Colonialismo digital

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Colonialismo digital é um termo que se refere à forma contemporânea de colonização exercida por meio do controle, coleta e utilização de dados digitais por grandes corporações e estados.[1] Este conceito aborda a maneira como dados pessoais e comportamentais são coletados massivamente, analisados e utilizados para fins comerciais e de controle, estabelecendo uma nova dinâmica de poder e exploração similar ao colonialismo convencionalmente estudado.

Segundo Nick Couldry e Ulises A. Mejias, autores de "The Costs of Connection: How Data Is Colonizing Human Life and Appropriating It for Capitalism"[2] (2019), o colonialismo digital transforma dados em mercadorias, apropriando-se da vida humana para o capitalismo de uma maneira que espelha, mas também difere das formas tradicionais de colonialismo. Couldry e Mejias argumentam que o colonialismo digital se baseia na expropriação de dados, onde informações coletadas sobre indivíduos são utilizadas sem o seu consentimento para criar perfis detalhados que alimentam novos mercados de predição e modificação de comportamento. Este processo resulta em novas formas de exploração e controle, comparáveis ao impacto histórico do colonialismo territorial. A apropriação e o uso massivo de dados pessoais transformam a vida social e ameaçam valores fundamentais como a privacidade e a autonomia individual, gerando concentrações de poder que podem reforçar desigualdades sociais e econômicas.

A definição de colonialismo digital também expande o conceito ao discutir como a coleta e o uso de dados perpetuam desigualdades e exploram populações vulneráveis, destacando o impacto deste fenômeno na vida social e econômica contemporânea. Este novo tipo de colonialismo não envolve a ocupação física de territórios, mas a captura e o controle dos fluxos de informações digitais que moldam a vida moderna, muito chamado de Colonialismo de Dados.[3]

A discussão também é aprofundada por outros autores, ao abordar como as tecnologias digitais reproduzem e amplificam as dinâmicas coloniais históricas, informando que o colonialismo digital perpetua a lógica de dominação e exploração, utilizando a infraestrutura digital global para exercer controle sobre populações e recursos. Há destaque que essa nova forma de colonialismo está intrinsecamente ligada às estruturas de poder e capital que governam a economia digital, criando novas formas de dependência e subjugação.[1]

Histórico e Contexto

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Na história da humanidade, práticas de colonialismo foram usadas em várias ocasiões, onde um poder superior utilizava os recursos de outro país para aumentar seu poder e riquezas.[4]

Da mesma forma que o colonialismo histórico, o colonialismo digital também explora recursos da "colônia", porém, agora os recursos valiosos são os dados, fornecidos, gerados e consumidos pela sociedade. Em vez de se basear na força e exploração militar, o colonialismo digital captura a atenção e os hábitos de consumo do público-alvo. Esta forma de controle é exercida através do monitoramento constante, análise e manipulação de comportamentos, utilizando tecnologias avançadas para criar dependências e moldar preferências de consumo, marcando uma transição de uma exploração física para uma exploração digital.

Comparação entre as espécies de colonialismo com o colonialismo digital:

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O colonialismo digital, como definido por Nick Couldry e Ulises A. Mejias (2019), envolve a apropriação e exploração de dados, um novo recurso valioso. Enquanto o colonialismo histórico se baseava na apropriação de territórios e violência física, o colonialismo de dados utiliza infraestruturas digitais para exercer controle de maneira mais sutil, mas com impactos semelhantes na governança dos indivíduos.[5]

Colonialismo de Exploração

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O colonialismo de exploração envolvia a extração de recursos naturais das colônias para beneficiar as metrópoles. No colonialismo digital, empresas coletam e utilizam dados pessoais para lucro, frequentemente sem transparência ou consentimento adequado, semelhante à extração de riquezas no passado.

Colonialismo de Povoamento

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O colonialismo de povoamento consistia no estabelecimento de colônias permanentes, marginalizando ou deslocando populações locais. No colonialismo digital, empresas de tecnologia criam ecossistemas digitais onde os usuários são integrados, impondo suas regras e políticas, muitas vezes à custa da privacidade e autonomia dos usuários.

