Inácio de Antioquia
Inácio de Antioquia (em grego clássico: Ἰγνάτιος Ἀντιοχείας; romaniz.: Ignátios Antiokheías; em siríaco: ܐܺܝܓܢܰܐܛܺܝܳܘܣ ܕܰܐܢܛܺܝܳܘܟܝܳܐ; romaniz.: Ignaṭios də(ʔ)Anṭioḵīyo), também chamado O Teóforo (em grego clássico: ὁ Θεοφόρος; romaniz.: ho Theophóros; "o Portador de Deus") e em fontes siríacas ortodoxas apelidado de Nurono (em siríaco: ܢܽܘܪܳܢܳܐ; "o iluminador"),[3] foi, segundo o historiador Eusébio de Cesareia, o terceiro bispo da Igreja de Antioquia,[4] entre 68 e 100[5] ou 107[6]. Inácio foi um dos pais apostólicos, os mais antigos pais da Igreja, que viveram no primeiro século e conheceram os apóstolos, desempenhando um papel crucial na história do cristianismo e na tradição eclesiástica. Antes de sofrer o martírio em Roma, escreveu uma série de cartas destinadas às igrejas locais da Grécia e da Ásia, nas quais critica os movimentos heterodoxos que se espalhavam nas igrejas,[7] ressaltando a unidade e universalidade dos cristãos ortodoxos, esta sintetizada por ele nos termos "Igreja Católica" e "Cristianismo", sendo Inácio o primeiro a usar ambas as expressões.
Inácio de Antioquia | |
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Santo da Igreja Ortodoxa Síria | |
3º Patriarca de Antioquia | |
Título |
Patriarca de Antioquia, Padre Apostólico e Mártir |
Atividade Eclesiástica | |
Predecessor | Evódio |
Sucessor | Herodião |
Ordenação e nomeação | |
Santificação | |
Veneração por | Igreja Católica Ortodoxia Bizantina Ortodoxia Oriental Comunhão Anglicana Igreja Luterana |
Festa litúrgica | Cristianismo ocidental (forma ordinária) e siríaco: 17 de outubro Rito Romano (forma extraordinária): 01 de fevereiro Igreja Ortodoxa Oriental e Igreja Ortodoxa Copta de Alexandria: 20 de dezembro (2 de janeiro no Calendário juliano) |
Atribuições | um bispo rodeado por leões |
Padroeiro | da Igreja no Mediterrâneo oriental e no norte da África |
Dados pessoais | |
Nascimento | ca. 30-35 |
Morte | Roma Entre 98 e 107[1][2] |
Projeto Cristianismo | |
Biografia
editarNada se sabe sobre a vida de Inácio além das palavras de suas cartas e tradições posteriores. Diz-se que Inácio se converteu ao cristianismo ainda jovem.[8] A tradição o identifica como discípulo do apóstolo João.[9] Mais tarde, Inácio foi escolhido para servir como bispo de Antioquia; o historiador da Igreja do século IV, Eusébio, escreve que Inácio sucedeu Evódio. Teodoreto de Ciro afirmou que o próprio Pedro deixou instruções para que Inácio fosse nomeado para esta sé episcopal.[10] Existe uma tradição de que ele foi uma das crianças que Jesus Cristo tomou em seus braços e abençoou.[11]
Foi preso por ordem do imperador Trajano (r. 98–117) e condenado ad bestias no Coliseu em Roma. As autoridades romanas esperavam fazer dele um exemplo e, assim, desencorajar o cristianismo, porém sua viagem a Roma ofereceu-lhe a oportunidade de conhecer e ensinar os conceitos cristãos, e no seu percurso, Inácio escreveu seis cartas para as igrejas da região e uma para um colega bispo, Policarpo. As cartas sobreviveram e são um testemunho único da vida da igreja no início do século II. As primeiras quatro cartas foram escritas de Esmirna a três comunidades da Ásia Menor, Éfeso, Magnésia e Trales, agradecendo-lhes pelas numerosas demonstrações de afeto testemunhadas nas suas angústias; com a quarta carta pedia aos romanos que não evitassem o seu martírio, entendido como um desejo de reconstituir a vida e a paixão de Jesus. Ao falar sobre sua execução, Inácio disse a famosa expressão: "Trigo de Cristo, moído nos dentes das feras". E na iminência do martírio prometeu aos cristãos que mesmo depois da morte continuaria a orar por eles junto de Deus:
