Júlia Labourdonnay Gonçalves Roque

pintora portuguesa

Júlia Labourdonnay Gonçalves Roque, Viscondessa de Sistelo (Rio de Janeiro, 22 de novembro de 1853 - 1932), foi uma pintora naturalista luso-brasileira do final do séc. XIX e inícios do séc. XX, pioneira no acesso das mulheres ao ensino artístico e na participação das mulheres luso-brasileiras nos Salões anuais parisienses. Tornou-se internacionalmente conhecida como Julie de Cistello, sendo por vezes mencionada como Júlia de Sistelo ou Julie de la Bourdonnay Cistello.[1][2][3]

Júlia Labourdonnay Gonçalves Roque
Júlia Labourdonnay Gonçalves Roque
Pseudônimo(s) Julie de Cistello
Nascimento 1853
Rio de Janeiro
Morte 1932 (78–79 anos)
Batizado 5 de fevereiro de 1854
Cidadania Portugal, França, Brasil, Reino de Portugal
Progenitores
  • Boaventura Gonçalves Roque
Cônjuge Manuel Antônio Gonçalves Roque
Ocupação pintora
Obras destacadas Under the Apple Trees
Assinatura
Assinatura de Júlia Labourdonnay Gonçalves Roque

Biografia

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Nascimento e Família

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Júlia Labourdonnay Gonçalves Roque nasceu a 22 de Novembro de 1853 no Rio de Janeiro.[4] Era filha de Boaventura Gonçalves Roque (1822-1894), natural de Sistelo, concelho de Arcos de Valdevez, que foi muito jovem para o Brasil onde conquistou fortuna enquanto fazendeiro de café e comerciante. Obtendo o título de Visconde de Rio Vez, este foi mecenas de diversas iniciativas sociais, culturais e coloniais, para além de ter desempenhado o cargo de director do Gabinete Português de Leitura de 1871 a 1873. A mãe, Maria Luisa de Labourdonnay, era de origem aristocrática francesa, tendo a sua família materna vivido exilada no Rio de Janeiro após os eventos da Revolução Francesa.[5]

Filha primogénita, Júlia era irmã de Isabel Labourdonnay Gonçalves Roque, pintora naturalista e paisagista, que casou com José João Martins de Pinho, 1º conde de Alto Mearim, e faleceu com 32 anos em 1888 no Rio de Janeiro, dois anos após ter recebido a Medalha de Ouro da Exposição Artística e Industrial de Petrópolis,[6] e de Emília Labourdonnay Gonçalves Roque[7], também pintora e discípula de José Malhoa e Édouard Toudouze, com quem Júlia expôs paralelamente ao longo da sua carreira. Tendo vindo com o pai para Portugal por volta de 1880, Emília residiu na Quinta de Casal Soeiro, comprada em 1882 a Filipe de Sousa Holstein, em Vila Fonche, Arcos de Valdevez[8]. Em 1894, Emília viria a casar-se com o cunhado viúvo, José João Martins de Pinho, passando a assinar a sua obra artística como Condessa de Alto Mearim e residindo no Palacete de Alto Mearim, em Matosinhos, e no Palacete da Rua do Salitre[9], em Lisboa.

Primeiras Exposições: aluna de pioneiros da pintura ao ar livre

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Apesar da sua mãe ter falecido quando Júlia tinha apenas 6 anos de idade, as suas três filhas foram educadas desde cedo em diversas disciplinas, incluindo línguas (francês, inglês, italiano, alemão), música (sob a instrução do compositor Arthur Napoleão),[10] e artes plásticas. Os professores de pintura incluíram dois artistas pioneiros da pintura ao ar livre no Brasil: Joseph Mill (1837 – 1879), que também foi caricaturista pró-republicano a defensor da abolição da escravatura, e sobretudo Henri Nicolas Vinet (1817 – 1876)[11] que chegou ao Rio de Janeiro em 1856, discípulo de Corot e da emblemática Escola de Barbizon em Fontainebleau.  

A natureza exuberante do Rio de Janeiro, com suas montanhas e matas fechadas fascinou estes artistas: em 1860, Vinet abandonou a cidade para entrar em contato direto com a natureza, enveredando-se pelas florestas para as conhecer e observar de perto. Deu aulas particulares no seu atelier entre 1966 e 1972.

