Chéchia
A chéchia, chéchoua[nt 1] ou shashia (em árabe: شاشية) é um chapéu tradicional masculino usado por numerosos povos islamizados.[1] É o chapéu nacional da Tunísia.
Aparentada com a boina europeia, a chéchia é basicamente um gorro cilíndrico[1] en forma de barrete. É de cor vermelhão na Tunísia,[2] no leste da Líbia e na região de Bengasi (onde é chamada chenna);[nt 2][carece de fontes] no resto da Líbia é negro.[2] Até ao século XIX era frequentemente envolvido por um turbante. Distingue-se do fez principalmente por ser mole e flexível, enquanto que o fez é rígido e em forma de tronco cónico e relativamente alto. No entanto, o fez é também chamado chéchia stambouli ("chéchia de Istambul")[nt 3] e chéchia megidi.[nt 4][carece de fontes]
O termo chéchia designava também um gorro longo e mole, adotado por algumas tropas coloniais francesas,[1] nomeadamente os zuavos, tirailleurs e spahis de origem europeia.[carece de fontes]
Etimologia
editarNo Magrebe e no Egito, o termo chéchia designa o barrete que se usa na cabeça e em volta do qual durante muito tempo se enrolou uma peça de tecido para formar um turbante. Segundo a tradição, o fabrico desse tipo de chapéu tem origem em Cairuão, no século IX. O seu nome provém do adjetivo derivado de "Shash" (em árabe: شاش; romaniz.: šāš), nome da atual Tashkent,[3] no Uzbequistão. Numa parte da obra do viajante magrebino ibne Batuta (século XIV), referente à sua estadia em Xiraz cerca de 1327, lê-se:[4]
“ | No dia seguinte, um enviado do rei do Iraque, o sultão Abu Sa'id Bahadur chegou perto do xeque: era Nâcir eddîn Addarkandy, um dos principais emires, originário de Coração. Enquanto se aproximava do xeque, ele retirou da cabeça a sua châchiiah, que os persas chamam calá.[nt 5] | ” |
História
editarOrigens
editarNo Magrebe, atualmente o termo designa apenas o barrete, como acontecia no Alandalus, onde a chéchia se chamava ghaffara (غفارة). Na Argélia, este termo designava também um barrete feminino. Diego de Haedo relata que as mulheres de uma certa cidade usavam sobre o bnaka (بناقة) três tipos de adereços: «quando assistem a festas e nos casamentos, também trazem na cabeça, sobretudo quando são ricas, um barrete redondo chéchia magnificamente brocado de ouro.»[5]
De forma cilíndrica, a chéchia foi importada na sua forma atual da Espanha para a Tunísia pelos mouros expulsos após a conquista de Granada em 1492. Encontrando na Tunísia uma segunda pátria, eles estabelecem o artesanato da chéchia. O seu fabrico é rapidamente considerado como uma arte refinada e segue tradições muito estritas. Quem desejasse lançar-se nesse ofício particular era sujeito a um exame profundo perante uma comissão designada de artesãos. Confecionado por chaouachis (nome dos fabricantes de chéchias), a chéchia não tarda em ocupar três socos (mercados ou bairros comerciais) inteiros, construídos em 1691 na almedina de Tunes, de tal forma o seu sucesso é grande, dando trabalho a milhares de pessoas.[6]
A partir dos anos 1920, os independentistas tunisinos começam a usar cada vez mais a "chéchia testouriya", originária de Testour, devido ao seu nome ser semelhante ao do seu partido, o Destour.[carece de fontes]
Artesanato em crise
editarDepois da independência da Tunísia em 1956, com a chegada de produtos manufaturados e de costumes provenientes do Ocidente, o uso da chéchia tendeu para se limitar aos feriados e festas religiosas; usualmente é associado à terceira idade. Os rendimentos dos fabricantes ressentiram-se disso e muitos viram-se obrigados a abandonar o seu ofício. As gentes que vivem no campo, geralmente mais tradicionalistas, também abandonaram em grande parte o tradicional barrete, substituindo-o por equivalentes mais baratos, de fabrico industrial.[nt 6][2]
Enquanto alguns setores tradicionalistas reclamam que a inexistência dum programa governamental coerente de apoio à chéchia e aos chaouachis (artesãos) contribui muito para o seu declínio, muitos especialistas vêm como principal causa desse declínio a falta de criatividade e de inovação por parte dos chaouachis. No final dos anos 1990, numa tentativa de revitalizar a sua indústria, numerosos artesãos começaram a fabricar novas variedades de chéchias, com outras cores e decorações, a fim de atraírem clientela mais jovem. Este impulso provocou rapidamente o aumento das exportações de chéchias tunisinas para países africanos. As estatísticas oficiais das exportações de 2007 indicam que 80% da produção de chéchias da Tunísia é exportada,[2] principalmente para a Argélia, Marrocos e Sudão, mas também para o Próximo Oriente e Ásia.[carece de fontes]
Fabrico
editarA chéchia tradicional é feita de lã cardada tricotada por mulheres que confecionam os gorros kabbous. Estes são enviados para a foulage ("esmagamento" em francês), onde são molhados com água quente e sabão e pisados por homens de tal forma que as malhas do tricô passam a ser praticamente impercetíveis. Segue-se a cardadura, que transforma o feltro em veludo penugento. Cada vez mais, a caradadura é substituída pelo uso duma escova metálica. É nesta fase de fabrico que a chéchia é tingida com o típico vermelhão,[carece de fontes] se bem que mais recentemente também se usem outras cores muito variadas.[2]
A divisão do trabalho e repartição geográfica permitem uma produção artesanal em larga escala conservando a qualidade pela qual a chéchia de Tunes é célebre. No processo de fabrico de uma chéchia participam cerca de uma dúzia de pessoas de diversos pontos do país, escolhidos em função dos seus recursos humanos e materiais:[7]
- Tecelagem da lã: Djerba e Gafsa;
- Tricotagem: Ariana (por mulheres especializadas chamadas kabbasat);
- "Esmagamento": El Batan (nas águas do Medjerda);
- Cardadura: El Alia;
- Tingimento: Zaghouan;
- Forma e acabamentos: Tunes.
