Aramo
Aramo (em latim: Aramus)[1] ou Arã (em armênio: Արամ; romaniz.: Aram) foi um lendário patriarca armênio (naapetes). De acordo com a tradição armênia, preservada principalmente na história de Moisés de Corene, era filho de Harma e descendente do primeiro patriarca armênio Haico. Segundo a lenda, os armênios se uniram num estado e expandiram seu território em todas as direções durante seu reinado. Foi sucedido por seu filho Ara, o Belo.
Nome
editarDe acordo com o filólogo Armen Petrosyan, o nome Aramo é provavelmente uma palavra armênia que se desenvolveu diretamente do protoindo-europeu *rēmo-, que significa "negro".[2][3] Petrosyan argumenta que tanto o Aramo armênio quanto o Rama índico derivam de um mito indo-europeu "comum" sobre um herói cujo nome significa negro (PIE *h₂reh₁mo-) derrotando um inimigo chamado "brilhante, branco, prateado" (PIE *h₂erg-).[4] A iranóloga Anahit Perikhanian deriva Aramo, bem como os nomes dos outros patriarcas armênios Armenaco e Arameis, do meda médio Arã (*Arām), que derivou do iraniano antigo Rama (*Rāma-), "alegria, paz".[5] O linguista Hrachia Acharian conectou o nome com Arame, o nome de um rei urartiano, e escreveu que a figura de Aramo era um reflexo da memória do rei histórico.[6] Na visão de Petrosyan, o nome Arame deriva da mesma fonte indo-europeia que Aramo.[7] Petrosyan também deriva dessa raiz o nome do argonauta Armeno, que é considerado o ancestral dos armênios em fontes gregas e latinas.[3]
De acordo com o antigo historiador armênio Moisés de Corene, o nome Armênia e nomes semelhantes usados por estrangeiros para se referir à Armênia derivam do nome de Aramo.[8] Os armênios nunca se autodenominaram Armém em tempos históricos, sempre usando o endônimo hay, embora Moisés às vezes use os termos ark’ Aramean e Aramean azn, "homens da linhagem de Aramo", para se referir aos armênios.[9] O nome Aramo era raro entre os armênios até seu renascimento no século XIX, quando se tornou um nome masculino armênio comum.[6]
Função mitológica
editarAs figuras de Haico e Aramo, em alguns aspectos, são quase idênticas. De acordo com Manuk Abeghyan, Aramo é a segunda encarnação de Haico․[10] Além disso, ambos são considerados versões epicificadas do arcaico deus do trovão Vaagênio․[11] Por outro lado, há diferenças entre as figuras de Haico e Aramo e entre seus seguidores. Num contexto indo-europeu, Haico representa a primeira função (soberania), enquanto Aramo, a única figura guerreira do mito etnogônico, é um guerreiro óbvio (segunda função).[12] Haico é descrito como um velho patriarca, o líder de guerreiros adultos, seus filhos e filhos de filhos, "homens marciais cerca de trezentos em número."[13] Haico luta com seu adversário dentro do território da Armênia, enquanto Aramo milita contra os inimigos nas terras fronteiriças e além das fronteiras da Armênia. Haico e Aramo podem ser considerados equivalentes do Rudra e Indra indianos.[14]
Lendas
editarA lenda sobre Aramo está registrada na História da Armênia de Moisés de Corene. Moisés escreve que a lenda foi colocada por escrito por Mar Abas Catina, um autor sírio.[15] Aramo era filho de Harma e descendente do patriarca Haico. O historiador do século XVIII Mikayel Chamchian, usando informações da história de Moisés, situou o reinado de Aramo em 1827–1 769 a.C..[6] Ele herdou o trono de seu pai e se tornou famoso em todo o mundo pela bravura prudente e viril que demonstrou a serviço de seu país. Estendeu seu domínio das montanhas do Cáucaso ao montes Tauro e expulsou todos os seus inimigos do país, que estavam muito desejosos de invadir os territórios da Armênia e oprimir o povo. Moisés observa que "Aramo preferiu sofrer a morte em defesa de seu país, do que vê-lo sujeito a estrangeiros."[16]
Pouco antes de Nino se tornar o governante da Assíria, Aramo, pressionado pelos povos vizinhos, reuniu muitos bravos companheiros de tribo, arqueiros e lanceiros mais habilidosos, homens jovens e maduros, hábeis em lutas, ousados de coração e prontos à batalha, totalizando cerca de 50 mil. Nas fronteiras da Armênia, encontrou os jovens medos, sob a liderança de certo Nucar, apelidado de Mades, um homem orgulhoso e guerreiro, como o mesmo cronista observa, Semelhante a um fora da lei, como os cuchanas, pisoteando as fronteiras da Armênia com os cascos dos cavalos, oprimiu o país por dois anos. Mas Aramo, aparecendo de repente, antes mesmo do nascer do sol, destruiu todas as suas hordas e, agarrando o próprio Nucar, o levou a Armavir e lá ordenou que fosse pregado na parede no topo da torre com uma cunha de ferro na testa, à exibição dos transeuntes e de todos que chegaram lá. Por conseguinte, designou os sisacanos (Siunis) como governantes do leste da Armênia.[17]
