Urânio enriquecido
Urânio enriquecido é o urânio cujo teor de 235U (urânio-235) foi aumentado, através de um processo de separação de isótopos. O urânio encontrado na natureza, sob a forma de dióxido de urânio (UO2), contém 99,284% do isótopo 238U; apenas 0,711% do seu peso é representado pelo isótopo 235U. Porém o 235U é o mais facilmente fissionado (físsil) na natureza em proporções significativas.
Para provocar uma reação de fissão nuclear nos reatores de água pressurizada, é preciso dispor de um urânio que contenha entre 3% e 5% do isótopo 235. Ambos os isótopos, 235U e 238U , têm as mesmas propriedades químicas. A única diferença física entre eles são os três nêutrons que explicam uma pequena diferença de massa atômica.
O urânio enriquecido é um componente crítico, tanto para uso civil (geração de energia nuclear), quanto para uso militar (produção de armas nucleares). Compete à Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) monitorizar e controlar a produção segura e o destino do urânio enriquecido para a geração de energia atômica, de modo a evitar a proliferação de armas nucleares.
Acredita-se que os estoques mundiais de U-235 altamente enriquecido estejam na casa das duas mil toneladas.[1] A maior parte se destina à utilização em dispositivos bélicos e propulsão naval. O restante é usado em reatores experimentais e pesquisas.
O subproduto do enriquecimento do urânio são largas parcelas de urânio empobrecido (DU, do inglês depleted uranium), metal pouco radioativo, 67% mais denso que o chumbo e de utilidades tão diversas como lastro em aviões, blindagens e fabricação de projéteis balísticos. Não há, entretanto, estudos conclusivos acerca da toxicidade do DU.
Combustível nuclear
editarO termo combustível nuclear é comumente empregado para designar o material que pode sofrer fissão nuclear. O dióxido de urânio (UO2) é matéria-prima para fabricação do combustível nuclear nos reatores nucleares. Este óxido é muito pobre em urânio físsil (U-235), que pode sofrer fissão nuclear. Apenas 0,7% dos átomos de urânio presentes nesse óxido são (U-235); os 99,3% restantes são de (U-238), não-físsil. Assim, é necessário um novo tratamento para separar o isótopo físsil do isótopo não-físsil. Este tratamento é conhecido como enriquecimento do urânio.
Um dos processos para realizá-lo consiste em transformar o dióxido de urânio no gás hexafluoreto de urânio (UF6) e fazer este gás difundir-se por placas porosas. Com isso, consegue-se separar o (U235F6) do (U238F6).
Em seguida, o gás hexafluoreto de urânio enriquecido volta a ser convertido em dióxido de urânio. Este óxido é o que constituirá finalmente o combustível nuclear.
Classificação do urânio segundo a taxa de enriquecimento
editarUrânio natural
editarO urânio natural (referido como NU, do inglês, natural uranium) tem um teor de 235U (urânio 235) de 0,71%.
Urânio fracamente enriquecido
editarDe acordo com a regulamentação internacional, urânio fracamente enriquecido é aquele cujo teor de 235U está entre 0,71% e 20%. Particularmente, é este o caso do urânio destinado ao combustível nuclear das centrais de produção de energia elétrica.
O urânio fracamente enriquecido ou LEU (do inglês, low-enriched uranium) é tipicamente utilizado a taxas de enriquecimento de 3% a 5% em reatores a água leve, o tipo mais usado no mundo. Reatores de pesquisa requerem taxas de enriquecimento de 12% a 19.75% - sendo que esta última concentração pode, dentro do limite regulamentar, ser utilizada como produto de substituição em reatores inicialmente concebidos para funcionar com urânio altamente enriquecido.
Urânio levemente enriquecido
editarO urânio levemente enriquecido, também referido como SEU (do inglês slightly enriched uranium) é uma sub-categoria de urânio fracamente enriquecido e tem uma concentração de 235U que vai de 0,9% a 2%. Destina-se a substituir o urânio natural como combustível, em certos tipos de reatores que utilizam água pesada, como o reator CANDU. Um ligeiro enriquecimento permite otimizar os custos, por ser requerida menor quantidade de urânio para o carregamento. Reduz-se também o consumo de combustível e, posteriormente, o custo de gestão dos resíduos.
