Ciclo Miller
Em engenharia, o ciclo Miller é um processo de combustão usado em um tipo de motor de combustão interna de quatro tempos. O ciclo Miller foi patenteado por Ralph Miller, um engenheiro estadunidense, nos anos 1940.
O ciclo Miller é baseado no ciclo Otto, mas a fase de expansão é mais prolongada que a fase de compressão, permitindo uma sobre-expansão (por isso chamado de um ciclo sobre-expandido) dos gases queimados que, de outro modo, seriam perdidos pelo escape.[1]
Este ciclo é também chamado de 5 tempos, além dos tradicionais (admissão, compressão, combustão e escape) há o quinto tempo, que seria a compressão com a válvula de admissão aberta.
Nos motores de ciclo Otto, o curso entre P.M.I. (ponto morto inferior) e P.M.S. (ponto morto superior) é feito com as válvulas de admissão e escape fechadas, permitindo maior compressão no sistema. No ciclo Miller esse mesmo trajeto é feito com as válvulas de admissão abertas por algum período de tempo. Isso permite que o pistão encontre menos resistência para a compressão dos gases, diminuindo os esforços necessários.
É correto afirmar que isso diminui a potência específica do conjunto, porém o ciclo Miller conta com turbo compressor ou compressor mecânico para compensar essa perda. Assim, os gases de admissão possuem maior pressão, otimizando a combustão.
Sem o compressor, esse ciclo tem o nome de Atkinson, e devido à menor potência, é comum sua utilização apenas em veículos híbridos.
Descrição do ciclo Miller
editarDescrição mecânica
editarO ciclo Miller é aplicado a motores de combustão interna, desenvolvido com o intuito de melhor aproveitamento da energia produzida pela combustão. Assim como o ciclo Otto, o ciclo Miller é um motor constituído por um bloco que contém todos os elementos necessários para que o motor possa funcionar perfeitamente: eixo virabrequim, bielas, pistões, cabeçote, etc.[2]
No ciclo Miller, a válvula de admissão é deixada aberta mais tempo do que seria em um motor de ciclo Otto. Sendo assim, o curso de compressão é de dois ciclos discretos: inicialmente quando a válvula de admissão está aberta, e a porção final quando a válvula de admissão está fechada. Este curso de admissão de dois estágios cria o chamado "quinto" tempo. Na compressão, a carga é parcialmente expelida para fora através da válvula de admissão ainda aberta. Tipicamente, esta perda de ar de carga resultaria numa perda de energia. No entanto, no ciclo Miller, isto é compensado pela utilização de um compressor. [3]
No ciclo Miller, o pistão começa a comprimir a mistura de combustível-ar somente após a válvula de admissão se fechar. Em seguida, a válvula de admissão se fecha logo após o pistão percorrer certa distância acima da sua posição mais baixa: cerca de 20 a 30% do curso total do pistão deste curso ascendente. Assim, no motor de ciclo Miller, o pistão realmente comprime a mistura de combustível-ar somente durante os últimos 70% a 80% do curso de compressão. Durante a parte inicial do curso de compressão, o êmbolo empurra parte da mistura combustível-ar através da válvula de admissão ainda aberta e volta para dentro do coletor de admissão.[4]
Todo esse processo permite que os gases queimados sejam expandidos novamente, evitando que sejam expelidos pelo escape. Essa sobre expansão dos gases pode se dar pelos seguintes métodos:[5]
- Uso de um sistema biela-manivela capaz de fazer com que o tempo de admissão/compressão seja menor que o tempo de expansão/escape;
- Fechando a válvula de admissão antes do PMI (ponto morto inferior), reduzindo o tempo de admissão/compressão;
- Fechando a válvula de admissão depois do PMI, mantendo a extensão da expansão.[5]
Além desses métodos, deve-se ressaltar que a taxa de compressão também deve ser controlável para que assim, crie-se um motor a gasolina de alto rendimento. Esse controle é possível por meio de um motor que possua sistemas de abertura de válvulas e da taxa de compressão. Apesar de serem essenciais, estes sistemas de variação de taxa de compressão ainda não atingiram o mercado.[5]
Descrição termodinâmica
editarEm um motor de combustão interna de geometria fixa, a eficiência térmica aumenta se a taxa de expansão for maior do que a de compressão. [5]
Devido às diferentes maneiras possíveis de se idealizar o ciclo Miller com a manipulação da abertura e o fechamento de válvulas, é necessário que a taxa de compressão desse ciclo seja diferenciada em relação ao ciclo Otto, pois diferente deste, a fase de compressão não se dá do PMI ao PMS, mas sim entre uma fração do percurso.[6]
Com isso é possível dar origem ao conceito de compressão retida, definida por:[6]
Como uma cilindrada de um motor é a diferença entre um volume maior e outro menor, podemos definir o volume máximo admitido num cilindro no ciclo completo de um pistão:[6]
Sendo assim, em um motor de combustão interna de geometria fixa, é possível definir a taxa de compressão geométrica pela equação (3):[6]
Em seguida, é necessário encontrar a relação entre a taxa de expansão e compressão. Para o ciclo Miller, que quanto o maior o valor da relação de expansão, maior é o seu rendimento, a relação de expansão pode ser definida pela seguinte equação:[6]
A eficiência de um ciclo termodinâmico é definida por:[6]
Onde é o trabalho realizado no ciclo e é o calor absorvido pela fonte quente. Pela primeira lei da termodinâmica, o trabalho de um ciclo é a diferença entre o calor da fonte quente e da fonte fria, sendo assim:[6]
Para a determinação da eficiência do ciclo Miller, será necessário calcular a temperatura em diferentes pontos do ciclo. No ponto 1 será considerado o valor de uma temperatura e uma pressão (pressão atmosférica). O ponto 2 é onde a compressão acaba no qual é iniciado em 1. Para calcularmos o valor de será utilizado as condições de um processo isentrópico de um gás ideal:[7]
O caminho de 2 para 3 corresponde á uma combustão interna de ar e combustível, como a pressão e a temperatura aumentam proporcionalmente e o volume se mantém constante, o processo é definido com uma transformação isovolumétrica. Assim se pode calcular o calor do processo pela seguinte relação:[7]
Onde:
= é a massa de ar e combustível na combustão interna;
= é o calor específico a volume constante;
= a massa do combustível;
= o menor poder calorífico do combustível.[7]
Então:
Onde é a razão ar-combustível.
