Deslocamento (psicologia)
Deslocamento[1] (em alemão: Verschiebung, "mudar, mover"), na Psicanálise, é um mecanismo de defesa inconsciente[2] pelo qual a mente transfere (desloca) uma reação emocional a um objeto ou pessoa para outro objeto ou pessoa.[3][4] Um termo originado com Sigmund Freud,[5] o deslocamento opera inconscientemente na mente, e sua transferência de emoções, idéias ou desejos é usada com mais frequência para aliviar a ansiedade diante de impulsos agressivos ou sexuais.
O deslocamento é o redirecionamento de um impulso (geralmente de agressão) para um alvo substituto impotente, o alvo pode ser uma pessoa ou um objeto que pode servir como um substituto simbólico, o deslocamento ocorre quando o id quer fazer algo que o superego não permite, então o ego encontra algum outro modo de liberar a energia psíquica do id ocorrendo uma transferência de energia de uma catexia objetal reprimida para um objeto mais aceitável.[6]
Exemplos de deslocamento: um homem é advertido no trabalho e quando chega em casa agride a esposa, uma pessoa ganha um prêmio e abraça desconhecidos que estão ao redor dela, uma criança é proibida de brincar no pátio então passa o dia atormentando o irmão menor etc. No idioma português, é popularmente referido como a ação de "descontar", "descontar a raiva", "descontar a frustração" etc são expressões populares para o deslocamento.[7][8]
Freud
editarInicialmente, Freud via o deslocamento como um meio de distorção de sonhos, envolvendo uma mudança de ênfase de elementos importantes para elementos sem importância,[9] ou a substituição de algo por uma mera ilusão.[10] Freud chamou isso de "deslocamento de acento".
- Deslocamento de objeto: Sentimentos ligados a uma pessoa são deslocados para outra pessoa. Um homem que teve um dia ruim no escritório, chega em casa e grita com sua esposa e filhos, está deslocando sua raiva do local de trabalho para sua família.. Freud[11] pensou que quando as crianças têm fobias de animais, elas podem estar deslocando os medos de seus pais para um animal.
- Deslocamento de atribuição: Uma característica que alguém percebe em si mesmo, mas parece inaceitável, é atribuída a outra pessoa. Este é essencialmente o mecanismo da projeção psicológica; um aspecto do eu é projetado (deslocado) para outra pessoa. Freud[12] escreveu que as pessoas comumente deslocam seus próprios desejos para a vontade de Deus.
- Deslocamentos corporais:Uma sensação genital pode ser experimentada na boca (deslocamento para cima) ou uma sensação oral pode ser experimentada nos genitais (deslocamento para baixo). O romancista John Cleland em ‘’Fanny Hill’’[13] referiu-se à vagina como “the nethermouth” (“boca de baixo” em tradução literal). A atração sexual por um corpo humano pode ser deslocada no fetichismo sexual, às vezes em uma parte específica do corpo como o pé ou em outras ocasiões a um objeto inanimado.
Freud também viu o deslocamento como ocorrendo em piadas,[14] bem como nas neuroses - o ser neurótico obsessivo especialmente propenso à técnica do deslocamento para o minuto.[15] Quando dois ou mais deslocamentos ocorrem em direção à mesma ideia, o fenômeno é chamado condensação [16][17] (do alemão Verdichtung).
Psicanálise mainstream
editarEntre os principais seguidores de Freud, Otto Fenichel destacou o deslocamento de afeto, seja através de adiamento ou por redirecionamento, ou ambos.[18] Mais amplamente, ele considerou que “em parte os caminhos do deslocamento dependem da natureza dos impulsos que são repelidos”.[19]
Eric Berne em seu primeiro trabalho psicanalítico, sustentou que "alguns dos deslocamentos mais interessantes e socialmente úteis de libido ocorrem quando tanto o objetivo quanto o objeto são substituições parciais do objetivo e do objeto biológico sublimado".[20]
Lacan
editarEm 1957, Jacques Lacan, inspirado por um artigo do linguista Roman Jakobson sobre metáfora e metonímia, argumentou que o inconsciente tem a estrutura de uma linguagem, ligando o deslocamento à função poética da metonímia,[21] e a condensação à metáfora.
