Celeste Caeiro
Celeste Martins Caeiro (Socorro, Lisboa, 2 de Maio de 1933 – Leiria, 15 de novembro de 2024)[1] foi a mulher que, no dia 25 de Abril de 1974, distribuiu cravos pelos militares que levavam a cargo um golpe de estado para derrubar o regime liderado por Marcelo Caetano. Por este motivo, a revolução ficado conhecida pela Revolução dos Cravos.[2]
Celeste Caeiro | |
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Nascimento | 2 de maio de 1933 Socorro (Portugal) |
Morte | 15 de novembro de 2024 (91 anos) Leiria |
Cidadania | Portugal |
Ocupação | empregada de mesa, ativista pela paz, contemporary witness |
Biografia
editarCeleste nasceu a 2 de Maio de 1933 na antiga freguesia do Socorro, em Lisboa.[3] De mãe galega, Teodora de Viana Martins Caeiro, era a mais nova de três irmãos e quase não conheceu o pai, que os abandonou.[4] A mãe, nascida em Espanha, foi muito nova para a Amareleja, que nos anos finais do Estado Novo era considerada "a aldeia mais vermelha de Portugal", e depois para Lisboa, onde os três filhos foram deixados a instituições de caridade. Com 18 meses, Celeste passou a viver na Creche do Alto do Pina, propriedade da Santa Casa na Rua Barão de Sabrosa, e recebia apenas visitas esporádicas da mãe. Aos 14 anos, passou para o Asilo 28 de Maio, no Lazareto, em Porto Brandão, na margem sul do Tejo, mas nele permaneceu durante pouco tempo, revoltada com a frieza e a rigidez das freiras responsáveis pelo asilo. Foi transferida novamente para uma instituição da Casa Pia, desta vez para o Colégio de Santa Clara, onde permaneceu até aos 20 anos, formada em pré-enfermagem com equivalência ao segundo ano do liceu. Contudo, nunca chegou a exercer a profissão devido a problemas de saúde que lhe afetavam os pulmões.
Em Lisboa ,trabalhou numa fábrica de camisas da Avenida Almirante Reis, e depois na tabacaria do Café Patinhas, na Rua da Prata, 242-248 (que se chamava de facto Café Lusitano)[5], onde havia venda clandestina dos livros proibidos de José Vilhena, guardados dentro de pacotes de tabaco. Celeste começara a ter consciência política na adolescência, quando visitava os tios na Amareleja e se apercebeu de reuniões clandestinas[6]. Nas tardes de folga, assistia aos julgamentos nos tribunais plenários da Boa Hora, em Lisboa.
No café Patinhas, conheceu com quem foi viver e de quem teve uma filha, sofreu violência doméstica do companheiro alcoólico que a abandonou e à filha de três anos.
Trabalhou no bengaleiro da boîte Marygold antes de começar a trabalhar no restaurante Sir, o primeiro em regime de self-service em Lisboa, no edifício Franjinhas, na rua Braamcamp.[3][7]
Papel na Revolução dos Cravos
editarCeleste Caeiro tinha 40 anos, em 1974, e vivia num quarto que alugara ao Chiado, na Calçada do Sacramento, n.º 14. Trabalhava num restaurante do self-service chamado "Sir" no edifício Franjinhas da Rua Braamcamp em Lisboa[8] O restaurante, inaugurado a 25 de Abril de 1973, fazia um ano de abertura nesse dia, e a gerência planeava oferecer flores para dar às senhoras clientes, e um Porto aos cavalheiros. Nesse dia, todavia, como estava a decorrer o golpe de estado, o restaurante não abriu. O gerente disse aos funcionários para voltarem para casa, e deu-lhes os cravos para levarem consigo, já que não poderiam ser distribuídos pelas clientes. Cada um levou um molho de cravos vermelhos e brancos que se encontravam no armazém.[2][9] Ao regressar a casa, Celeste apanhou o metro para o Rossio e na esquina da Rua do Carmo deparou-se imediatamente com os tanques dos revolucionários. Aproximando-se de um dos tanques, perguntou o que se passava, ao que um soldado lhe respondeu "Nós vamos para o Carmo para deter o Marcelo Caetano. Isto é uma revolução!". O soldado pediu-lhe, ainda, um cigarro, mas Celeste não tinha nenhum. Celeste queria comprar-lhes qualquer coisa para comer, mas as lojas estavam todas fechadas. Assim, deu-lhes as únicas coisas que tinha para lhes dar: os molhos de cravos, dizendo "Se quiser tome, um cravo oferece-se a qualquer pessoa". O soldado, cuja identidade nunca foi possível apurar, aceitou e pôs a flor no cano da espingarda. Celeste foi dando cravos aos soldados que ia encontrando, desde o Chiado até ao pé da Igreja dos Mártires.[2][10][7]
