Fazenda Santa Gertrudes
A Fazenda Santa Gertrudes é uma antiga fazenda de café que manteve suas atividades entre os anos de 1854 e 1998. Localizada entre os municípios de Limeira e Rio Claro, interior do Estado São Paulo, a propriedade foi uma das responsáveis pelo pioneirismo da produção cafeeira paulista.[1]
Fazenda Santa Gertrudes | |
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Tipo | fazenda |
Inauguração | 1854 (170 anos) |
Página oficial (Website) | |
Geografia | |
Coordenadas | |
Localização | Santa Gertrudes - Brasil |
História
editarA Fazenda Santa Gertrudes teve origem de uma sesmaria chamada Morro Azul. Sesmaria era o nome utilizado para o ato de entrega, por parte da Coroa Portuguesa, de um determinado lote de terras que não estava sendo utilizado e povoado para um beneficiário interessado em adquiri-lo.[2] Os primeiros compradores do terreno foram os irmãos Galvão de França e Manuel de Barros Ferraz. Em 1821 o Brigadeiro Manuel Rodrigues Jordão compra dos irmãos a propriedade e passa a administrá-la. Ele era casado com Gertrudes Galvão de Oliveira Lacerda e com ela teve um filho chamado Amador de Lacerda Rodrigues Jordão, futuro barão de São João de Rio Claro.
Com a morte de sua mãe, Amador de Lacerda Rodrigues Jordão, fundou no ano de 1854, em parte da propriedade em posse da família, a Fazenda Santa Gertrudes - nome escolhido para homenagear Gertrudes Galvão de Moura Lacerda, sua mãe.
Em seus 19 primeiros anos de existência (1854 – 1873) o agora Sr. Amador de Lacerda Rodrigues Jordão, barão de São João de Rio Claro, assumiu a posse da Fazenda Santa Gertrudes. Neste período, a propriedade foi utilizada para a produção de cana-de-açúcar e tornou-se pioneira na região. Conforme os anos passavam o cultivo de café foi substituindo paulatinamente o engenho de cana presente no local.[3] Após a morte do barão em 1873, sua esposa Maria Hipólita dos Santos, case-se com o Marquês de Três Rios, Joaquim Egídio de Sousa Aranha, que passa a gerir a propriedade até 1893.[1]
Usando seu poder de influência e econômico, o Marquês conseguiu que os trilhos da Companhia Paulista de Estradas de Ferro[4] passassem perto de sua propriedade. Em 1876 essa ação foi concretizada otimizando o escoamento de toda a produção cafeeira da fazenda, reduzindo os custos e tempo de chegada do produto até a cidade de Santos, onde acontecia a exportação. Até então, o café era transportado por mulas e burros, que levavam o produto em sacas por estradas em péssimas condições. O tempo de deslocamento entre as cidades produtoras de café e o porto de Santos era de 7 a 10 dias. Com a estrada de ferro, esse tempo reduziu para apenas 1 dia.
Com a morte do Marques de Três Rios, a área passa para Eduardo Prates (o Conde Prates), figura pública de destaque na época por acumular uma reputação nos negócios muito boa e poderio financeiro. Em sua gestão a propriedade desenvolveu-se ainda mais e diversos melhoramentos foram consolidados: criação de uma rede elétrica e de telefonia, expansão territorial e melhoria nas condições de vida dos 85 colonos que residiam e trabalhavam na propriedade, em sua maioria imigrantes.[1]
Os imigrantes e a Fazenda Santa Gertrudes
editarResultado do cenário histórico na época do Brasil Colônia, a Fazenda Santa Gertrudes recebeu durante a sua existência inúmeras famílias de imigrantes que vinham de outros estados e até mesmo países, sobretudo europeus, para trabalhar na propriedade.[5] Normalmente, os imigrantes de outros países, chegavam no porto de Santos, enfrentavam uma longa e perigosa viagem até a Capital Paulista, onde eram alojados temporariamente em hospedarias, como a hospedaria da Mooca em São Paulo, hoje Museu da Imigração, e finalmente eram direcionados para as propriedades no interior do Estado para trabalharam nas propriedades rurais.[6]
No acervo de registros nas hospedarias da Fazenda Santa Gertrudes, é possível identificar algumas ondas de imigrantes durante determinados períodos:[7]
1897 - 1902: Famílias italianas, famílias brasileiras (em sua maioria cearenses);
1903 - 1914: Famílias italianas, austríacas, portuguesas e espanholas;
1920 - 1930: Somente famílias nacionais.