A qualidade das águas tem um papel importante, daí a escolha de lugares diferentes para o esmagamento e tingimento.[carece de fontes]
Notas
editar- Este artigo foi inicialmente traduzido, total ou parcialmente, do artigo da Wikipédia em francês cujo título é «Chéchia», especificamente desta versão.
- ↑ "Chéchia" e "chéchoua" são termos franceses apropriados do árabe; o "é" em francês não tem, geralmente, o mesmo som aberto que tem em português, sendo antes fechado, como o "e" em "este" ou, mais raramente, como o primeiro "e" em "deve".
- ↑ «Fotografia duma chéchia da região de Bengasi» (JPG). sites.google.com/site/chechiabenghazi. Consultado em 26 de setembro de 2012
- ↑ «Fotografia duma "chéchia stambouli"» (JPG). img.webme.com. Consultado em 26 de setembro de 2012
- ↑ «Fotografia duma "chéchia megidi"» (JPG). Consultado em 26 de setembro de 2012
- ↑ Em persa, کلاه; romaniz.: kulāh designa vários tipos de chapéus.
- ↑ Uma chéchia tradicional custa entre 4 e 20 euros (10 a 53 reais), enquanto um chapéu fabricado em série industrialmente custa em média 1,5 euro (4,2 reais).
Referências
- ↑ a b c «Définition de Chéchia». www.cnrtl.fr (em francês). Centre National de Ressources Textuelles et Lexicales. Consultado em 26 de setembro de 2012
- ↑ a b c d e Al-Tounisi, Iheb (16 de março de 2007). «Le chéchia tunisien lutte pour survivre». www.magharebia.com (em francês). Consultado em 26 de setembro de 2012. Cópia arquivada em 22 de setembro de 2010
- ↑ «Etymologie de Chéchia». www.cnrtl.fr (em francês). Centre National de Ressources Textuelles et Lexicales. Consultado em 26 de setembro de 2012
- ↑ ibne Batuta; trad: Defremery, Charles; Sanguinetti, Beniamino Rafflo (1982). Voyages. De l'Afrique du Nord à La Mecque (em francês). I. Paris: François Maspero. p. 337. 398 páginas. ISBN 2707113026. Consultado em 26 de setembro de 2012
- ↑ Haedo, Diego de. «4». Topographia e historia general de Argel (em espanhol). 27. [S.l.: s.n.]
- ↑ Slim, Hédi; Mahjoubi, Ammar; Belkhodja, Khaled (2007). Histoire générale de la Tunisie (em francês). III - “Les temps modernes”. Paris: Maisonneuve et Larose. p. 137
- ↑ Annabi, Hassen El; Chapoutot-Remadi, Mounira; Kamarti, Samia (1995). Itinéraire du savoir en Tunisie: les temps forts de l'histoire tunisienne (em francês). Paris: Alif/CNRS. 182 páginas. ISBN 9782271052988
Bibliografia adicional
editar- Miled, Mika Ben (2010). Chéchia, le bonnet de feutre méditerranéen (em francês). Cartago: Éditions cartaginoiseries. 184 páginas. ISBN 9789973704153. Consultado em 26 de setembro de 2012
- Ferchiou, Sophie (1971). Techniques et sociétés. Exemple de la fabrication des chéchias en Tunisie (em francês). Paris: Institut d'ethnologie, Musée de l'homme. 262 páginas
Ligações externas
editar- Bouamoud, Mohamed (19 de outubro de 2007). «Enquête : Comment se porte la chéchia?». www.webmanagercenter.com (em francês). Consultado em 26 de setembro de 2012
- Mami, Mohamed Béji Ben (2012). «Souk des Chéchias (le marché des bonnets en laine)». www.discoverislamicart.org (em francês). Consultado em 26 de setembro de 2012