Fortaleza de São Miguel de Luanda

A Fortaleza de São Miguel de Luanda é uma fortificação histórica situada em Luanda, Angola. Localiza-se no antigo monte de São Paulo (atual Morro da Fortaleza), nas proximidades da ponte da Ilha de Luanda. Foi inicialmente denominada Fortaleza de São Paulo, depois Fort Aardenburgh (durante a ocupação neerlandesa), recebendo a atual denominação em 1650.

Aspeto Aéreo da Fortaleza de S. Miguel, na década de 1950.

Erguida no século XVI, durante o governo de Paulo Dias de Novais, foi a primeira fortificação a ser construída em Luanda. Primeiramente construída em barro, esse material será depois substituído, em 1638, por taipa e adobe, com obras acabadas em 1689 sob a direção de D. João de Lencastre. Nessa época apresentava a forma de uma estrela com quatro pontas, com o sistema abaluartado, segundo os métodos italianos mais atualizados da época, sobretudo os do mestre Benedetto da Ravenna.[1].

Depois da ocupação neerlandesa, começou a ser construída em alvenaria em 1705 a mando do governador D. Lourenço de Almada, fazendo parte das obras obrigatórias dos sucessivos governadores. Finalmente, no governo de D. Francisco de Sousa Coutinho (1764–1772), as obras terminam, com a construção de uma bateria do cavaleiro, armazéns à prova de bomba e uma cisterna que ficou conhecida como "Cova da Onça", seguindo o estilo barroco militar, na base da ambiguidade, pluralidade e descentramento.[1]

Os muros foram-se consolidando em pedra e cal em diferentes épocas, concluindo-se já no século XX, ficando assim um marco da engenharia militar de Angola. Do ponto de vista urbano, a fortaleza foi sempre um marco ordenador do espaço da cidade. Nos primeiros tempos, foi o limite do aglomerado que se desenvolvia para sudoeste, em direção à Praia do Bispo. Mais tarde, cerca de 1648, quando a Barra da Corimba ficou assoreada, a cidade passou a desenvolver-se para o lado norte, do outro lado do morro, mantendo desta forma o seu papel ordenador.[2]

Em 1938, a fortaleza deixou de ter funções militares, passando a ser ocupada pelo Museu de Angola (atual Museu Nacional de História Natural). Depois da deslocação do Museu de Angola para um edifício construído de raiz, em 1961, a fortaleza volta a ter funções militares, passando a servir de quartel-general do Comando-Chefe das Forças Armadas de Angola.

A 10 de setembro de 1975, foi na Fortaleza de São Miguel que se realizou o arriar da última bandeira de Portugal em Angola.

Atualmente, encontra-se instalado na fortaleza o Museu Nacional de História Militar.[3]

História

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Erguida por determinação do primeiro Governador, Paulo Dias de Novais, em 1575, é a primeira estrutura defensiva construída em Luanda e em Angola.

No contexto da Dinastia Filipina, a cidade de São Paulo de Luanda foi alçada à categoria de capital da Capitania-Geral de Angola em 1627. Para a sua defesa, foi erguida uma nova fortificação, concluída em 1634. Além de centro administrativo, tornou-se uma importante saída para o tráfico de escravos para o Brasil. O forte foi, por muitos anos, quase que uma cidade independente protegida por grossas paredes incrustadas de canhões. Dentro do forte, ladrilhos elaborados contam a história de Angola desde os primeiros anos, e no pátio estão grandes e imponentes estátuas de D. Afonso Henriques, o primeiro rei de Portugal, de Diogo Cão, o primeiro europeu a chegar a Angola, do renomado explorador Vasco da Gama e de outros notáveis.[4][5]

O forte e a cidade caíram em mãos da Companhia Neerlandesa das Índias Ocidentais em 24 de agosto de 1641. A 15 de agosto de 1648, foram recuperadas para a Coroa Portuguesa por uma expedição armada, organizada na Capitania do Rio de Janeiro, Brasil e comandada por Salvador Correia. Durante o período de ocupação neerlandesa foi denominado como "Fort Aardenburgh". Em 1650, o governador Salvador Correia apresentou ao Conselho Ultramarino os novos planos de fortificação de Luanda, a cargo do engenheiro francês Pedro Pelique, que trouxera do Rio de Janeiro[6]. O forte, que até à invasão holandesa se chamara de "São Paulo", teve o seu nome trocado para São Miguel, santo da particular devoção de Salvador Correia de Sá.[7]

Sob os governos de D. Francisco de Távora (1669–1676) e de D. Lourenço de Almada (1676-1697), o forte foi reconstruído em alvenaria, ficando concluídos um baluarte e duas cortinas. Sob o governo de César Meneses (1697–1701), foi erguida, no interior da fortificação, a casa da pólvora.[1]

Em 1846, o major engenheiro Francisco Xavier Lopes foi encarregado pelo governador Pedro Alexandrino a inspecionar a fortaleza. Foram identificados vários defeitos que podiam comprometer a defesa em caso de atque. Os baluartes eram pouco espaçosos, limitando as manobras das tropas. A casa do governador tinha sido construída de uma forma que impedia a comunicação entre os dois baluartes. A fortaleza tinha 131 canhoneiras.[2]

A portaria de 15 de setembro de 1876 estabeleceu o Depósito de Degredados de Angola, nas dependências da fortaleza. Entretanto, a instituição só começou a funcionar em 1881, sendo realizadas algumas obras de adaptação para esse fim, como a construção de um edifício de dois pavimentos.

