Discurso da Servidão Voluntária
Discurso da Servidão Voluntária (em francês, Discours de la servitude volontaire) é uma obra de Étienne de La Boétie (1530-1563). Publicada após a morte do autor, primeiro em latim e em fragmentos (1574), e depois integralmente, em francês (1576), havia sido escrita quando La Boétie tinha entre 16 e 18 anos.[1] O texto, uma breve denúncia da tirania, surpreende pela sua erudição e profundidade, sobretudo tendo-se em conta a pouca idade do seu autor.
Discours de la servitude volontaire | |
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Discurso sobre a Servidão Voluntária [PT] Discurso da Servidão Voluntária [BR] | |
Autor(es) | Étienne de La Boétie |
Idioma | Francês |
Gênero | Discurso |
Edição portuguesa | |
Editora | Antígona |
ISBN | 9789726080138 |
Edição brasileira | |
Tradução | Laymert Garcia dos Santos |
Editora | Editora Brasiliense |
Lançamento | 1982 |
A obra discute a questão da legitimidade de qualquer autoridade sobre uma dada população e analisa as razões da submissão (relação "dominação-servidão"). A originalidade da tese de La Boétie é que, contrariamente ao que muitos pensam, a servidão não é imposta pela força, mas é aceita voluntariamente, pois, se assim não fosse, como seria possível conceber que um pequeno número de pessoas pudesse obrigar todos os outros cidadãos a obedecer de forma tão servil? De fato, segundo o autor, nenhum poder, mesmo quando imposto pela força das armas, pode dominar e explorar uma sociedade a longo prazo, sem que haja a colaboração, ativa ou resignada, de uma parte significativa dos seus membros.[2]. Nas palavras de La Boétie, "Soyez donc résolus à ne plus servir et vous serez libres" ("Sede portanto resolutos a não mais servir e sereis livres").[3].
O texto foi elaborado depois da derrota do povo francês ante o poder real, na luta contra a aplicação de um novo imposto sobre o sal.[4] A obra se mostra como uma espécie de hino à liberdade, abordando as causas da dominação de muitos por poucos, a indignação diante da opressão e as formas de vencê-la. Já no título aparece a contradição do termo servidão voluntária, ou seja, como é possível servir de forma voluntária, sacrificando a livre e espontânea vontade?[5] Como cidades inteiras podem se submeter à vontade de um só? De onde esse um tira o poder de controlar a todos? Isso só poderia acontecer, segundo La Boétie, mediante uma espécie de servidão voluntária.[6] Ele conclui então que são os próprios homens que se deixam dominar, pois, caso quisessem sua liberdade de volta, bastaria apenas se rebelar.[7] Étienne afirma que é possível resistir à opressão, e ainda por cima sem recorrer à violência — segundo ele a tirania se destrói sozinha quando os indivíduos se recusam a consentir com sua própria escravidão. Como a autoridade constrói seu poder principalmente com a obediência consentida dos oprimidos, uma estratégia de resistência sem violência é possível, organizando coletivamente a recusa de obedecer ou colaborar.[8]
O conceito de servidão voluntária em Étienne de La Boétie
editarTirania e exploração
editarEm sua obra Discurso sobre a Servidão Voluntária, La Boétie analisa a relação de subordinação existente entre o soberano e seus súditos num governo tirânico.[9] Nesse sentido, o autor enxerga a disparidade entre a unicidade da figura do tirano e o número de súditos, os quais possuindo a mesma quantidade de poder que o déspota e, consequentemente, tendo seu direito natural à liberdade cerceada.[10] O poder do tirano, por sua vez, aumenta progressivamente à medida que seus servos sustentam a sua condição subserviente. Conforme afirma La Boétie, há três espécies de tiranos: o primeiro acede ao poder por meio do voto, o segundo pelas armas e o terceiro pela sucessão.[11]
O desejo inato pela liberdade
editarA tirania é um sistema autodestrutivo e, embora o povo não tenha feito conscientemente a escolha de estarem sob o jugo do tirano, ele possui a responsabilidade moral de romper o vínculo de submissão excessiva estabelecido com o déspota. Em seguida, La Boétie argumenta que, frequentemente, os indivíduos se associam e permanecem sob o jugo do tirano em razão de uma suposta segurança que lhes são proporcionada, mas que, verdadeiramente, traduz-se em exploração.[12] No entanto, apesar de haverem sua liberdade restringida, o súdito possui naturalmente o desejo da liberdade, mesmo não a conhecendo empiricamente. Tal fato é inclusive verificável entre os animais não humanos.[13]
