Fusão a frio

tipo hipotético de fusão nuclear

A fusão a frio é uma reação da fusão nuclear que ocorre em condições de temperatura ambiente, em vez dos milhões de graus requeridos para reações da fusão do plasma.

A fusão a frio é o termo popular usado para o que é mais recentemente denominado "reações nucleares de baixa energia" ("low energy nuclear reactions", em inglês, abreviado pela sigla LENR). A reivindicação inicial da fusão a frio foi relatada primeiramente por Martin Fleischmann e por Stanley Pons na Universidade de Utah em Março de 1989. Esse anúncio despertou interesse internacional, fazendo com que cientistas de todas as partes do mundo tentassem reproduzir o experimento a fim de confirmar esses resultados. Entretanto, os resultados publicados pela dupla não foram encontrados na mesma escala de geração de energia em nenhuma das outras tentativas, o que levou a comunidade científica a questionar se aquilo realmente havia acontecido. Depois de 1989 muitos cientistas observaram experimentalmente excesso de calor, trítio, hélio e mutações nucleares, esses procedimentos experimentais até chegaram a resultados de liberação de energia anômala, semelhante ao experimento de Pons e Fleischmann, mas a energia como fonte de reação nuclear não foi comprovada.[1]

Experimento de Pons e Fleischmann

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O procedimento experimental realizado por eles era basicamente uma eletrólise utilizando eletrodos de paládio e platina. Separando o deutério (isótopo de hidrogênio da água pesada)  , este se ligaria ao eletrodo de paládio. Os átomos de deutério então se fundiriam devido a pressão que se encontravam no eletrodo, produzindo uma quantidade considerável de energia.[2][3]

Estudos posteriores a Pons e Fleischmann, quem se destacou foi Edmund Storms, expoente no estudo de Fusão a Frio e criador do site LENR-CANR.org[4], que serve de biblioteca atualizada sobre o tema.

É proposto, em um estudo teórico, que para que ocorra a LENR são necessárias três etapas: Formação do NAE (sigla em inglês, "nuclear active environment", para Ambiente Nuclear Ativo), a entrada dos átomos de hidrogênio (deutério) no NAE e a interação desses átomos resultando na reação nuclear. Espera-se que essas etapas sigam o comportamento químico convencional, obedecendo assim, as leis que regem o processo.

Espera-se que nas duas primeiras etapas resulte numa redução da Energia Livre de Gibbs ( ), pois essas reações seriam espontâneas e exotérmicas, ao contrário de uma Fusão a Quente onde esse processo não é espontâneo e demanda gasto energético para ser realizado, obtendo um aumento na Energia Livre de Gibbs ( ), e a taxa de formação deve ser controlada pela energia de ativação.[5]

A equação da Energia Livre de Gibbs X Constante de equilíbrio é:  .[5] Storms propõe um cálculo para  , teórico, da Fusão a Frio que utilizaria essa primeira fórmula, juntamente com o cálculo da constante  , que seria:  , onde   está relacionado à potência produzida pela reação nuclear,   é a temperatura em NAE, e   é a energia de ativação para formar NAE, ou para fazer íons  ( ) disponível para o NAE. Após a formação do NAE, quem determinará a taxa de átomos de deutério a entrar no NAE será a pressão de hidrogênio aplicada e sua respectiva temperatura. Sendo assim, as principais variáveis da reação será a energia local e a concentração de Hidrogênio (Deutério). De qualquer forma, espera-se que os efeitos gerados possam ser explicados pelas Leis da Termodinâmica.[1][6]

Algumas Limitações

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Os nêutrons

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Se os nêutrons estivessem envolvidos no mecanismo da reação nuclear, a Barreira de Coulomb não seria um empecilho para os átomos. Assim, diversos pesquisadores propuseram que haveria um aglomerado de nêutrons estáveis aprisionados, que, de alguma forma, são liberados por meio de algum mecanismo desconhecido a fim de que a Fusão a Frio ocorra. Entretanto, não existe nenhuma evidência direta da existência desse aglomerado de nêutrons presentes ou aprisionados em material comum. E se existisse, seria óbvia a sua presença devido ao efeito de sua alta densidade. Concluindo que é inexistente. Outros cientistas pressupõem o conceito de plasmons ou elétrons super pesados, capazes de passar por um conjunto de átomos próximos à velocidade da luz enquanto acumulam energia dos campos de energia circundantes sem a perdê-la antes que um próton seja encontrado. Entretanto, isso não justificaria como o processo aconteceria, e ainda entraria em conflito com a já conhecida Distribuição de Boltzmann e a Segunda Lei da Termodinâmica.[6][7]