 
Passeio Público do Rio de Janeiro em 1884, a escassos metros da residência de Júlia de Sistelo no bairro da Lapa. Pintura da autoria de Rosalbino Santoro.

Em 1870, então com 16 anos, Júlia participou na Exposição Geral de Belas Artes do Rio de Janeiro,[12] onde foi apresentada como aluna de Joseph Mill e recebeu uma medalha de prata pela obra "Lembrança de Petrópolis" e por uma cópia de "As Rãs que Pedem um Rei" de Gustave Doré. Anos mais tarde, em 1879, participou na mesma mostra com as suas duas irmãs, tendo recebido uma menção honrosa com as obras "Vista de Santa Maria Madalena", "Vista de Nova Friburgo" e "Estudo de paisagem".[13]

Durante esse período, a sua morada principal no Rio de Janeiro situava-se na Rua Visconde de Inhaúma nº 50, à qual se juntou, por volta de 1875, uma residência no bairro da Lapa, nomeadamente na Rua de Santa Teresa nº 40 (atualmente Rua Joaquim Silva), próxima da casa onde vivia o escritor Machado de Assis. O editor português do escritor Almeida Garrett chegou a pedir ao marido de Júlia para transmitir um livro ao escritor brasileiro em 1884.[14]

 
Castelo de Sistelo, c. 1880, de estilo neogótico, mandado construir na freguesia de Sistelo, concelho de Arcos de Valdevez, por Manuel António Gonçalves Roque, esposo de Júlia Labourdonnay Gonçalves Roque.

Casamento e Castelo de Sistelo

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Em 1870, Júlia Labourdonnay Gonçalves Roque casou-se no Rio de Janeiro com o seu tio paterno, Manuel António Gonçalves Roque (1834-1886), o qual era vinte anos mais velho.[15] Também ele tinha emigrado jovem para seguir o irmão no Brasil, onde conquistou fortuna enquanto comerciante.[16]

Reconhecido mecenas de iniciativas sociais e artísticas no Brasil e em Portugal,[17] foi designado 1º Visconde de Sistelo. A atribuição de títulos nobiliárquicos tinha nesta altura alastrado ao ponto de tornar popular a frase do escritor Almeida Garrett: “Foge cão que te fazem barão. Para onde se me fazem visconde?”. O visconde de Sistelo foi benemérito, entre outras, da associação dos Arquitectos e Arqueólogos Portugueses[18] e do Gabinete Português de Leitura no Rio de Janeiro[19].

A partir de 1880, as estadias de Júlia com o marido em Portugal são cada vez mais frequentes. Na freguesia de Sistelo, este mandou construir o Castelo de Sistelo[20], o chafariz, o cruzeiro, a escola e o jazigo onde a família está sepultada.[21] Não geraram descendência, tendo Manuel António Gonçalves Roque falecido no Rio de Janeiro em 1886, quando Júlia tinha 32 anos, precipitando a sua vinda para Portugal.[22]

Academia Julian em Paris

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Viúva e com uma considerável fortuna, financiou os seus estudos artísticos, tornou-se discípula do pintor português José Malhoa, e inscreve-se nos anos 1891-1893 na Academia Julian em Paris,[23] uma das primeiras escolas a aceitar mulheres nas aulas de educação artística, precedendo a Escola das Belas Artes de Paris, que seria também frequentada pelas pintoras portuguesas Aurélia de Sousa e Sofia de Souza (inscritas em 1899 e 1900).[13] Nesta instituição artística, Júlia foi aluna do atelier de Gabriel Ferrier e de William Bouguereau[24], situado no 5 rue de Berry, junto aos Champs Elysées (e próximo de onde se alojava na rue Pierre Charron et depois no 4 Rue Boccador), mas também teve aulas no atelier Passage des Panoramas (27 Galerie Montmartre). É historicamente a quarta mulher do Brasil a ser inscrita nesta escola. Das mulheres artistas portuguesas, Júlia de Sistelo apenas foi precedida na Academia Julian pela escultora Albertina Falker, inscrita em 1887-1888, que já tinha sido a primeira mulher a entrar na Academia Nacional das Belas Artes de Lisboa em 1879.

