrabão informou que era provido de sacerdotes e sacerdotisas, advindas das famílias nobres, que eram obrigadas a servir como prostitutas sagradas antes de se casarem.[12][15]
Os reis da Armênia eram firmes apoiadores do culto em Eriza. De acordo com Agatângelo, Tiridates III (r. 298–330), antes de sua conversão ao cristianismo, cultuou Aramasde-Anaíte-Vaagênio, embora demonstrasse devoção especial a Anaíte. Na versão grega do texto do mesmo autor, a tradição apresentada afirma que os reis viajavam anualmente para Eriza para celebrar o festival da deusa e Tiridates ofertou coroas e ramos a Anaíte no primeiro ano de seu reinado.[12] Sua festa principal era comemorada no mês de Navasarde, com danças, música, competições e banquetes, e os doentes acorriam ao templos em busca de cura. A cabeça da deusa era o símbolo da medicina na Armênia. No dia de seu festival recebia como oferendas uma pomba e uma rosa. Mais tarde, seus devotos lhe ergueram outra estátua, que sobreviveu até as reformas de São Gregório, o Iluminador, quando passava a predominar o Cristianismo. Nesta época, seu festival foi assimilado pelos cristãos como a festa da Transfiguração de Cristo, ocasião em que o povo exibia seus progressos nas artes e ofícios ao longo daquele ano, em meio a competições e corridas de cavalos, cujos vencedores recebiam uma coroa de rosas. O sacerdote então abençoava o povo aspergindo-o com a água do rio Murate (um tributário do Eufrates), e em seguida o povo fazia o mesmo entre si.[2]
Além de Eriza, se sabe que existiam outros centros de culto. Estrabão comenta que em Zela, no Ponto, foi fortificada sobre o monte de Semíramis, onde um templo da Anaítis armênia foi erguido. Essa referência pode indicar que ela substituiu o antigo culto de Semíramis na cidade.[16] Outra região, situada no rio Ciro (atual rio Cura), perto da fronteira da Ibéria e da Albânia, foi designada por Dião Cássio (36.53.5) como "a terra de Anaítis", o que indica a presença de outro templo, cuja existência não é atestada em outras fontes. Anaíte também era adorada na capital Artaxata, em Astisata, em Taraunitis, e em vários outros locais. Em Artaxata, seu templo ficava próximo ao de Tir, enquanto em Astisata, um conhecido centro associado a Vaagênio e Astlique,[12][17] era adorada sob a forma de um ídolo dourado chamado oskemayr, "a mãe dourada", oskecin, "nascida de ouro", e oskehat, "construída de ouro".[18] Em Satala, a cabeça de uma estátua de bronze, associada à imagem de Afrodite, foi pensada como pertencente a Anaíte.[14] Outro centro de adoração era a cidade de Tomisa, na porção do Eufrates próximo da fronteira entre Sofena e a Capadócia. Em 69 a.C., os soldados de Lúculo puderam ver no território de Tomisa muitas vacas de sacrifício vagando livremente, que foram consagradas a Ártemis e traziam na cabeça a marca dela em forma de tocha (Plutarco, Lúculo, 24.6).[19] Essa correlação de Anaíte/Anaíta com o sacrifício de touros provavelmente explica a razão dela ter sido associada na Lídia, Capadócia e Armênia com Ártemis Taurópola/Táurica.[12] Até o século XIX, o gado com a marca de uma estrela ou meia-lua era abatido durante o festival pelos armênios de Dersim, na Turquia. O 19º dia do mês armênio recebeu o nome de Anaíte.[14]
Notas
editar- [a] ^ Procópio de Cesareia reconta o mito de Orestes e Ifigênia, alegando que visitaram a terra de Celesena (uma variante de Acilisena), na Armênia Táurica, de onde trouxeram a estátua de Ártemis (Anaítis). Essa releitura muda o mito original, segundo o qual eles teriam ido até Táurida, na Cítia. Os próprios armênios alegavam que a Ártemis cultuada em Comana Pôntica e Comana da Capadócia deriva de Anaíte de Acilisena.[20]
Referências
- ↑ Hacikyan et al. 2000, p. 67.
- ↑ a b c Kurkjian 1958, p. cap. XXXIV, pp. 301-303; cap. XLI pp. 370-371.
- ↑ Tavernier 2007, p. 11.
- ↑ MacKenzie 1971, p. 9.
- ↑ Boyce, Chaumont & Bier 1989, p. 1003.
- ↑ Petrosyan 2015, p. 83, 112.
- ↑ Garsoïan 1985, p. 181–182.
- ↑ Garsoïan 1985, p. 182.
- ↑ Petrosyan 2015, p. 73-74, 88-89.
- ↑ Boyce 2001, p. 84.
- ↑ Petrosyan 2015, p. 56-57, 91, 103.
- ↑ a b c d e f Boyce, Chaumont & Bier 1989, p. 1003-1011.
- ↑ Petrosyan 2015, p. 85, 95, 170.
- ↑ a b c Russell 1986, p. 438-444.
- ↑ Petrosyan 2015, p. 92.
- ↑ Petrosyan 2015, p. 99.
- ↑ Petrosyan 2015, p. 58, 85, 94, 100.
- ↑ Petrosyan 2015, p. 56, 91.
- ↑ Petrosyan 2015, p. 90-91.
- ↑ Petrosyan 2015, p. 56-57, 90.
Bibliografia
editar- Boyce, Mary; Chaumont, M. L.; Bier, C. (1989). «Anāhīd». Enciclopédia Irânica Vol. I, Fasc. 9. Nova Iorque: Columbia University Press
- Boyce, Mary (2001). Zoroastrians: Their Religious Beliefs and Practices. Londres: Psychology Press. ISBN 978-0415239028
- Garsoïan, Nina (1985). Armenia between Byzantium and the Sasanians. Ashgate Publishing: Farnham. ISBN 978-0860781660
- Hacikyan, Agop J.; Basmajian, Gabriel; Franchuk, Edward S.; Ouzounian, Nourhan (2000). The Heritage of Armenian Literatura Volume I: From the Oral Tradition to the Golden Age. Detroit: Wayne State University Press
- Kurkjian, Vahan M. (1958). A History of Armenia. Nova Iorque: The Armenian General Benevolent Union of America
- MacKenzie, D. N. (1971). «Anāhīd». A concise Pahlavi dictionary. Londres, Nova Iorque e Toronto: Oxford University Press
- Petrosyan, Armen (2015). Problems of Armenian Prehistory. Myth, Language, History. Erevã: Gitutyun. ISBN 9785808012011
- Russell, J. R. (1986). «ARMENIA AND IRAN iii. Armenian Religion». Enciclopédia Irânica Vol. II, Fasc. 4. Nova Iorque: Columbia University Press
- Tavernier, Jan (2007). «*Tigra-». Iranica in the Achaemenid Period (ca. 550–330 B.C.): Lexicon of Old Iranian Proper Names and Loanwords, Attested in Non-Iranian Texts. Lovaina e Paris: Peeters Publishers