Um átomo de Deutério pode se converter em uma onda sob condições adequadas. Como tal, ele pode interagir com outra onda Deutério sem que a Barreira Coulomb esteja diretamente envolvida. Esta interação forma brevemente uma onda de Hélio, que lentamente se converte em uma partícula de Hélio, perdendo pequenas quantidades de energia para a rede circundante. Simplesmente ter um arranjo periódico de átomos, como é proposto, não é suficiente porque essa condição universal existe em todos os materiais, enquanto as reações nucleares são raras e localizadas em regiões especiais.[1][6]

Catalisador de energia

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Em janeiro de 2011, o engenheiro italiano Andrea Rossi apresentou a professores da Universidade de Bolonha, na Itália, um dispositivo que alegadamente realiza fusão a frio (ou reações nucleares de baixa energia - LENR na sigla em inglês), utilizando gás hidrogênio comum e níquel em pó, o qual recebeu o apelido de Catalisador de energia (E-Cat). Após a demonstração de janeiro, várias outras demonstrações foram realizadas, e Andrea Rossi afirmou que em outubro de 2011 entraria em funcionamento na Grécia a primeira usina de 1 megawatt baseada nesta tecnologia.[2][8][9][10]

No final de maio de 2011, Dennis M. Bushnell, um cientista-chefe[11] da NASA, afirmou em uma entrevista ao site "EV World" que as reações nucleares de baixa energia (LENR) representam a tecnologia em fase de desenvolvimento "número um" (a primeira em relevância) no cenário mundial atual, e que tal tecnologia pode vir a introduzir grandes mudanças geoeconômicas e geopolíticas e "resolver os problemas climáticos". Na entrevista, Bushnell menciona especificamente o "Energy Catalyzer" desenvolvido por Andrea Rossi, o qual acredita estar efetivamente produzindo energia em excesso, creditando tal feito a reações que poderiam ser explicadas pela teoria de Widom-Larson.[12]

Em agosto de 2011, Andrea Rossi anunciou o rompimento das relações comerciais com a companhia grega Defkalion, informando que a prometida usina de 1 megawatt baseada no E-Cat teve sua data de lançamento mantida para o final do mês de outubro de 2011, porém o local foi transferido para os Estados Unidos da América, em uma cidade que não poderia ser ainda revelada, devido a acordos comerciais com um novo parceiro norte-americano.[13]

Em setembro de 2011, o portal sueco especializado em ciência e tecnologia NyTeknik divulgou as primeiras fotografias e vídeos do que seria o módulo principal da usina de 1 megawatt a ser inaugurada no final de outubro, que já estaria sendo embarcado para os EUA.[14]

Em 6 de outubro de 2011, Andrea Rossi realizou um novo teste público do seu E-Cat, contando com a presença de jornalistas e representantes da indústria. O teste durou cerca de sete horas e vários tipos de medições foram feitas.[15]

Em 11 de outubro de 2011, Andrea Rossi anunciou que a data do lançamento oficial da sua usina de 1 megawatt baseada no Energy Catalyzer foi definida, e será no dia 28 de outubro de 2011.[16]

Em 17 de outubro de 2011, um artigo publicado na conceituada revista de negócios norte-americana Forbes relatou a existência do E-Cat, abordou o potencial transformador da tecnologia caso funcione como anunciado, e informou a data do lançamento em 28 de outubro.[17]

Em 28 de outubro de 2011, a unidade de 1 megawatt composto por múltiplos "E-Cats" foi testada em Bolonha, supostamente por engenheiros ligados à misteriosa companhia "cliente" de Andrea Rossi, que pretende comprar a referida unidade. A presença de observadores externos e da imprensa no evento foi limitada, e um relatório divulgado na mesma noite atesta que supostamente a unidade produziu 470 kilowatts de energia térmica durante cinco horas em "modo auto-sustentado" (sem fornecimento de energia externa, exceto para ventiladores e instrumentos de medição). Andrea Rossi alegou que optou por diminuir a potência de 1 megawatt para 470 kilowatts para melhorar a estabilidade do sistema no "modo auto-sustentado". Ele afirmou que o cliente ficou satisfeito, e o negócio foi fechado.[18][19]