O diário de uma aluna da Academia, a reconhecida artista Marie Bashkirtseff, publicado postumamente em 1888, tinha obtido um enorme sucesso editorial e transformado a Academia Julian num objectivo para muitas mulheres em busca de emancipação. Até 1896, as mulheres eram excluídas de entrada na escola das Belas-Artes de Paris, sob pretexto dos « perigos da promiscuidade » que representavam as aulas de desenho de modelo masculino nu, indispensáveis para a pintura de História, considerada nessa altura o expoente máximo da profissionalização. Júlia de Sistelo teve também aulas de estética e história de arte com Anatole Marquet de Vasselot no 7 rue Talma em Paris.

Exposição Universal de Paris, os Salões e a União das Mulheres Artistas

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Júlia de Sistelo em Lisboa para o casamento da sua sobrinha Beatriz Labourdonnay Roque de Pinho com o Marquês de Alegrete. 20 de abril de 1907,

Em 1897, fixou residência em Paris, tornando-se numa das primeiras mulheres artistas luso-brasileiras a expor nos Salões (ou Salons) parisienses, onde apresentou as obras "Pietà" e, em 1898, "Communiante" no Salon de la Société des Artistes Français.[25]

Em 1900, expôs na Exposição Universal de Paris. Na secção portuguesa das Belas Artes, exposta no Grand Palais, participaram onze mulheres artistas: Júlia de Sistelo, a sua sobrinha Maria Luísa do Alto Mearim, a sua irmã Emília de Alto Mearim, o clã das três irmãs Emília dos Santos Braga, Laura Santos, Virginia Santos Avelar, e também Branca de Araújo Assis, Fanny Munró, Laura Sauvinet Bandeira, Maria Augusta Bordalo Pinheiro e Leonor da Silva Nogueira. Após a exposição, guardou na sua posse vários quadros - tal como "Á espera dos Barcos" de Souza Pinto, que também residia em Paris - salvando-os inadvertidamente do naufrágio do barco a vapor francês Saint André que os transportava de regresso a Lisboa.[13]

 
Retrato em destaque de Júlia de Sistelo na sua participação ao Salão feminista da Union des Femmes Peintres et Sculpteurs em 1905. Revue Illustrée, 15-03-1905.
 
"Prête à sortir" (1910) da autoria de Júlia do Sistelo. Pintura apresentada no Salon da Union des Femmes Peintres et Sculpteurs em Paris.

Em 1908, viajou de novo ao Brasil, onde expôs na importante Exposição Nacional do Rio de Janeiro com uma série de paisagens representativas da nova geografia burguesa urbana de Portugal e França, como o Castelo do Queijo na Foz do Porto, a Tapada da Ajuda em Lisboa ou ainda as margens do rio Sena. A relação com o Brasil nunca foi interrompida depois da sua ida para Portugal após a morte do marido e da instalação em Paris após o falecimento do pai : em 1896 participou nas Exposições Gerais de Belas Artes do Rio de Janeiro, enviando a obra "A Saudade", cujo título assume valor de mensagem, regressando a esse salão anual inúmeras vezes, em 1901 e 1902, seguindo-se 1912 e 1913 e depois 1922.[26]

Nas duas primeiras décadas do século XX, converteu-se numa das mulheres lusófonas que mais vezes expôs no Salon da Société Nationale des Beaux Arts de Paris (Salão da Sociedade Nacional de Belas Artes) ao participar nas edições de 1905, 1906, 1909, 1910, 1912, 1913, 1914 e 1924.

Foi membro fundador em 1913 do Cercle des Artistes Brésiliens (Círculo de Artistas Brasileiros) em Paris, juntamente com Fedora do Rego Monteiro, Helene Pereira da Silva, Virgílio Maurício, Manuel Madruga, João Zanin Turin, João Zaco Paraná, Jose Marques Campão, Vicente do Rego Monteiro, Jose Wasth Rodrigues ou Oscar Pereira da Silva.

A partir de 1905, expôs nos salões anuais da organização feminista Union des Femmes Peintres et Sculpteurs (União das Mulheres Pintoras e Escultoras) que tinham lugar no Grand Palais, tal como o Salão da Société Nationale des Beaux Arts. A União fundada por Hélène Bertaux é considerada uma das primeiras sociedades de mulheres artistas e o Salão gerou inovações importantes: sem júri de seleção (até 1896), recusou estabelecer hierarquias entre géneros de pintura ou em relação ao design e às artes aplicadas, introduzindo uma preocupação pelo corpo no espaço, com divans para repouso.