Urânio recuperado
editarO urânio recuperado ou RU (do inglês recovered uranium ) é um tipo de urânio levemente enriquecido que é produzido nos ciclos de reatores a água leve: o combustível nuclear usado contém no final do processo uma proporção de U-235 superior ao teor natural e pode ser usado em reatores que consomem urânio natural ou levemente enriquecido.
Urânio altamente enriquecido
editarQuando alcança uma concentração de 235U superior a 20%, o urânio é considerado altamente enriquecido ou HEU (em inglês, Highly enriched uranium), segundo as convenções internacionais.
Essa classe de urânio é usada em certos tipos de reatores de nêutrons rápidos, como os reatores de motorização de porta-aviões, ditos "a propulsão nuclear", que requerem taxas de enriquecimento de 50% a 90%. Já o reator civil Fermi-1 funciona a uma taxa de enriquecimento nominal de 26,5%.
O estoque mundial de urânio altamente enriquecido era da ordem de 2 000 toneladas, em 2000, sendo que a produção total de urânio era de 2 300 000 toneladas.
Urânio para uso militar
editarEmbora o limite fixado pela regulamentação internacional seja de 20%, o teor de isótopo 235 (ou 233) necessário na prática para aplicações militares ultrapassa 85%. O urânio altamente enriquecido a uma taxa de enriquecimento da ordem de 80 a 90%, é dito de qualidade militar, podendo ser usado para fabricar uma arma nuclear.
A massa crítica necessária para um urânio enriquecido a 85% é da ordem de 50 kg. É possível fabricar bombas atômicas com taxas de enriquecimento mais baixas (de 20% ou até menores, segundo alguns autores) mas essa possibilidade é bastante teórica: a massa crítica necessária será tanto maior quanto mais baixa for a taxa de enriquecimento. Quando a taxa de enriquecimento é mais baixa, a presença de 238U inibe a reação em cadeia, o que se soma ao efeito de diluição do 235U. Teoricamente é possível diminuir a massa crítica necessária com refletores a nêutron ou fazendo implodir a carga, mas essas técnicas não são acessíveis na prática, a não ser em países que já tenham experiência suficiente na concepção de armas atômicas.
Urânio empobrecido
editarO resíduo de enriquecimento é o urânio empobrecido (DU), cujo teor de 235U é da ordem de 0,2 à 0,3%. O urânio empobrecido é utilizado na fabricação de combustível MOX para reatores de água pressurizada ou reatores de nêutrons rápidos, além de outras aplicações marginais (peças de artilharia, lastros de aeronaves, etc.). A maioria da produção é estocada pois o DU contém um alto teor (mais de 99,3%) de 238U, que é um isótopo fértil, isto é, pode dar origem a outro elemento por meio de reação nuclear induzida, formando o 239Pu (plutônio 239), um isótopo físsil[2] que pode ser empregado em cadeias de reatores regeneradores (breeder reactor).[3]
Ver também
editarReferências
- ↑ Thomas B. Cochran. Natural Resources Defense Council. (12 de junho de 1997). «Safeguarding Nuclear Weapon-Usable Materials in Russia» (PDF). Proceedings of International Forum Illegal Nuclear Traffic: Risks, Safeguards and Countermeasures. Consultado em 22 de maio de 2008. Arquivado do original (PDF) em 5 de julho de 2013
- ↑ OLIVEIRA, Inez Cristina de Recuperação e purificação do urânio utilizado em alvos para a produção de 99Mo. São Paulo: Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares/ USP, 1009.
- ↑ BRANDÃO, Rafael Vaz da Motta O negócio do século: O Acordo de Cooperação Nuclear Brasil-Alemanha. Glossário nuclear, p. 122. Niterói: UFF, 2008.