De acordo, com Mark Gibbs, da revista Forbes, em maio de 2013 um artigo científico com o título “Indication of anomalous heat energy production in a reactor device" foi submetido ao site arxiv, a respeito de testes independentes realizados com o E-Cat. Os autores do artigo, professores da Universidade de Bolonha, na Itália, da Universidade de Uppsala, na Suécia, e do Royal Institute of Technology da Suécia, afirmam que não tiveram total controle de todos os aspectos do processo, mas concluíram que houve uma produção de energia (por litro de volume) no mínimo uma ordem de magnitude superior a qualquer fonte convencional conhecida de energia. Mark Gibbs nota que "o E-Cat tem aproximadamente quatro ordens de magnitude mais energia específica e três ordens de magnitude mais potência de pico do que a gasolina"[20]

Em 24 de janeiro de 2014, a empresa norte-americana Industrial Heat LLC anunciou que adquiriu os direitos de propriedade intelectual sobre o E-Cat, informando que está confiante na eficiência da nova tecnologia, e que deve dar prosseguimento à fase de pesquisa e desenvolvimento para colocar a tecnologia no mercado.[21]

Em 25 de agosto de 2015, o US Patent Office (escritório de patentes dos Estados Unidos) concedeu a Andrea Rossi a patente de número 9115913 B1 para sua invenção, o "Energy Catalyzer" (E-Cat).[22]

Em 22 de setembro de 2015, Andrea Rossi anunciou que, caso o teste independente de longa duração do E-Cat que estava sendo realizado em uma instalação industrial não revelada, em condições reais de uso comercial, for um sucesso, seus planos seriam de iniciar a comercialização do E-Cat no mercado já a partir de Março de 2016.[23]

Em 29 de março de 2016, Andrea Rossi informou que o "especialista responsável pela validação", uma pessoa com doutorado em engenharia nuclear contratada para acompanhar pelo período de um ano o teste do E-Cat realizado em condições reais de uso comercial em uma instalação industrial não revelada, entregou a ele, Rossi, e à empresa investidora Industrial Heat LLC, o seu relatório final pormenorizado elaborado a partir dos dados coletados ao longo dos meses de teste. Rossi se disse "muito satisfeito" com os resultados apontados, embora não estivesse autorizado ainda a divulgar a íntegra do relatório.[24]

Em 6 de abril de 2016, a empresa Leonardo Corporation, de propriedade de Andrea Rossi, anunciou em um comunicado de imprensa que o resultado dos testes realizados por um ano, expostos no relatório assinado pelo engenheiro nuclear Fabio Penon, indicariam que o E-Cat funcionou da forma esperada durante 352 dias de testes, apresentando um coeficiente de performance (energia produzida pelo dispositivo comparada à energia consumida pelo mesmo) consistentemente acima de 6 vezes, e frequentemente ultrapassando o valor de mais de 50 vezes. No entanto, no mesmo comunicado de imprensa, foi anunciado que a Leonardo Corporation de Rossi deu entrada em um processo judicial contra a empresa investidora Industrial Heat LLC, por supostas violações de contrato.[25][26]

Em 21 de janeiro de 2019, a Leonardo Corporation de Andrea Rossi anunciou per meio de uma press-release que realizará no dia 31 de janeiro de 2019 o lançamento público de um produto comercial plenamente funcional, o "E-Cat SK", voltado para o mercado de aquecimento industrial, sendo prevista a transmissão ao vivo do evento via internet.[27]

Fusão a Frio vs. Fusão a Quente

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A fusão entre dois núcleos exige uma pressão e temperatura exorbitantes, como as do interior das estrelas. Para a realização dessa fusão consome-se muita energia para atingir as condições de pressão e temperatura necessárias. Os aparelhos usados para alcançar tais condições são muito caros e grandes. Além disso ela só foi conseguida de maneira controlada em intervalos mínimos de tempo.

A perspectiva de se realizar esse procedimento a temperatura ambiente e num processo tão simples abriria um leque de possibilidades para uma nova era de geração de energia. Isso significaria produzir enormes quantidades de energia com um custo baixo e de maneira fácil.