“ | Meu espírito se sacrifica por vós, não somente agora, mas também quando eu chegar a Deus. Eu ainda estou exposto ao perigo, mas o Pai é fiel, em Jesus Cristo, para atender minha oração e a vossa. Que sejais encontrados nele sem reprovação | ” |
Em suas cartas, Inácio se descreve usando o termo grego “katakritos” (condenado à morte), o que não esclarece as circunstâncias de sua prisão. Em outros lugares ele afirma usar correntes “por causa do Nome” ( Ad Ef. 1, 2), referindo-se a Jesus Cristo. No final do século XIX, Joseph Barber Lightfoot pensava que Inácio tinha sido preso no decurso de uma perseguição contra os cristãos. No entanto, o facto de não serem encontradas referências a este assunto na correspondência de Inácio e de a sua principal preocupação parecer ser a organização das igrejas para as quais escreve também levou à postulação de que Inácio poderia ter sido preso devido a um confronto que durou lugar dentro da comunidade antioquena entre dois grupos ou facções cristãs que representam diferentes ordens eclesiais: os chamados “ministeriais” e os “carismáticos”.[13]
Veneração
editarO dia da festa de Inácio foi celebrado em sua própria Antioquia em 17 de outubro, dia em que ele é agora celebrado na Igreja Romana e em geral no cristianismo ocidental, embora do século XII até 1969 tenha sido colocado em 1º de fevereiro no Calendário Romano Geral.[14]
Na Igreja Ortodoxa Bizantina é comemorado em 20 de dezembro.[15] O Sinaxário da Igreja Ortodoxa Copta de Alexandria o coloca no dia 24 do mês copta de Koiak (que também é o 24º dia do quarto mês de Tahisas no Sinaxário da Igreja Ortodoxa Etíope Tewahedo), correspondendo em três anos de cada quatro a 20 de dezembro no calendário juliano, que atualmente cai em 2 de janeiro do calendário gregoriano.
Inácio é homenageado na Igreja Luterana, na Igreja da Inglaterra e na Igreja Episcopal em 17 de outubro.[16][17]
Cartas
editarSanto Inácio escreveu sete cartas, as chamadas Epístolas de Inácio, preservadas no Codex Hierosolymitanus:
- Epístola a Policarpo de Esmirna
- Epístola aos Efésios
- Epístola aos Esmirniotas
- Epístola aos Filadélfos
- Epístola aos Magnésios
- Epístola aos Romanos
- Epístola aos Trálios
Epístolas de Pseudo-Inácio
editarEpístolas que foram atribuídas à Inácio, mas de origem espúria, incluem[2]:
- Epístola aos Tarsos
- Epístola aos Antióquios
- Epístola a Hero, um diácono de Antioquia
- Epístola aos Filipenses
- Epístola de Maria, a prosélita, para Inácio
- Epístola para Maria de Neápolis (em Zarbo)
- Primeira Epístola para São João
- Segunda Epístola para São João
- A Epístola de Inácio para Virgem Maria
Teologia
editarCristologia
editarSabe-se que Inácio ensinou a divindade de Cristo:
"Há um só Médico que é tanto carne quanto espírito; tanto feito quanto não feito; Deus existindo em carne; verdadeira vida na morte; tanto de Maria quanto de Deus; primeiro passível e depois impassível, Jesus Cristo, nosso Senhor." — Carta aos Efésios, cap. 7
A mesma seção no texto da Longa Recensão diz o seguinte:
"Mas nosso Médico é o único verdadeiro Deus, o não gerado e inacessível, o Senhor de todos, o Pai e Gerador do Filho unigênito. Temos também como Médico o Senhor nosso Deus, Jesus, o Cristo, o Filho unigênito e Verbo, antes do início dos tempos, mas que depois também se tornou homem, de Maria, a virgem. Pois 'o Verbo se fez carne'. Sendo incorpóreo, Ele estava no corpo; sendo impassível, Ele estava em um corpo passível; sendo imortal, Ele estava em um corpo mortal; sendo vida, Ele se tornou sujeito à corrupção, para que pudesse libertar nossas almas da morte e da corrupção, curá-las e restaurá-las à saúde, quando estavam enfermas pela impiedade e pelos desejos perversos." — Carta aos Efésios, cap. 7, versão longa.