Como ele mesmo citou, "no caso do Verschiebung, 'deslocamento', o termo alemão está mais próximo da ideia de desviar da significação que vemos na metonímia e que desde sua primeira aparição em Freud é representada como o meio mais apropriado usado pelo inconsciente para frustrar a censura.".[22]
Agressão
editarA motivação agressiva - conhecida como mortido – pode ser deslocado tanto quanto a libidinal - o desejo sexual. Negócios ou competição atlética, ou caça, por exemplo, oferecem oportunidades abundantes para a expressão do mortido deslocado.[23]
A psicologia do ego procuraram usar o deslocamento na criação dos filhos, usando-se um boneco como o alvo para se deslocar a rivalidade entre irmãos.[24]
Deslocamento transferencial
editarO deslocamento de sentimentos e atitudes de pessoas significativas passadas para o analista atual constitui um aspecto central da transferência, particularmente no caso do neurótico.[25]
Uma forma subsidiária de deslocamento “dentro” da transferência ocorre quando o paciente encobre referências de transferência aplicando-as a uma aparente terceira parte ou a si mesmo.[26]
Crítica
editarEscritores posteriores objetaram que, ao passo que Freud descreveu apenas o deslocamento do sexo para a cultura, por exemplo, o conflito inverso social sendo deslocado para a sexualidade também é verdadeiro.[27]
Ver também
editarReferências
- ↑ Freud,Sigmund (6 de dezembro de 2016). Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. [S.l.]: IMAGO EDITORA. p. 993. ISBN 978-85-312-1151-5
- ↑ Eric Berne, A Layman's Guide to Psychiatry and Psychoanalysis (1976) p. 399 (em inglês)
- ↑ Carol R. Taylor; Carol Lillis; Priscilla LeMone; Pamela Lynn (1 de julho de 2014). Fundamentos de Enfermagem - 7.ed.: A Arte e a Ciência do Cuidado de Enfermagem 7 ed. [S.l.]: Artmed Editora. p. 1558. ISBN 978-85-8271-062-3
- ↑ Bennita W. Vaughans (1 de outubro de 2012). Fundamentos de enfermagem - Desmistificados: Um guia de aprendizado. [S.l.]: Artmed Editora. p. 340. ISBN 978-85-8055-070-2
- ↑ Salman Akhtar, Comprehensive Dictionary of Psychoanalysis (2009) p. 82 (em inglês)
- ↑ McLeod, S. A. (10 de abril de 2019). Defense Mechanisms (em inglês)
- ↑ Rossana Ribeiro da Graça Kikuti, Comportamento: Mecanismo de Defesa: Deslocamento, Instituto de Pesquisas Evolutivas
- ↑ Daniel Lisboa, Brasileiro não sabe perder e nega seu trauma, diz psicanalista sobre 7 a 1, 14/4/2018, BOL na Copa 2018
- ↑ Sigmund Freud, New Introductory Lectures on Psychoanalysis (PFL 2) p. 49–50 (em inglês)
- ↑ Sigmund Freud, Introductory Lectures on Psychoanalysis (PFL 1) p. 208 (em inglês)
- ↑ Freud, S. (1913). Totem and taboo: Some points of agreement between the mental lives of savages and neurotics. Complete Works, 13: 1–162, London: Hogarth. (em inglês)
- ↑ Freud, S. (1927). The future of an illusion. Complete Works, 21: 1–56. London: Hogarth. (em inglês)
- ↑ Cleland, J. Memoirs of a Woman of Pleasure. Critical ed. by Peter Sabor, Oxford, UK: Oxford University Press, 1985. (em inglês)
- ↑ New Introductory Lectures p. 49 (em inglês)
- ↑ Sigmund Freud Case Studies II (PFL 9) p. 120-1 (em inglês)
- ↑ Luiz Alfredo Garcia-Roza (1987). Freud e o Inconsciente. [S.l.]: Zahar. p. 67. ISBN 978-85-7110-003-9
- ↑ Marco Antonio Coutinho Jorge (2000). Fundamentos da Psicanálise de Freud a Lacan. [S.l.]: Jorge Zahar Editor. p. 87. ISBN 978-85-7110-554-6
- ↑ Otto Fenichel (1946). The Psychoanalytic Theory of Neurosis. London: Routledge & Kegan Paul. p. 163 (em inglês)
- ↑ Fenichel, p. 199 (em inglês)
- ↑ Berne, A Layman's Guide p. 78 (em inglês)
- ↑ David Macey, Introduction, Jacques Lacan, The Four Funadamental Concepts of Psycho-Analysis (1994) p. xxviii (em inglês)
- ↑ Jacques Lacan, Ecrits: A Selection (London 1997) p. 160 (em inglês)
- ↑ Berne, p. 80 (em inglês)
- ↑ Selma H. Fraiberg (5 de maio de 2015). The Magic Years: Understanding and Handling the Problems of Early Childhood. [S.l.]: Scribner. pp. 151–3. ISBN 978-1-5011-2282-8 (em inglês)
- ↑ P. Schwmeister, Less Legible Meaning (1999) p. 88 (em inglês)
- ↑ Patrick Casement (1990). Further Learning from the Patient: The Analytic Space and Process. [S.l.]: Routledge. p. 151. ISBN 978-0-415-05426-3 (em inglês)
- ↑ Jonathan Dollimore (1991). Sexual Dissidence: Augustine to Wilde, Freud to Foucault. [S.l.]: Clarendon Press. p. 184. ISBN 978-0-19-811269-3 (em inglês)
Leitura adicional
editar- Arthur J. Clark, Defense Mechanisms in the Counselling Process (1998), Chap. 3: "Displacement" (em inglês)
- Mark Krupnick, Displacement: Derrida and After (1983) (em inglês)
Ligações externas
editar- Elsa Schmidt-Kilsikis, "Displacement" (em inglês)