Júlia de Sistelo expôs em 19 edições deste salão feminista entre 1905 e 1932[27][28], numa altura em que este era dirigido pela Duquesa Anne d'Uzés, também ela viúva e historicamente a primeira mulher a obter uma carta de condução de automóveis em 1898. Sendo monárquica, esta duquesa manteve uma amizade epistolar com a anarquista Louise Michel, militou para que as mulheres casadas pusessem dispor de um salário e participou à fundação da União Francesa para o Sufrágio das Mulheres em 1909.

A pintura "Sous les Pommiers" de Júlia de Sistelo foi celebrada em 1913 pelo célebre poeta e crítico modernista Guillaume Apolinaire, no jornal L'Intransigeant, como "uma das pinturas mais graciosas" do Salon da Union des Femmes Peintres et Sculpteurs.[29]

Várias pinturas suas expostas nos Salões parisienses foram reproduzidas em postais, evidenciado a sua popularidade junto do público, particularmente La Grand-mère, Sous les Pommiers, Prête à sortir, Solitude e Envoi de Fleurs.

Participou várias vezes na Exposição do Grémio Artístico em Lisboa: 1895, 1896 e 1897. Depois da constituição da Sociedade Nacional das Belas Artes em Lisboa, participou 11 vezes no Salão anual: em 1901, 1902,[30] 1903, 1904, 1905, 1906, 1909, 1910 e após a implantação da República, em 1916, 1917 e 1923.

De Paris a Nice: a proximidade constante dos jardins

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Hotel des Sapins em Sainte Marguerite-sur-Mer (Chemin Jean-Jacques Rousseau), perto do Farol d'Ailly, local da pintura "Sous les Pommiers". À direita, uma casa de colmo (chaumière) típica da Normandia.

O jornal francês Le Figaro anuncia regularmente a sua presença, referindo-a como "vicomtesse et Mlle de Sistello", em eventos mundanos em Paris entre janeiro de 1901 e junho de 1914, um mês antes do início da Primeira Guerra Mundial.

Em 1898 e 1906 indicava morada perto do Parque Monceau, na Rue Margueritte, e em 1909 a alguns metros dali, no 134 rue des Courcelles. Entre 1904 e 1913 realizou viagens estivais à costa da Normandia, em Sainte Marguerite-sur-Mer, onde pintou várias obras, incluindo "Sous Les Pommiers", no Hotel des Sapins, identificando-se as casas de colmo típicas da zona. Localidade vizinha de Varengeville, eram instâncias muito procuradas pelo meio artístico[31]: Júlia terá ido encontrar o pintor naturalista Jean-Jacques Rousseau, seu professor (a partir de 1902), que aí construiu a sua casa-atelier em 1904 na estrada do farol d'Ailly[32] (e viria a ser presidente da câmara local entre 1919 e 1935), um discípulo do pintor Alfred Roll que também aí teve uma casa de verão.

Após o início da Primeira Guerra Mundial, indica morada no sul de França a partir de 1917, em Nice (no 11 bis Avenue Auber, em frente do Jardim Mozart), onde o Musée des Beaux-Arts adquiriu o seu quadro "Sous les Pommiers". A partir de 1929 até 1932, volta a indicar uma morada em Paris, no 14 rue de Clichy, ao lado do actual Teatro Apollo onde o cantor de tango argentino Carlos Gardel causa grande impacto em 1928, e do Casino de Paris, onde a cantora Josephine Baker tem um sucesso estrondoso em 1930 com a canção J'ai deux amours (na revista Paris qui remue).

Faleceu em 1932 com 79 anos, sem deixar descendência.

Contexto, Percurso e Obra

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Brasileiros de Torna-Viagem

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A sua obra e percurso permitem analisar a figura do brasileiro de torna-viagem, tão presente no imaginário da ascensão económica da população rural nortenha. Essa mudança de classe social procurava dissimular a exploração colonial subjacente à sua riqueza (o pai da artista tinha sido condenado em 1846 pela Marinha de Guerra Inglesa por conduzir um navio negreiro, após a interdição do tráfico de escravizados), [33]através da obtenção de títulos nobiliárquicos e de uma ação de mecenato (incluindo construção de escolas e bibliotecas, de forma a melhorar as condições da emigração futura: Gabinete Português de Leitura, Liceu Literário Português ou a escola primária de Sistelo e o Liceu de Alto Mearim em Matosinhos). No regresso a Portugal essa emigração introduziu uma originalidade na arquitetura (as designadas "casas de brasileiros") que se tornou um alvo de preconceitos estéticos resultantes da rápida mobilidade de classe social, e foi injustamente desvalorizada.