Considerando:[7]
Substituindo a temperatura pela equação (7), podemos reescrever a equação (9):[7]
De 3 até 4 ocorre uma expansão isentrópica durante todo o percurso dentro pistão. Sendo uma transformação isentrópica, analogamente a equação (7), temos que:[7]
Substituindo a temperatura pela equação (11):[7]
No diagrama , a pressão nos pontos 5 e 1 são iguais, isso permite obter a relação:[7]
Com a expressão da eficiência térmica de um ciclo obtida pela primeira lei, é possível desenvolver a relação do rendimento do ciclo Miller:[7]
Substituindo , , , e , respectivamente, o rendimento do ciclo Miller é expressado como:[7]
No qual
Comparação do Ciclo Miller com outros ciclos
editarOs motores de ciclo termodinâmico alternativos ao Otto, como o Atkinson e o Miller existem porque, nos carros híbridos, não é suficiente introduzir um motor elétrico para auxiliar o motor a combustão. Isso se explica pelo fato de que em estradas, quando o motor elétrico entra menos em ação, o motor a combustão precisa atuar de forma mais eficaz a fim de conseguir bons números de consumo.O ciclo Atkinson possui uma menor perda interna por bombeamento comparado ao ciclo Otto, o que possibilita um fluxo reverso de mistura para dentro do sistema de admissão, sem queima, reduzindo de maneira significativa o deslocamento do motor. Desta forma, o motor passa a ter “cinco tempos”, ou seja, admissão, fluxo reverso, compressão, potência e escape.[8]
O ciclo Miller, com restrições, é o ciclo Atkinson atribuído de um sistema forçado de admissão com supercompressor. Basicamente o tempo de acionamento das válvulas de admissão muda, isto é, durante parte do tempo de compressão, as válvulas de admissão ficam abertas, com o motor comprimindo contra o supercompressor em vez de contra a pressão nas paredes dos cilindros. A fase de expansão é mais prolongada que a fase de compressão.[8]
Essa abertura poderia resultar em menos potência, já que haveria menos combustível na câmara de combustão para queimar, não fosse o fato de que todo motor de ciclo Miller conta com sobre alimentação, ou seja, um turbo, que continua a empurrar combustível e ar para dentro do motor.[8]
Aplicações do ciclo Miller
editarUm motor que opera sobre o ciclo Miller, apresenta um rendimento superior aos motores que trabalham sobre o ciclo Otto devido ao aproveitamento de elevada entalpia proveniente nos gases de escape, que em outros ciclos não são reutilizados. Apesar do alto rendimento, não é comum encontrar motores que se utilizem do ciclo Miller, sendo mais provável ver esse ciclo operando em protótipos ou em motores fabricados em baixos volumes de produção.[6]
Um dos poucos casos de produção em série foi o motor KJ-ZEM fabricado pela Mazda® em 1995 no modelo Millenia.[6]
Referências
- ↑ Martins, J J.G., Ribeiro, B S.; DESENVOLVIMENTO DO CONCEITO DE MOTOR SOBRE-EXPANDIDO – análise teórica, numérica e experimental; 8.º CONGRESSO IBEROAMERICANO DE ENGENHARIA MECÂNICA - Cusco, 23 a 25 de Outubro de 2007 - www.dem.uminho.pt
- ↑ REVOLORIO, V.A.E (Junho 2010). «VENTAJAS DE UN CICLO MILLER FRENTE A UN CICLO DIESEL, EN MOTORES DE COMBUSTIÓN INTERNA, EN SISTEMAS ELETRÓGENOS ESTACIONÁRIOS DE BAJA VELOCIDAD» (PDF). Consultado em 24 de fevereiro de 2017
- ↑ RUFFO, GUSTAVO (18 de Julho de 2015). «Diesel, Atkinson e Miller: conheça os ciclos mais econômicos de motor». Flat Out. Consultado em 24 de fevereiro de 2017
- ↑ «All about Miller Cycle engines». Gizmo Highway. Consultado em 1 de março de 2017
- ↑ a b c d MARTINS, J.J.G (25 de Outubro de 2007). «DESENVOLVIMENTO DO CONCEITO DE MOTOR SOBRE-EXPANDIDO» (PDF). Consultado em 24 de Fevereiro de 2017
- ↑ a b c d e f g h i LOURENÇO, C.E.R (Outubro de 2012). «CONTRIBUIÇÃO PARA O FABRICO DE MOTOR SOBRE-EXPANDIDO» (PDF). Consultado em 24 de Fevereiro de 2017
- ↑ a b c d e f g h i j MARTINS, J.J.G. «THERMODYNAMIC ANALYSIS OF AN OVER-EXPANDED ENGINE» (PDF). Consultado em 24 de fevereiro de 2017
- ↑ a b c Vieira, José (23 de janeiro de 2011). «O por que da maior eficiência do ciclo Atkinson». Motonline. Consultado em 24 de fevereiro de 2017