No século XX, após a extinção do Depósito de Degredados, por portaria de 8 de setembro de 1938, do ministro das Colónias Francisco José Vieira Machado, a fortaleza foi classificada como Monumento Nacional por decreto provincial de 2 de dezembro do mesmo ano. Nela veio a instalar-se, no ano seguinte, o Museu de Angola, criado pela portaria n.º 6, tendo sido feitas as necessárias obras de adaptação, como a colocação de painéis de azulejos numa casamata com cenas da história de Angola e de exemplares da fauna e flora nativos. A partir de 1956, o Museu de Angola começou a ser deslocado para um novo edifício, construído de raiz para o sedear.

Em 1961, o acervo do museu foi retirado por completo e a fortaleza voltou a assumir funções militares, sendo nela instalado o quartel-general do Comando-Chefe das Forças Armadas de Angola. Entre 1961 e 1975, foi a partir daqui que foram comandadas as operações militares portuguesas no contexto da Guerra de Independência de Angola.

Foi na Fortaleza de São Miguel de Luanda que se manteve arvorada a última bandeira de Portugal como símbolo de soberania portuguesa em Angola. Às 15h30 do dia 10 de setembro de 1975 (véspera do dia estabelecido para se efetuar a independência de Angola), com a presença do alto-comissário Leonel Cardoso e perante uma guarda de honra constituída por elementos dos três ramos das Forças Armadas Portuguesas, procedeu-se, na fortaleza, à cerimónia do último arriar da bandeira de Portugal. O alto-comissário e o último contingente militar português abandonaram então a fortaleza e dirigiram-se, em coluna armada, até ao porto de Luanda, embarcando nos navios da força naval portuguesa que ali se encontrava, fazendo-se ao mar às 24h00 daquele dia.

Após a independência de Angola, as dependências da fortaleza passaram a albergar o Museu das Forças Armadas, a partir de 1978.

Em 1995 sofreu intervenções de conservação no exterior do edifício.

Entre 2009 e 2013, realizaram-se obras de reabilitação da fortaleza. Construiu-se um espaço subterrâneo, com 1200 m², onde estão instalados um auditório, uma galeria e o panteão dos heróis. Na casamata central foram restaurados os painéis de azulejos. Os antigos armazéns acolheram um laboratório, uma sala de audiovisual e uma cafetaria, bem como a área administrativa do museu. Na casa da pólvora foram instaladas salas de estudo e uma biblioteca. No exterior, construiu-se um parque de exposições onde se encontra a bandeira monumento.[8][9]

De propriedade do Estado, está afeta ao Ministério da Defesa e ao Ministério da Cultura.

Cronologia

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[10]

Acontecimento Data
Provisão real galardoando quem construísse «hum castello» 12 de Abril 1574
Partida de Paulo Dias de Novais de Lisboa 23 de Out.1574
Chegada de Paulo Dias de Novais à Ilha de Luanda 11 de Fev.1575
Passagem de Paulo Dias de Novais para Morro de S. Paulo 30/Jun/1576?

25/Jan/1576(?)

15/Dez/1576(?)

Morte de Paulo Dias de Novais 09 Mai/1589(?)

Out/1588(?)