O trabalho das famílias nas propriedades era assalariado e a quantidade recebida variava de acordo com o número de pés de café tratados durante 1 mês. Por exemplo, há registros que uma família colona em 1913, composta de marido, mulher, dois adolescentes entre 12 e 16 anos e mais uma criança pequena, conseguia tratar em média 5081 pés de café e recebiam por isso a importância de R$406$418. Depois disso, eles ainda ganhavam uma certa quantia no período de safra e pelas diárias trabalhadas na fazenda.[7]
Expansão
editarDiferente de outras propriedades rurais, a Fazenda Santa Gertrudes teve um longo período de existência, fato ligado principalmente a boa administração da propriedade. Justamente por essa sua longa trajetória de atividades, houve durante esse tempo muitas expansões territoriais. Abaixo estão relatadas as principais em ordem cronológica de acontecimento:[8]
1799/ 1821: Registro de nove sesmarias na Região de Limeira, incluindo a do Morro Azul, a qual foi concedida aos irmãos Galvão de França e Manuel de Barros Ferraz.;
1817: Em outubro deste ano foi demarcada a sesmaria do Morro Azul (futuro local da Fazenda Santa Gertrudes);
1821: Compra de uma gleba de terras na sesmaria do Morro Azul pelo Brigadeiro Manuel Rodrigues Jordão;
1841: Essas foram anexadas à propriedade conhecida como Sítio e Engenho da Laranja Azeda, adquirida pela D. Gertrudes Galvão de Oliveira Lacerda;
1854: O Brigadeiro Manuel Rodrigues Jordão, o Barão de São João do Rio Claro, funda em parte da gleba a Fazenda Santa Gertrudes;
1876: Na gestão de Joaquim Egídio de Sousa Aranha, a propriedade passa a ser servida pela estrada de ferro da Companhia Paulista de Estradas de Ferro, fazendo com que o processo de expansão acelerasse ainda mais;
1880: São anexadas à propriedade terras adquiridas da Fazenda Morro Azul contíguas à Santa Gertrudes (110 alqueires);
1890: Duas ampliações por terras contíguas acontecem neste ano: o sítio Barreiro e a área que constava de uma ação movida por João Batista de Souza Freire e Benedicto de Almeida e outros contra Manoel Barbosa Guimarães;
1893: Falece o Marquês de Três Rios, tento a fazenda chegado a uma área total de 700 alqueires;
1895: A partir deste ano a propriedade passaria por uma expansão sem precedentes sob a gestão do Conde de Prates. Ao assumir a direção da fazenda, a área era de 866 alqueires (aproximadamente 21 milhões de metros quadrados). Neste ano houve a compra de terras vizinhas pertencentes a José Ferraz de Sampaio Junior e Olímpia de Almeida Camargo;
1898: Nova compra, desta vez de Zacarias de Godoy Bueno e sua mulher Dona Cecília Maria Joaquina;
1899: Adquire as terras de Dona Anna de Almeida Rocha;
1900: Diversas glebas da Fazenda São Joaquim são incorporadas à Fazenda Santa Gertrudes;
1902: 249 alqueires da Fazenda Palmeiras com 160.000 pés de café são adquiridos;
1928: A Fazenda Santa Gertrudes atinge 1356 alqueires, ou seja, quase 33 quilômetros quadrados.