Feminismo e desigualdade de género na arte

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"Sous les pommiers ou Le thé à la campagne" (1912), óleo sobre tela, da autoria de Júlia de Sistelo. Foi apresentada no Salon da Société Nationale des Beaux Arts de Paris em 1912. Coleção do musée des Beaux-Arts Jules Chéret, Nice.

O seu percurso é também sinónimo da terrível desigualdade de género imposta às mulheres: desde os casamentos de conveniência económica (incluindo alianças com uma aristocracia culta mas falida), até ao desprezo permanente a que estão sujeitas as carreiras artísticas das mulheres pelos críticos da época e pelos historiadores, sobretudo ultrapassada a idade de jovem solteira. Apesar do seu trabalho ter sido mostrado mais vezes do que os seus colegas masculinos no Salão da Société Nationale des Beaux Arts de Paris, os críticos portugueses persistiam em integrá-la na categoria de "amadora" ou "discípula". O seu percurso permite analisar a autonomia conquistada através do estatuto de viúva, que representava uma ameaça ao poder masculino. O combate pessoal de Júlia Labourdonnay Gonçalves Roque afirmou a sua vontade em prosseguir uma obra artística, ultrapassando de forma pioneira obstáculos educativos até aí intransponíveis e integrando os círculos artísticos na capital da Belle Époque.

 
Júlia de Sistelo, Solitude (Sainte-Marguerite-sur-Mer), 1910. Apresentada pela primeira vez no Salon feminista da Union des Femmes Peintres et Sculpteurs em Paris e no Salão da Sociedade Nacional das Belas Artes em Lisboa (onde foi adquirida pela irmã Emília).

Fora do Lar: pintura ao ar livre

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A sua obra « Femme peignant sous un parasol », ao produzir um efeito de espelho - trata-se de um auto-retrato da artista a pintar ao ar livre - é paradigmática de uma nova realidade em que mulheres artistas saíram do universo doméstico para pintarem no exterior (seguindo os preceitos da Escola de Barbizon e do naturalismo) que incluía também a dignificação de figuras e ofícios das classes subalternizadas (com os seus retratos de uma minhota, de um pescador de Matosinhos, de uma padeira parisiense ou de uma ceifeira da Normandia).

No entanto, a difusão de postais com reproduções das suas obras expostas nos Salons, associaram a sua obra à representação da vivência de uma mulher solitária de classe privilegiada. A sua obra é irremediavelmente uma emanação do séc. XIX, tendo atravessado o início do séc. XX nos círculos de pintura académica em Paris, longe das vanguardas do bairro Montparnasse, mas é preciso lembrar que quando Amadeo de Souza Cardoso chega a Paris em 1906 aos 19 anos, Júlia tem já 53 anos.

Para a historiadora de arte Maria da Luz Quintão de Jesus Pinheiro [34], a pintura "Sous les Pommiers" (1912) utiliza o jardim como local de introspecção, exacerbando o sentimento melancólico e meditativo. A personagem aborda directamente o observador através do olhar, e o contexto evidencia o estatuto de mulher privilegiada, através da empregada que prepara o seu chá. Trata-se também de um testemunho da importância dada pelas mulheres privilegiadas à instrução, representando personagens femininas a ler, ou no caso de "La Réponse" (1909) à importância da escrita na vida da mulher. Neste caso à escrita epistolar, representando uma mulher que pousou a sua sombrinha e o seu chapéu, sentando-se perante uma pequena secretária repleta de cadernos, juntamente com a tentativa de resposta que foi rejeitada pela personagem e se encontra disposta sobre o soalho, remetendo o observador para o estado psicológico da modelo.