Aparecimento na Costa de Angola de 4 corsários 1599/1600
Memorial afirmado que Luanda não tem fortaleza ou fortificação 09/Jul/1616
Aparecimento de corsários holandeses,que foram batidos pelos navios portugueses 1623
Entrada do porto de Luanda de corsários holandeses Out/1624
Abandono da Ilha de Luanda pelos holandeses 07/Dez/1624
Nomeação real de uma comissão para estudo da fortificação de Luanda 22/Ago/1625
Envio para Lisboa do Relatório sobre a fortificação de Luanda 28/Dez/1626
Relatório do sindicante António Bezerra Fajardo solicitando para que no morro de Sam-Paulo se faça um forte 29/Fev/1629
Manuscrito de Fernão de Sousa (1624 a 1629) mencionando «fiz outro bo Môrro de Sam-Paulo» 1624 a 1629
Início da construção da fortaleza no morro de S. Paulo 1636 (?) ou 1638 (?)
Envio de um técnico militar para estudar a fortificação de Luanda (1639)
Aparecimento da equerda holandesa, desembarque e ocupação de Luana Agosto/1641
Desembarque de Salvador Correia de Sá 15 de Agosto de 1648
Entrada das forças portuguesas no forte de S. Paulo 24 (?) de Agosto de 1648
Entrada triunfal da imagem de S. Miguel no forte de S. Paulo que desde então se passou a designar por São Miguel 24(?) de Agosto de 1648
Início das construções de alvenaria na fortaleza de S. Miguel 1672 (?)
Conclusão, em alvenaria, de um baluarte e de duas cortinas 1675 (?)
Conclusão de um segundo baluarte, em taipa e de outras obras 1685 (?)
Construção da «Casa da Pólvora» 1700
Ofício para o Rei informando que a fortaleza estava arruinada a inútil 10 de Janeiro de 1726
Ofício para o Rei informando que as Fortalezas de Luanda já estavam reparadas 27 de Fevereiro de 1728
Construção, a cantaria de um segundo baluarte 1737
Construção de «hum lanço de cortina» e das obras exteriores» 1738 a 1748
Construção de «huma praça baixa» 1753 a 1758
Elaboração, pelo Sargento-mor Magalhães e Bragança de «um códice» com a planta de todas as fortalezas de Luanda 1755
Construção da cisterna 1766 a 1772
Construção do «Cavaleiro» 1768
Adaptação da «bataria-baixa» a fundição de canhões 1770 (?)
Primeira fundição de canhões em Luanda 1771
Transferência dos armazéns da «Casa da Pólvora» e adaptação do edifício a prisão 1760 a 1770
Envio ao Rei de uma planta da Fortaleza 25 de Novembro de 1768
Terraplanagem da esplanada 1795 (?)
Envio para Lisboa de uma planta das Fortaleza Dezembro de 1799
Motim militar em que os soldados do Regimento de Linha foram à fortaleza libertar o seu comandante 1822
Ofício para o Rei informando que a cisterna da fortaleza secara, «facto este que não há memória» 2 de Fevereiro de 1817
Rebelião do Batalhão Expedicionário aquartelado na fortaleza 1823
Entrada na fortaleza de «soldadesca desenfreada» que assassinou o respectivo comandante 30 de Agosto de 1836
Movimento constitucional da «Atochada» 1834
Queda de um raio sobre o cavalheiro, danificando a abóbada Março de 1843
Melhoramento da estrada de acesso e reparação do revelim 1861
Criação do Depósito de Degredados de Angola, Portaria de 15 de Setembro de 1876
Grandes obras de adaptação da fortaleza ao Depósito de Degredados, com destruição de muitas das seculares caractéristicas 1882
Extinção do Depósito de Degredados 8 de Setembro de 1938
Adaptação da Fortalezas ao Museu de Angola, Portaria de 8 de Setembro de 1938
Descerramento de um lápide alusiva à vista Presidencial 30 de Julho de 1939
Festas comemorativas de Restauração de Angola e descerramento de uma lápide 25 de Agosto de 1948
Surto de terrorismo em Angola 15 de Março de 1961
Ocupação da fortaleza pelo Batalhão de Páraquedistas 1961
Homenagem dos Município às Forças Armadas, com o descerramento de uma lápide 2 de Maio de 1964
Última cerimónia do arrear da Bandeira Portuguesa em Angola 10 de Novembro de 1975
Inauguração do Museu Central das Forças Armadas 31 de Julho de 1978
Incluído na Lista Indicativa a Património Mundial da UNESCO 1996
A fortaleza volta a ter uma utilização militar (parcial) sendo integrado no sistema de defesa área de pontos sensíveis da capital angolana 2001/2005 (?)
Inauguração do Museu Nacional de História Militar 4 de Abril de 2013

Referências

  1. a b c Ensaios sobre a statistica das possessões portuguezas na Africa occidental e oriental; na Asia occidental; na China, e na Oceania, Imprensa nacional, 1844, p. 141
  2. a b LOPES, Francisco Xavier, Três Fortalezas de Luanda em 1846, Luanda: Museu de Angola, 1954
  3. Machado, Miguel (2 de Julho de 2013). «MUSEU NACIONAL DE HISTÓRIA MILITAR – ANGOLA». Consultado em 11 de Outubro de 2013 
  4. «angolaembassy.hu». Angolaembassy.hu. Consultado em 28 de maio de 2015 
  5. «Journey to Angola : Africa's Land of Diamonds». Africa-ata.org. Consultado em 28 de maio de 2015 
  6. Santos, Nuno (1967). A Fortaleza de São Migue. Luanda: [s.n.] 22 páginas 
  7. O Mundo Português, Volume VIII, 1941, p. 283
  8. Moreira, João (2009). «Azulejos da Fortaleza de Luanda». Consultado em 11 de outubro de 2018 
  9. «Angola Magazine - Reinaugurado o Museu nacional de de história militar». Nova Angola. 11 de abril de 2013. Consultado em 11 de outubro de 2018 
  10. A Fortaleza de S. Miguel, p. 105-107

Bibliografia

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  • BOXER, C. R.. Salvador de Sá and the Struggle for Brazil and Angola, 1602-1686. (1952)
  • SANTOS, Nuno. A Fortaleza de São Miguel. Luanda: Instituto de Investigação Científica de Angola, 1967.
  • XAVIER, Francisco. Trés fortalezas de Luanda em 1846. Museu de Angola, 1954.
  • MATTOSO, José. Património de origem portuguesa no mundo, Volume II, África/Mar Vermelho/Golfo Pérsico. Fundação Calouste Gulbenkian, 2010.

Ver também

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Ligações externas

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