Legado
editarCom 144 anos de intensas atividades, a Fazenda Santa Gertrudes foi um marco para o Estado de São Paulo em termos de produção cafeeira e importância social e econômica para toda a região de Rio Claro. Apesar das adversidades advindas da crise de 1929 e da queda do preço do café a partir da segunda década do século XX, a propriedade foi pioneira em expansão territorial e melhoria contínua de processos produtivos, estruturais e tecnológicos. Sempre com ótimos administradores à frente da propriedade, a fazenda consolidou-se como modelo para os demais detentores de terras no período e deixa um legado histórico importante para o país.[8]
Contexto Histórico
editarO café foi protagonista da economia paulista e brasileira entre o final do século XIX até metade do século XX. Neste período o Brasil passou por profundas transformações estruturais em sua política, sociedade e economia.[5] O até então regime monárquico (Império do Brasil), que compreendeu o período de 1822 a 15 de novembro de 1889, ditava o caminho do país e em seus últimos momentos apresentava sinais de desgaste por parte de Pedro II e demais apoiadores do império.
Por conta disso, cafeicultores do Oeste Paulista, que por sua vez desejavam maior autonomia para as províncias e defendiam o federalismo, juntamente com os militares, que pleiteavam um maior patriotismo e menos corrupção, juntaram-se para instaurar a República no Brasil.[5]
Os primeiros momentos da República foram marcados por diversas transformações como, por exemplo, a promulgação da nova Constituição de 1891, criação da política do encilhamento e também algumas rebeliões como a Revolução Federalista e a Revolta da Armada. E foi depois do governo Deodoro da Fonseca (1889 – 1891) e de Floriano Peixoto (1891 – 1894), que começa de fato a República Oligárquica (1894 – 1930), período no qual os cafeicultores tomam o poder.[9]
Esse período ficou caraterizado pelo revezamento das oligarquias de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro no poder, beneficiando esses grupos que buscavam seus interesses econômicos e políticos nas instâncias federais. Os Estados de São Paulo e Minas Gerais foram os grandes responsáveis pela produção agrícola nesta época, impulsionando o surgimento de grandes propriedades produtoras, principalmente de café.[5]
O produto apresentava índices de venda e valoração internacional muito bons: em 1900 o país exportou 9,2 mil sacas de café e já um ano depois foram 14,8 mil sacas.[10] O café que era produzido nas grandes fazendas cafeeiras do sudeste era levado em lombos de burros até regiões litorâneas como Santos em São Paulo e o Rio de Janeiro, para ser exportado. Outro fato da época era que um número expressivo de imigrantes chegavam da Itália, Portugal, Espanha, Alemanha, entre outros países, e eram levados para trabalharem nas lavouras de café.
Como forma de se manterem no poder e controlarem ainda mais suas propriedades e comunidade ao redor, os coronéis realizavam uma prática muito comum neste período: o coronelismo, que foi um método de acordos entre mandatários regionais e governo estadual, no qual esses coronéis usavam do seu poder econômico e determinavam os rumos da política local. Como desdobramento desse fato, o voto de cabresto também foi uma realidade desta época. Ele consistia na imposição da violência sobre os eleitores para que dirigissem seus votos em um determinado candidato.[5]
Com toda essa imposição e autoritarismo, diversas revoltas locais que tiveram repercussão nacional aconteceram na República Oligárquica. Podemos citar a Guerra dos Canudos, Revolta da Vacina, Revolta da Chibata, Guerra do Contentado, Revolta dos 18 do Forte, entre outras, que colocavam cada vez mais em xeque a reputação e efetividade do governo.[11]
Em termos de produção cafeeira, o país ia muito bem durante as primeiras duas décadas de República Oligárquica. Porém, com a superprodução, maior do que o mercado demandava, o preço do produto caiu internacionalmente, diminuindo os lucros e desvalorizando o café brasileiro. Para agravar a situação, os cafeicultores começavam a sentir o impacto da concorrência de outros países, como os Estados Unidos.[5]