A origem do poder tirânico
editarSegundo Étienne de La Boétie, o poder do tirano não advém exclusivamente de sua força física, mas sobretudo da magia que seu nome é capaz de cativar. Nesse sentido, o nome do tirano exerce uma certa magia acerca das representações e desvincula o medo do poder, o qual se constitui mais pelo afeto do que pela força existente de fato.[14] Tem-se lugar, portanto, uma avaliação afetiva dos súditos para com o déspota; o nome do tirano lança um efeito mágico e se atribuem qualidades ao rei que não se verificam. Dessa forma, tem-se em vista de que a força do soberano está apoiada em nenhum dos seus súditos, nem mesmo naqueles responsáveis em sua própria segurança, os quais somente o vigiam por mera formalidade ou espanto.[15] Ademais, por ser senhor de todos, o tirano não possui companheiro algum, uma vez que a amizade pressupõe a existência de uma estima mútua, sendo ela incapaz de germinar em relações apoiadas em crueldade, deslealdade e injustiça.[16]
O caminho para o fim da servidão
editarPor fim, o autor apresenta a maneira pela qual os súditos devem agir para destituir o tirano de seu poder ficcional. Para que isso aconteça, basta deixar de servi-lo.[17] É simplesmente pela tomada de consciência dos servos que se desvencilha da tirania. Em suas palavras, o povo se decapita justamente quando delega decisões que deveriam ser tomadas por ele mesmo a apenas um homem, ou seja, à medida que cada súdito concede seu poder ao tirano, o próprio povo corta a sua garganta.[18] Em última análise, La Boétie reforça a indignidade de o ser humano viver no estado de submissão, devendo retomar ao estado de liberdade política a partir da tomada de consciência da existência da opressão despótica.[19]
Referências
- ↑ A servidão voluntária.CartaCapital, 25 de janeiro de 2019.
- ↑ Xavier Bekaert (março de 2000). Anarchisme, violence et non-violence- Petite anthologie de la révolution non-violente chez les principaux précurseurs et théoriciens de l'anarchisme (em francês). Bruxelas-Paris: Le Monde libertaire - Alternative libertaire (Belgique). 76 páginas. ISBN 978-2-903013-93-6.
- ↑ Étienne de La Boétie. «Discours de la servitude volontaire». lemonde.fr.
- ↑ Rothbard, Murray, Ending Tyranny Without Violence
- ↑ Rabelo, Sebastião Augusto, Análise do DISCURSO SOBRE A SERVIDÃO VOLUNTÁRIA DE ÉTIENNE DE LA BOÉTIE, Página 5. Arquivado em 3 de março de 2016, no Wayback Machine.
- ↑ Etienne de La Boétie, Discurso Sobre a Servidão Voluntária, Página 4, Tradução para o Português: Cultura Brasil, LCC – verão de 2004.
- ↑ Etienne de La Boétie, Discurso Sobre a Servidão Voluntária, Páginas 6-7, Tradução para o português: Cultura Brasil, LCC – verão de 2004.
- ↑ La Boétie, Étienne de, Discurso da servidão voluntaria, Sinopse, Brasiliense, 1982, ISBN 8572325557 - 239 páginas.
- ↑ La Boétie, Étienne de. Discurso sobre a servidão voluntária. 2. ed. rev. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 32.
- ↑ La Boétie, Étienne de. Discurso sobre a servidão voluntária. 2. ed. rev. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 35.
- ↑ La Boétie, Étienne de. Discurso sobre a servidão voluntária. 2. ed. rev. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 41.
- ↑ La Boétie, Étienne de. Discurso sobre a servidão voluntária. 2. ed. rev. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 60.
- ↑ La Boétie, Étienne de. Discurso sobre a servidão voluntária. 2. ed. rev. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 40.
- ↑ La Boétie, Étienne de. Discurso sobre a servidão voluntária. 2. ed. rev. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 32.
- ↑ La Boétie, Étienne de. Discurso sobre a servidão voluntária. 2. ed. rev. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 57
- ↑ La Boétie, Étienne de. Discurso sobre a servidão voluntária. 2. ed. rev. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 63.
- ↑ La Boétie, Étienne de. Discurso sobre a servidão voluntária. 2. ed. rev. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 36.
- ↑ La Boétie, Étienne de. Discours de la servitude volontaire. Disponível em: < https://www.singulier.eu/textes/reference/texte/pdf/servitude.pdf>. Acesso em 24 de junho de 2019, p .4.
- ↑ La Boétie, Étienne de. Discurso sobre a servidão voluntária. 2. ed. rev. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 65.