Cronologia das exposições

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1870

1879

1881

1882

1895

  • Exposição do Grémio Artístico, Lisboa - Menção honrosa: A Canção Preferida[35]

1896

  • Exposição do Grémio Artístico, Lisboa - Medalha de 3ª Classe: Pietas. Também expôs Saudade[37]

1897

  • Exposição do Grémio Artístico, Lisboa - Vasco da Gama[38]

1898

  • Salon de la Société des Artistes Français, Paris - Communiante[39]

1899

  • Société des Amis des Arts du Havre - L’anniversaire
 
Exposição Universal de Paris 1900. Inauguração a 18 de junho do Pavilhão das Colónias Portuguesas, situado no Trocadero.

1900

1901

1902

1903

1904

  • Société des Amis des Arts, Seine et Oise - Communiante

1905

  • Salon da Société Nationale des Beaux Arts, Paris - Réveil[46]
  • Salon da Union des Femmes Peintres et Sculpteurs, Paris - Bords de Seine ; Coucher de Soleil à La Jatte ; Temps Gris à la Jatte ; Bal de l'Artilleur à la Jatte ; Quai Michelet, Levallois

1906

  • Salon da Société Nationale des Beaux Arts, Paris - Dans L'Atelier[47]

1907

  • Salon da Union des Femmes Peintres et Sculpteurs, Paris - Pescador (Matosinhos) ; Première étoile ; Paysage (Matosinhos)

1908

  • Photografia União, Porto
  • Salon da Union des Femmes Peintres et Sculpteurs, Paris - Enigme (pastel) ; La Capeline Rouge (pastel)

1909

  • Salon da Société Nationale des Beaux Arts, Paris - La Réponse
  • Salon da Union des Femmes Peintres et Sculpteurs, Paris - Portrait de Mademoiselle A. R. B.
  • Société des Amis des Arts de Nîmes - Coucher de soleil (Portugal) ; Capeline Rouge (pastel)

1910

  • Salon da Société Nationale des Beaux Arts, Paris - La Grand-mère
  • Salon da Union des Femmes Peintres et Sculpteurs, Paris - Fleurs des Champs ; Solitude (Coucher du soleil) ; Les Capucines ; Prête à sortir ; Souvenirs

1911

  • Salon da Union des Femmes Peintres et Sculpteurs, Paris - La Grand-Mère ; Au Jardin

1912

  • Salon da Société Nationale des Beaux Arts, Paris - Sous les Pommiers
  • Salon da Union des Femmes Peintres et Sculpteurs, Paris - Le Fauteuil de La Grand-Mère (Intérieur Normand) ; Faneuse (Sainte-Marguerite-sur-Mer) ; L'enfant, deuil (la vie d'une femme, Schumann) (dessin)

1913

  • Salon da Société Nationale des Beaux Arts, Paris - Jeune fille, portrait
  • Salon da Union des Femmes Peintres et Sculpteurs, Paris - Sous les Pommiers

1914

  • Salon da Société Nationale des Beaux-Arts, Paris
  • Salon da Union des Femmes Peintres et Sculpteurs, Paris - Dans le potager ; Après la Fenaison (Sainte Marguerite) ; La Mare dans le Clos ; Le Petit Pommier

1916

1917

1918

  • Salon da Union des Femmes Peintres et Sculpteurs, Paris - Les bruyères (Sainte-Marguerite-sur-Mer)

1921

  • Salon da Union des Femmes Peintres et Sculpteurs, Paris - Envoi du Front

1922

1923

1924

  • Salon da Société Nationale des Beaux-Arts, Paris - Reflets
  • Salon da Union des Femmes Peintres et Sculpteurs, Paris - Rayons de soleil, Sainte Marguerite (Seine Inférieure)

1925

  • Salon da Union des Femmes Peintres et Sculpteurs, Paris - Portrait de M. Frederico Roque (dessin)

1929

  • Salon da Union des Femmes Peintres et Sculpteurs, Paris - Lever de lune à Escamps (Yonne)

1930

  • Salon da Union des Femmes Peintres et Sculpteurs, Paris - Les Capucines

1931

  • Salon da Union des Femmes Peintres et Sculpteurs, Paris - La Mare (Normandie)

1932

  • Salon da Union des Femmes Peintres et Sculpteurs, Paris - L'escalier fleuri, Escamps (Yonne)