O colonialismo digital visa o lucro, entretanto é legitimado por discursos de inovação e eficiência, assim como as práticas coloniais do passado que também contavam com motivações econômicas e justificadas por ideologias de superioridade e progresso. Durante o colonialismo histórico, as potências exploravam recursos naturais das colônias em busca de lucro e poder. De maneira semelhante, no colonialismo digital, grandes empresas coletam, armazenam e utilizam dados pessoais como fonte e até mesmo um "guia" para saber o rumo de seus produtos. Por exemplo, uma loja online pode usar dados de pesquisas e compras recentes de seus clientes para identificar tendências de consumo, fornecer recomendações personalizadas de produtos e até mesmo influenciar a criação de novos produtos. O objetivo real é extrair valor econômico dos dados, de forma análoga à exploração de recursos naturais do colonialismo histórico.[6]

As grandes corporações tecnológicas desempenham um papel crucial nesse processo. Elas consolidam seu poder através da coleta incessante de dados e da manipulação de informações para fins comerciais e políticos, afetando profundamente as esferas sociais, culturais e econômicas das sociedades contemporâneas. Essa prática reforça desigualdades existentes e cria novas formas de dependência e subjugação.[7]

Principais Características

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O colonialismo digital se manifesta de várias maneiras, refletindo como o poder e o controle são exercidos através da infraestrutura digital e das tecnologias de informação[8]. Abaixo estão algumas das principais características desse fenômeno:

Controle da Infraestrutura Digital

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O controle da infraestrutura digital global, que inclui servidores, cabos submarinos (esses surgindo principalmente na América do Norte e Europa e construídos por empresas privadas como Google, Facebook empresas essas que tambem estão investindo em mais meios de espalhar a internet) e data centers (também dominado por essas e outras grandes empresas como Amazon e Microsoft que estão espalhados pelo mundo), é frequentemente dominado por um número restrito de grandes empresas, majoritariamente localizadas em países desenvolvidos e de grande porte, como Estados Unidos, Japão, Singapura e Brasil [9].

Monopólio de Dados

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Empresas de tecnologia como Google, Facebook e Amazon coletam e controlam enormes quantidades de dados pessoais e comerciais. Esse monopólio lhes concede um poder significativo sobre a economia digital, influenciando padrões de consumo, comportamentos sociais e decisões políticas [10]. O acesso privilegiado a dados permite que essas empresas desenvolvam tecnologias avançadas, como inteligência artificial, consolidando ainda mais sua posição dominante [11].

Muito poder de mercado, pouca concorrência

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As grandes empresas de tecnologia frequentemente utilizam seu poder de mercado para eliminar ou absorver concorrentes menores, consolidando ainda mais seu domínio. Práticas como a aquisição de startups inovadoras, o controle de mercados digitais e o uso de patentes podem sufocar a inovação e a concorrência, prejudicando o desenvolvimento de uma economia digital diversificada e competitiva. Para se ter uma noção, mesmo com a diversidade de aplicativos existentes, 63% dos aplicativos mais baixados na Play Store são de grandes plataformas e redes, enquanto na Apple Store esse número chega a 75%. Em segundo lugar estão os aplicativos de streaming pago de vídeo e áudio, como Netflix, Spotify e Deezer, representando 36% dos aplicativos baixados na Play Store e 25% na Apple Store[12].

Privacidade e Segurança de dados

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A segurança de dados e a privacidade abordam a proteção da informação de maneiras distintas para atingir um objetivo comum. A segurança de dados concentra-se principalmente na proteção da informação contra ataques cibernéticos e violações, garantindo que os dados estejam seguros contra acessos não autorizados. Por outro lado, a privacidade está mais voltada para a forma como os dados são coletados, compartilhados e utilizados, assegurando que os dados pessoais sejam tratados de maneira ética e conforme as leis de proteção de dados.[13]

No contexto do colonialismo digital, onde grandes empresas e governos de países desenvolvidos frequentemente coletam e analisam dados de populações em países em desenvolvimento, a preocupação com a segurança e privacidade dos dados torna-se ainda mais presente. A capacidade de identificar novamente dados anônimos aumenta o desequilíbrio de poder, permitindo maior controle e vigilância sobre populações vulneráveis. A coleta e o uso de dados sem consentimento adequado podem reforçar práticas de exploração e exclusão, perpetuando formas modernas de colonialismo.[13]

Implicações Sociais e Econômicas

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Mudanças nas estruturas sociais e econômicas devido à coleta de dados

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As mudanças ocorrem através da dominação da infraestrutura digital por grandes corporações tecnológicas. Essas empresas controlam software, hardware e conectividade de rede, permitindo-lhes exercer poder econômico significativo. Por exemplo, plataformas como Google e Facebook dominam a publicidade online, extraindo receitas de mercados locais e centralizando os lucros nos EUA. Isso enfraquece economias locais e cria dependências econômicas, dificultando o desenvolvimento de indústrias tecnológicas locais e aumentando a desigualdade econômica.[14]

A coleta massiva de dados pessoais alimenta o capitalismo de vigilância, onde as corporações utilizam dados para prever e influenciar comportamentos de consumo. Isso transforma dados pessoais em commodities valiosas, reforçando o poder econômico dessas empresas. Um exemplo é a Amazon, que usa dados detalhados de compras para dominar o comércio eletrônico, impactando negativamente pequenos comerciantes que não conseguem competir com a capacidade da Amazon de prever tendências de consumo e ajustar suas ofertas de forma quase instantânea.[15]