Ele enfatizou o valor da Eucaristia, chamando-a de "medicina da imortalidade" (Inácio aos Efésios 20:2). Considerava a perseguição e o sofrimento como conferindo graça e ansiava ardentemente pelo próprio martírio.[18] Inácio é considerado o primeiro escritor cristão conhecido a argumentar em favor da substituição do sábado pelo domingo:
"Não vos deixai seduzir por doutrinas estranhas nem por fábulas antiquadas, que são inúteis. Pois se até o dia de hoje vivemos à maneira do judaísmo, confessamos que não recebemos a graça. ... Se, então, aqueles que andaram nas práticas antigas alcançaram a novidade da esperança, não mais observando os sábados, mas moldando suas vidas após o Dia do Senhor, no qual também nossa vida ressuscitou por meio Dele ... como poderemos viver afastados Dele?" — Inácio aos Magnésios 8:1, 9:1–2
"Se, portanto, aqueles que foram educados na antiga ordem das coisas chegaram à posse de uma nova esperança, não mais observando o sábado, mas vivendo na observância do Dia do Senhor, no qual também nossa vida surgiu novamente por Ele e por Sua morte — a quem alguns negam, pelo qual mistério obtivemos fé, e, portanto, suportamos para que sejamos encontrados discípulos de Jesus Cristo, nosso único Mestre — como poderemos viver afastados Dele, cujos discípulos os próprios profetas, no Espírito, esperaram por Ele como seu Mestre? E, portanto, Aquele por quem eles esperaram justamente, vindo, ressuscitou-os dos mortos." — Carta aos Magnésios 9
Essa passagem provocou debate textual, pois o único manuscrito grego existente lê Κατα κυριακήν ζωήν ζωντες, que poderia ser traduzido como "vivendo de acordo com a vida do Senhor". A maioria dos estudiosos, no entanto, seguiu o texto latino (secundum dominicam), omitindo ζωήν e traduzindo como "vivendo de acordo com o Dia do Senhor".[19]
Eclesiologia
Inácio é o escritor cristão mais antigo conhecido a enfatizar a lealdade a um único bispo em cada cidade (ou diocese), assistido por presbíteros (anciãos) e diáconos. Escritos anteriores mencionam apenas bispos ou presbíteros. Por exemplo, seus escritos sobre bispos, presbíteros e diáconos:
"Cuidai de fazer todas as coisas em harmonia com Deus, com o bispo presidindo no lugar de Deus, e com os presbíteros no lugar do conselho dos apóstolos, e com os diáconos, que me são caríssimos, encarregados do serviço de Jesus Cristo, que estava com o Pai desde o princípio e por fim se manifestou." — Carta aos Magnésios 2, 6:1.
Ele também é responsável pelo primeiro uso conhecido da palavra grega katholikos (καθολικός), ou católico, que significa "universal", "completo", "geral" e/ou "integral" para descrever a Igreja, escrevendo:
"Onde quer que o bispo apareça, lá estejam as pessoas; assim como onde quer que Jesus Cristo esteja, lá está a Igreja Católica. Não é lícito batizar ou dar comunhão sem o consentimento do bispo. Por outro lado, tudo o que tem sua aprovação é agradável a Deus. Assim, tudo o que for feito será seguro e válido." — Carta aos Esmirniotas 8
O bispo anglicano e teólogo Joseph Lightfoot afirma que a palavra "católico" (καθόλου) significava "universal" para Inácio, conforme o termo era comumente usado à época por escritores clássicos e eclesiásticos. Usos posteriores de "Igreja Católica" denotam uma igreja particular com crenças ortodoxas advinda dos apóstolos, em oposição a corpos eclesiásticos heréticos ou heterodoxos.[20] Inácio de Antioquia também é atribuído como um dos primeiros a utilizar o termo "cristianismo" (em grego: Χριστιανισμός) por volta do ano 100 d.C.[21]
Ver também
editarReferências
- ↑ See "Ignatius" in The Westminster Dictionary of Church History, ed. Jerald Brauer (Philadelphia:Westminster, 1971) e também David Hugh Farmer, "Ignatius of Antioch" in The Oxford Dictionary of the Saints (New York: Oxford University Press, 1987).