Com a iminente crise do café, os imigrantes e demais trabalhadores rurais, mudaram-se para os grandes centros urbanos, onde a necessidade de mão de obra era cada vez mais crescente, devido ao processo de industrialização e surgimento de fábricas. Mesmo que suas condições de trabalho fossem ruins, o operariado começava a se estabelecer e crescer exponencialmente.[5]
Para potencializar a crise nacional, a quebra da Bolsa de Valores de Nova York em 1929, fez com que o preço do café despencasse. Para se ter uma noção, a saca que custava duzentos mil-réis, após a quebra da bolsa, passou a custar vinte e um mil-réis. Com uma grande quantia de café estocada nos armazéns prontos para exportação que não acontecia, o governo federal teve que comprar grande parte desse produto e queimá-lo, com o objetivo de estabilizar a crise e fazer com que o preço do café subisse novamente.[12]
Com a crescente insatisfação política, econômica e a crise afetando de forma muito intensa o país, a Revolução de 1930, liderada por Getúlio Vargas e outros revolucionários, pôs fim a República Oligárquica no Brasil. Começava o Governo Provisório de Vargas, o qual duraria 15 anos. Começava no país uma nova era. Um tempo de fortalecimento da indústria, ascensão da burguesia industrial e queda do protagonismo cafeeiro até então vigente.[5]
Cenário Atual da Fazenda Santa Gertrudes
editarMesmo com suas atividades paralisadas em 1998, a Fazenda Santa Gertrudes mantém até hoje alguns atrativos turísticos e realiza visitas guiadas que podem ser agendadas antecipadamente.[13] O passeio, que tem duração de aproximadamente duas horas, permite que os visitantes conheçam um pouco mais da realidade da época em que a propriedade mantinha sua produção cafeeira ativa, desde a colheita até embarque na estação de trem.[14] Ainda há a possibilidade de alugar parte do espaço da fazenda para realizar festas de casamento e eventos em geral.
O local também é muito utilizado para a gravação de telenovelas de época, como por exemplo, Esperança e Escrava Isaura. Longas-metragens também já foram filmados dentro da fazenda: Diário da Província e O Homem do Pau Brasil.[15]
Referências
- ↑ a b c BARBOSA, Amilson. «A Fazenda Santa Gertrudes em Rio Claro». Brasil Escola. Consultado em 29 de outubro de 2017
- ↑ NOZOE, Nelson (2006). «Sesmaria e Apossamento de Terras no Brasil Colônia» (PDF). USP (FEA). Consultado em 18 de novembro de 2017
- ↑ SCARIATO, Juliana (2010). «Fazendas históricas da região de Limeira (SP): reconhecimento e valorização das paisagens culturais» (PDF). Revista Labor & Engenho. Consultado em 18 de novembro de 2017
- ↑ ARAUJO, Motta (1 de março de 2014). «A história da centenária Companhia Paulista de Estradas de Ferro». Jornal GGN. Consultado em 18 de novembro de 2017
- ↑ a b c d e f g h FREITAS, TASINAFO, José, Célio (2011). História Geral e do Brasil. São Paulo: Harbra. pp. 630 – 678 (O Brasil Republicano e o Século XX)
- ↑ «Imigração no Brasil». Brasil Escola. Consultado em 19 de novembro de 2017
- ↑ a b «Acervo Fazenda Santa Gertrudes». Fazenda Santa Gertrudes. Consultado em 19 de novembro de 2017
- ↑ a b ROCHA, Alexandre Luiz (2008). «Fazenda Santa Gertrudes: modelo de produção cafeeira no oeste paulista. 1895-1930: contribuição de Eduardo Prates à definição de novos parâmetros produtivos». USP. Consultado em 19 de novembro de 2017
- ↑ CARVALHO, Leandro. «República Oligárquica: Início e Fim». Brasil Escola. Consultado em 15 de novembro de 2017
- ↑ IBGE (1990). Estatísticas Históricas do Brasil, 2ed. Rio de Janeiro: [s.n.] 350 páginas
- ↑ SOUSA, Rainer. «República Oligárquica e revoltas populares». Brasil Escola. Consultado em 15 de novembro de 2017
- ↑ FUCS, José (31 de dezembro de 2008). «Do café à industrialização». Revista Época
- ↑ QUEIROZ, Odaléia (1 de setembro de 2017). «O Rural como Atrativo Turístico e a Experiência Cultural: A Fazenda Santa Gertrudes». Revista Rosa dos Ventos – Turismo e Hospitalidade
- ↑ «A Fazenda Santa Gertrudes». Consultado em 17 de novembro de 2017
- ↑ «Santa Gertrudes, a fazenda das novelas». Folha de S.Paulo. 14 de agosto de 2015. Consultado em 17 de novembro de 2017