Depois de seu gesto, Celeste foi chamada Celeste dos cravos.[11] No ano 1999, a poeta Rosa Guerreiro Dias dedicou-lhe o poema Celeste em Flor.[12] A história de Celeste veio desmentir alguns relatos que circulavam acerca da Revolução dos Cravos, nomeadamente, a crença de que os cravos haviam sido oferecidos aos soldados por uma florista do Rossio; que todos os cravos eram vermelhos, quando, segundo Celeste, trazia consigo alguns cravos brancos; que os cravos haviam sido trazidos de uma conservatória do registo civil, onde se iria realizar um casamento adiado pela revolução; ou que haviam sido transportados do aeroporto de Lisboa, onde estavam prestes a ser enviados para o estrangeiro. A entrevista de Celeste à revista Crónica Feminina, de 13 de junho de 1974, conduzida por Ruth Quaresma, contribuiu para a sua celebridade.[7]
Vida em democracia
editarDepois de se reformar, tornou-se militante do Partido Comunista Português. A 25 de agosto de 1988, perdeu todos os seus pertences quando o apartamento que alugou no edifício dos Armazéns do Chiado foi destruído por um grande incêndio na zona.[13] Vivia com uma pensão de 370 euros numa pequena casa a poucos metros da Avenida da Liberdade. Em 2024, foi organizada uma subscrição pública para permitir a Celeste comprar um aparelho auditivo.[14][7]
Participou, em 2024, no desfile comemorativo do 50.º aniversário da Revolução dos Cravos, na Avenida da Liberdade, em Lisboa. A presença de Celeste Caeiro na Avenida da Liberdade foi um dos momentos mais marcantes da celebração popular: ao lado da família, distribuiu cravos como o fizera exatamente 50 anos antes, tendo o momento sido registado por fotógrafos presentes e as fotografias amplamente partilhadas. Nesse dia, foi também mencionada na sessão solene que teve lugar na Assembleia da República; o deputado Rui Tavares sugeriu que Celeste Caeiro fosse homenageada com uma estátua na casa da democracia.[15]
Morreu meses depois, em 15 de novembro de 2024, aos 91 anos, no hospital de Leiria, devido a problemas do foro respiratório.[15]
Referências
- ↑ Caeiro, Celeste (24 de Abril de 2013). «FUI EU QUE DISTRIBUI OS CRAVOS DA REVOLUÇÃO». "Boa Tarde" (entrevista). Conceição Lino. Lisboa
- ↑ a b c Isabel Araújo Branco (2000). «25 DE ABRIL SEMPRE! - A flor que deu o nome à Revolução: «Um cravo oferece-se a qualquer pessoa»». Avante! (Nº 1378). Consultado em 24 de Abril de 2013. Arquivado do original em 30 de maio de 2001
- ↑ a b «Celeste, a lisboeta que deu os cravos à revolução». Jornal i. 25 de abril de 2019
- ↑ «Conheça Celeste Caeiro, mulher que com cravos deu nome à Revolução em Portugal». R7. 25 de abril de 2014. Consultado em 29 de dezembro de 2017
- ↑ Sucena, Eduardo (1989). «Os cafés na vida social, política e intelectual de Lisboa» (PDF). Olisipo - Revista dos Amigos de Lisboa. Consultado em 2 de dezembro de 2024
- ↑ Araújo, António (28 de julho de 2024). «Celeste e Guilhermina: a flor do acaso». Diário de Notícias. Consultado em 2 de dezembro de 2024
- ↑ a b c d Araújo, António (28 de julho de 2024). «Celeste e Guilhermina: a flor do acaso». Diário de Notícias
- ↑ «O edifício Franjinhas vai ficar de cara lavada». Time Out Lisboa. 21 de março de 2020
- ↑ «Os cravos vermelhos, símbolos de Abril». RTP Notícias. 21 de abril de 2014
- ↑ «▶ Vídeo: A mulher que fez do cravo o símbolo da revolução». Jornal de Notícias. 25 de abril de 2013
- ↑ «Celeste Caeiro, a mulher que deu nome à revolução em Portugal». Radar Global. 25 de abril de 2014
- ↑ «Vamos Falar de Abril: Celeste em flor nos canteiros da Mouradia». Vamos Falar de Abril. 17 de março de 2014. Consultado em 29 de dezembro de 2017
- ↑ «O drama de Celeste: deu o nome dos cravos à Revolução de Abril mas recebe uma pensão de miséria». Flash. 25 de abril de 2020. Consultado em 25 de abril de 2023
- ↑ Poncini, Helena (24 de abril de 2016). «Ella es Celeste Caeiro, la mujer que, con un pequeño gesto, dio nombre a la Revolución de los Claveles». el Periódico (em espanhol)
- ↑ a b «Morreu Celeste Caeiro, a mulher que deu os cravos aos militares do 25 de Abril». Público. 15 de novembro de 2024. Consultado em 15 de novembro de 2024