- ↑ a b "St. Ignatius of Antioch" na edição de 1913 da Enciclopédia Católica (em inglês). Em domínio público.
- ↑ LIGHTFOOT, Joseph Barber (1885). The Apostolic Fathers. [S.l.]: Macmillan and Company. p. 220
- ↑ Eusébio de Cesareia. «36.2». História Eclesiástica. Ignatius and His Epistles. (em inglês). III. [S.l.: s.n.]
- ↑ «Primates of the Apostolic See of Antioch» (em inglês). St. John of Damascus Faculty of Theology, University of Balamand. Consultado em 24 de dezembro de 2011. Arquivado do original em 31 de julho de 2011
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, e|datali=
redundantes (ajuda) - ↑ «Patriarchs of Antioch: Chronological List» (em inglês). Syriac Orthodox Resources. Consultado em 24 de dezembro de 2011
- ↑ PLACHER, William C. (1988). Readings in the History of Christian Theology. I. [S.l.]: Presbyterian Publishing Corporation. p. 15. ISBN 9780664240578
- ↑ «Saint Ignatius of Antioch». Franciscan Media. Arquivado do original em 25 de julho de 2020
- ↑ PYLE, J. W. (2014). Historical and Archaeological Truths of the Bible. [S.l.]: WestBow Press. p. 17. ISBN 9781490825403
- ↑ «St. Ignatius of Antioch». web.archive.org. 15 de junho de 2019. Consultado em 3 de janeiro de 2025
- ↑ The Martyrdom of Ignatius
- ↑ Epístola aos Trálios (13:3) (em inglês). [S.l.]: Christian Classics Ethereal Library. Consultado em 29 de janeiro de 2011
- ↑ As primeiras comunidades cristãs contavam com uma organização carismática onde a direção espiritual estava a cargo de pessoas de ensino destacado que apostolam de forma itinerante. As cartas de Paulo de Tarso, escritas em meados do século I, mostram este tipo de apostolado e também uma organização eclesial muito primitiva. A carta aos Tessalonicenses, por exemplo, é dirigida de maneira geral a uma assembleia (gr. ekklesia ) (1 Tessalonicenses 1:1). A primeira carta aos Coríntios menciona alguns carismáticos como Apolo de Corinto. Na carta aos Gálatas há polêmica com pregadores judaico-cristãos externos, que chegaram àquelas comunidades. A Didaquê, escrita talvez pouco depois, prescrevia regras elementares de hospitalidade para estes apóstolos “carismáticos”:
Receba cada apóstolo ou profeta que vier até você. Não deve ficar mais de um dia. Se necessário, deixe-o ficar com dois. Se ele ficar três, ele é um falso profeta.
- ↑ Calendarium Romanum (Vaticano, 1969), p. 106
- ↑ «Antiochian Orthodox Christian Archdiocese of North America». www.antiochian.org. Consultado em 3 de janeiro de 2025
- ↑ «The Calendar». The Church of England (em inglês). Consultado em 3 de janeiro de 2025
- ↑ Lesser Feasts and Fasts 2018 (em inglês). [S.l.]: Church Publishing, Inc. 17 de dezembro de 2019
- ↑ COBB, L. Stephanie. Dying To Be Men: Gender and Language in Early Christian Martyr Texts, p. 3 (Columbia University Press, 2008); ISBN 978-0-231-14498-8
- ↑ J.B Lightfoot, The Apostolic Fathers, 2nd ed, vol 2, part 2, pag 129.
- ↑ Lightfoot, Joseph Barber (1889). The Apostolic Fathers: Revised Texts with Introductions, Notes, Dissertations and Translations. S. Ignatius, S. Polycarp (em inglês). [S.l.]: Macmillan
- ↑ Elwell, Walter; Comfort, Philip Wesley (2001), Tyndale Bible Dictionary, Tyndale House Publishers, pp. 266, 828, ISBN 0-8423-7089-7
Ligações externas
editar Precedido por Evódio |
Bispo de Antioquia 68 – 100 ou 107 |
Sucedido por Herodião |