Outra vantagem que a fusão a frio teria sobre a fusão a quente é a baixa emissão radioativa. Os pesquisadores descreveram uma emissão discreta de nêutrons e uma quantidade indeterminada de raios gama, indicando produção de grandes quantidades de energia com baixas quantidades de lixo radioativo.[3] Por conta disso e também da simplicidade do processo, geradores de energia a partir da fusão a frio poderiam ser instalados em cada casa[1].<ref name=":3" /

Referências

  1. a b c d «Fusão a Frio para Principiantes» (PDF). LENR-CANR.org. 12 de julho de 2006. Consultado em 27 de julho de 2014  (em português)
  2. a b «Pesquisadores afirmam ter criado reator de fusão a frio». HypeScience. 28 de abril de 2011 
  3. a b LAUTENSCHLEGUER, I.J. (29 de agosto de 2009). «Os vinte anos da (con)fusão nuclear a frio». SCIENTIA PLENA. Consultado em 8 de outubro de 2020 
  4. «LENR-CANR.org — A library of papers about cold fusion». lenr-canr.org. Consultado em 18 de outubro de 2020 
  5. a b ATKINS, Peter (2017). Físico-Química. Rio de Janeiro: LTC 
  6. a b c STORMS, Edmund (outubro de 2012). «A Student's Guide to Cold Fusion.» (PDF). KivaLabs. Consultado em 8 de outubro de 2020 
  7. «Overcoming the Coulomb Barrier». burro.cwru.edu. Consultado em 18 de outubro de 2020 
  8. «Fusione nucleare a freddo 'A Bologna ci siamo riusciti'» (em italiano). La Repubblica. 14 de janeiro de 2011 
  9. «Cold Fusion getting hot with 10kw heater prepping for market» (em inglês). PESN. 17 de janeiro de 2011 
  10. «Swedish physicists on the E-cat: 'It's a nuclear reaction'» (em inglês). NyTeknik. 6 de abril de 2011 
  11. «Dennis Bushnell - Blue Tech Forum». Consultado em 1º de junho de 2011 
  12. «Cold Fusion #1 Claims NASA Chief» (em inglês). PESN. 31 de maio de 2011 
  13. «Rossi Terminates Defkalion's E-Cat Rights and License» (em inglês). PESN. 7 de agosto de 2011 
  14. «Here's Rossi's one megawatt plant» (em inglês). NyTeknik. 14 de setembro de 2011 
  15. «Real-Time Updates on the October 6, 2011 E-Cat Test» (em inglês). PESN. 6 de outubro de 2011 
  16. «Friday, October 28, 2011 in Bologna Italy: Andrea Rossi Announces Date for 1MW E-Cat Plant Test» (em inglês). E-Cat World. 11 de outubro de 2011 
  17. «Hello Cheap Energy, Hello Brave New World» (em inglês). Forbes. 17 de outubro de 2011 
  18. «Half a megawatt E-cat in Bologna» (em inglês). NyTeknik. 29 de outubro de 2011 
  19. «Success for Andrea Rossi's E-Cat cold fusion system, but mysteries remain» (em inglês). Wired UK. 29 de outubro de 2011 
  20. http://www.forbes.com/sites/markgibbs/2013/05/20/finally-independent-testing-of-rossis-e-cat-cold-fusion-device-maybe-the-world-will-change-after-all/ Mark Gibbs, Forbes, 20 de maio de 2013
  21. http://www.e-catworld.com/2014/01/press-release-industrial-heat-has-acquired-andrea-rossis-e-cat-technology/ E-Cat World, 14 de janeiro de 2014
  22. http://animpossibleinvention.com/2015/08/25/rossi-has-been-granted-us-patent-on-the-e-cat/
  23. http://www.e-catworld.com/2015/09/22/rossi-if-test-successful-commercialization-to-start-march-2016/
  24. «Cópia arquivada». Consultado em 30 de março de 2016. Arquivado do original em 1 de abril de 2016 
  25. http://www.e-catworld.com/2016/04/06/cold-fusion-lenr-verified-inventor-sues-industrial-heat-llc-press-release/
  26. http://www.e-catworld.com/2016/04/06/complaint-of-andrea-rossi-and-leonardo-corp-court-document-cop-substantially-greater-than-fifty-50-during-test/
  27. https://www.prweb.com/releases/leonardo_corporation_to_introduce_revolutionary_new_e_cat_sk_heating_technology_in_worldwide_broadcast/prweb16046298.htm

Ligações externas

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