Concentração de poder e desafio à democracia

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O crescente poder das grandes corporações globais representa uma ameaça significativa tanto à autonomia dos indivíduos quanto à integridade das democracias. Empresas como Google, Facebook e Amazon possuem a capacidade de moldar a opinião pública e influenciar processos políticos em uma escala sem precedentes, utilizando vastas quantidades de dados pessoais para manipular comportamentos e direcionar campanhas políticas. Essa influência, muitas vezes oculta e não regulamentada, corrompe os princípios democráticos ao permitir que interesses privados dominem o espaço público e o processo de tomada de decisões políticas. A capacidade dessas corporações de operar além das fronteiras nacionais, sem a devida responsabilidade e controle, levanta sérias questões sobre a sustentabilidade das democracias em um mundo onde o poder econômico e informacional está concentrado em tão poucas mãos.[16]

No Brasil, um exemplo marcante dessa dinâmica foi a atuação do Google durante o debate sobre o Projeto de Lei das Fake News. A empresa utilizou sua página inicial, uma das mais acessadas do país, para exibir uma mensagem contrária ao projeto de lei, buscando influenciar a opinião pública e pressionar os legisladores. Essa ação gerou controvérsia e levou o governo brasileiro a exigir que o conteúdo fosse sinalizado como publicidade, destacando o risco de tais práticas para a integridade do processo democrático. Este caso ilustra como as grandes corporações podem utilizar seu poder de mercado e acesso a informações privilegiadas para interferir diretamente em questões de política interna, desafiando a soberania nacional e subvertendo o debate democrático.[17]

Referências

  1. a b Faustino, Deivison; Lippold, Walter (26 de maio de 2023). Colonialismo digital: Por uma crítica hacker-fanoniana. [S.l.]: Boitempo Editorial 
  2. «Notes». Stanford University Press. 31 de dezembro de 2020: 221–264. ISBN 978-1-5036-0975-4. Consultado em 5 de agosto de 2024 
  3. Pirino, Bruna (15 de maio de 2023). «COLONIALISMO DE DADOS: DELIMITAÇÃO CONCEITUAL E SUA COMPREENSÃO». Caderno Virtual (56). ISSN 1981-3759. Consultado em 5 de agosto de 2024 
  4. «Definition of COLONIALISM». www.merriam-webster.com (em inglês). Consultado em 5 de agosto de 2024 
  5. Pirino, Bruna (15 de maio de 2023). «COLONIALISMO DE DADOS: DELIMITAÇÃO CONCEITUAL E SUA COMPREENSÃO». Caderno Virtual (56). ISSN 1981-3759. Consultado em 5 de agosto de 2024 
  6. Silva, Fabiano Couto Corrêa da; Pires, Thalia da Silva; Wendt, Lucas George (30 de agosto de 2023). «Do colonialismo histórico ao colonialismo de dados: reflexões sobre a relação entre Big Data e o sujeito». Logeion: Filosofia da Informação (1): 75–90. ISSN 2358-7806. doi:10.21728/logeion.2023v10n1.p75-90. Consultado em 5 de agosto de 2024 
  7. Editor1 (21 de março de 2014). «eColonialism Theory: How Trends are Changing the World». The World Financial Review (em inglês). Consultado em 5 de agosto de 2024 
  8. «A ameaça nada sutil do Colonialismo Digital» 
  9. «Tudo está na nuvem, mas onde ficam os principais servidores de internet?» 
  10. Guerini, Cristina. «Como empresas de internet armazenam o que elas sabem sobre você?». www.ihu.unisinos.br 
  11. RS, Sebrae (9 de abril de 2024). «Inteligência artificial nas redes sociais». Sebrae RS 
  12. RBA, Luciano Velleda, para a (12 de maio de 2018). «Monopólio digital: um jogo sem regras dominado por grandes plataformas». Rede Brasil Atual 
  13. a b «Privacy in the Age of Big Data». Stanford Law Review. Fevereiro de 2012 
  14. Kwet, Michael (abril de 2019). «Digital colonialism: US empire and the new imperialism in the Global South». Race & Class (em inglês) (4): 3–26. ISSN 0306-3968. doi:10.1177/0306396818823172 
  15. «Unfair Advantage | The Sun magazine». www.thesunmagazine.org (em inglês) 
  16. Ahmad, Samar. «Unmaking Democracy: How Corporate Influence Is Eroding Democratic Governance». Harvard International Review 
  17. Amato, Fábio. «Governo manda Google sinalizar como 'publicidade' material feito pela empresa contra PL das Fake News»