Aramo também envolveu-se numa guerra contra a Assíria. O conflito foi desencadeado quando Aramo descobriu que Barxã (a forma epicizada do deus Barxamim[18]), tido como da raça dos gigantes, invadiu a Armênia com 40 mil infantes e cinco mil cavaleiros. Ele estava esmagando toda a região com seus altos impostos, mas foi surpreendido por Aramo, que o perseguiu através de Corduena até a planície assíria, massacrando muitos de seus homens. Barxã foi confrontado pelos lanceiros de Aramo e morto. No rescaldo, Barxamim foi deificado por suas façanhas e Aramo sujeitou grande parte da planície assíria a impostos e ao governo da família de Cadmo.[19]
Depois de sua vitória, Aramo moveu-se para o oeste contra a Armênia Prima[a] com quarenta mil infantes e dois mil cavaleiros e alcançou a Capadócia. Ali, opôs em batalha o titã Paiapis Caleai, que havia tomado a terra entre o mar Negro (Ponto Euxino) e o Oceano. Atacando-o, o colocou em fuga e o expulsou para uma ilha do mar Asiático. A região foi concedida a certo Mexaque com mil soldados e Aramo retornou à Armênia,[20] onde governaria mais alguns anos até sua eventual sucessão por seu filho Ara, o Belo.[21] Mexaque povoou os territórios da Armênia Segunda, Tércia e Quarta e foi instruído a ordenar que a população aprendesse armênio. Esse Mexaque supostamente fundou um assentamento, que seria batizado Mázaca, e então Cesareia.[20][b]
Notas
editar- [a] ^ Moisés de Corene utiliza as províncias do Império Bizantino fundadas pelo imperador Justiniano I (r. 527–565) (Prima, Secunda, Tércia, Quarta) como marcos geográficos No suposto contexto no qual a narrativa de Aramo se desenrolou, essas províncias ainda não haviam sido fundadas.[22]
- [b] ^ Moisés de Corene atribuiu ao fictício Mexaque a origem etimológica do nome Mázaca, que foi utilizado como um nome alternativo de Cesareia da Capadócia no Período Romano.[23]
Referências
- ↑ Moisés de Corene 1736, p. 385.
- ↑ Petrosyan 2007, p. 26.
- ↑ a b Petrosyan 2002, p. 44.
- ↑ Petrosyan 2017, p. 174, 178–180, nota 4.
- ↑ Perikhanian 1993, p. 11.
- ↑ a b c Acharian 1942, p. 266.
- ↑ Petrosyan 2002, p. 163.
- ↑ Petrosyan 2002, p. 26.
- ↑ Petrosyan 2002, p. 43, nota 147.
- ↑ Abeghyan 1968, p. 25.
- ↑ Petrosyan 2015, p. 110, 191.
- ↑ Dumézil 1994, p. 133.
- ↑ Hacikyan et al. 2000, p. 33–35.
- ↑ Petrosyan 2015, p. 30.
- ↑ Katvalian 1975, p. 685.
- ↑ Moisés de Corene 1978, p. 92.
- ↑ Moisés de Corene 1978, p. 92-94.
- ↑ Petrosyan 2015, p. 16.
- ↑ Moisés de Corene 1978, p. 94.
- ↑ a b Moisés de Corene 1978, p. 94-95.
- ↑ Moisés de Corene 1978, p. 96.
- ↑ Moisés de Corene 1978, p. 95, nota 7.
- ↑ Moisés de Corene 1978, p. 95, nota 6.
Bibliografia
editar- Abeghyan, Manuk (1968). Hayots' hin grakanut'ean patmut'iwn [History of Ancient Armenian Literature]. 1. Erevã: Haykakan SSH GA Hratarakchʻutʻyun
- Acharian, Hrachia (1942). Hayotsʻ andznanunneri baṛaran Հայոց անձնանունների բառարան. 1. Erevã: Petakan hamalsarani hratarakchʻutʻyun
- Dumézil, Georges Dumézil (1994). Le Roman des jumeaux et autres essais: vingt-cinq esquisses de mythologie. Paris: Gallimard
- Hacikyan, Agop Jack; Basmajian, Gabriel; Franchuk, Edward S.; Ouzounian, Nourhan (2000). The Heritage of Armenian Literature: From the Oral Tradition to the Golden Age, Vol. I. Detroit: Wayne State University Press. ISBN 0-8143-2815-6
- Katvalian, M. (1975). «Aram (Արամ)». In: Ambartsumian, Viktor. Haykakan sovetakan hanragitaran Հայկական սովետական հանրագիտարան [Armenian Soviet Encyclopedia]. Erevã: Haykakan hanragitarani glkhavor khmbagrutʻyun
- Moisés de Corene (1736). Historiae Armeniacae libri III. Londres: Caroli Ackers
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- Petrosyan, Armen (2002). The Indo‑european and Ancient Near Eastern Sources of the Armenian Epic. Washington, D.C: Instituto para o Estudo do Homem. ISBN 9780941694810
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- Petrosyan, Armen (2015). Problems of Armenian Prehistory. Myth, Language, History. Erevã: Gitutyun. ISBN 9785808012011
- Petrosyan, Armen (2017). «Armeno-Indian Epic Parallels». Journal of Indo-European Studies (JIES). 45 (1 e 2)