Pinturas

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Referências

  1. «Réunion des Musées Nationaux-Grand Palais - Search Result». www.photo.rmn.fr. Consultado em 22 de dezembro de 2022 
  2. Theran, Susan (29 de novembro de 1999). Leonard's Price Index of Latin American Art at Auction (em inglês). [S.l.]: Springer 
  3. Petteys, Chris (1985). Dictionary of Women Artists: An International Dictionary of Women Artists Born Before 1900 (em inglês). [S.l.]: G.K. Hall 
  4. Carlos Eduardo de Almeida Barata, "Catálogo biográfico, genealógico e heráldico do Rio de Janeiro. Relação das Cartas de Brasões passadas aos indivíduos naturais do Rio de Janeiro". [S.l.: s.n.] p. 18 
  5. Corrêa, Manuel de Mello (1988). Sangue velho, sangue novo. [S.l.]: Instituto Português de Heráldica 
  6. «Aniversário do falecimento de Izabel de Labourdonnay Gonçalves de Pinho.» (PDF). Ilustração Portuguesa (35): 7. 10 de junho de 1889 
  7. «Perfis Femininos: Condessa de Alto-Mearim». Sociedade Futura (23-24): 2. 1 de Maio de 1903 
  8. «"O sr. visconde de Rio Vez comprou ao sr. marquez de Monfalim a quinta de Casal Soeiro, próxima à villa dos Arcos de Valdevez; e vai mandar reedificar o palacete que dela fazia parte". in» (PDF). Diário Illustrado (3119): 1. 15 de janeiro 1882 
  9. Tereno, Paula (2017). «Palacete dos Condes de Alto Mearim». Direção-Geral do Património Cultural 
  10. MACEDO CAZARRÉ, Marcelo (2006). Indicação de uma dedicatória do compositor Arthur Napoleão em 1870 às suas alunas Júlia e Isabel Labourdonnay Gonçalves Roque. À Viscondessa de Sistelo dedicaria ainda em 1882 a sua peça "La Charmeuse, Caprice Impromptu". (PDF). Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul. p. 179 
  11. Beluzzo, A. M. de Moraes (1999). «Henri Nicolas Vinet (1817-1876), O Brasil dos Viajantes». Christies 
  12. a b Júlia aparece nos Arquivos da Escola Nacional de-Belas Artes do Rio de Janeiro como tendo participado já na Exposição Geral de Belas Artes de 1870, obtendo uma menção honrosa. (PDF). [S.l.]: Universidade Federal do Rio de Janeiro. 1967. p. 35 
  13. a b c d «António NUNO SALDANHA e Quadros Pereira Coelho, "JOSÉ Vital Branco MALHOA (1855-1933) O pintor, o mestre e a obra", Universidade Católica Portuguesa.». 2006 
  14. ROUANET, Sérgio Paulo (2009). Correspondencia Machado de Assis - TOMO II-1870-1889 (PDF). Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras. p. 282 
  15. «Perfil de Manuel António Gonçalves Roque.» (PDF). Ilustração Portuguesa (16): 10-12. 1 de novembro de 1886 
  16. Rodrigues, Henrique (2006). Emigração e emigrantes: Vale do Lima no século XIX. [S.l.]: CER 
  17. O Livro de Ouro, Biografia do Visconde de Sistelo (PDF). [S.l.: s.n.] 1885. pp. 27–28 
  18. Visconde de Sistelo (Manuel António Gonçalves Roque). Sócio honorário em 24 de Março de 1879. Sócio efectivo em 31 de Outubro de 1880. in Trabalhos da Associação Arqueólogos Portugueses. (PDF). [S.l.: s.n.] pp. 83–86 
  19. «O Gabinete Português de Leitura no Rio de Janeiro e o Tri-Centenário de Camões» (PDF). O Ocidente (83): 86. 11 abril 1881 
  20. «Castelo de Sistelo, Direção-Geral do Património Cultural, Ministério da Cultura» 
  21. VIEIRA, José Augusto (1886). O Minho Pittoresco. Lisboa: Livraria de António Maria Pereira. p. 306 
  22. «Obituário do Visconde de Sistelo, in Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro» (PDF). Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro (299): 3. 26 de outubro de 1886 
  23. SIMIONI, Ana Paula Cavalcanti (2005). "A viagem a Paris de artistas brasileiros no final do século XIX". [S.l.]: Tempo Social, revista de sociologia da USP, v. 17, n. 1 
  24. Referência à sua participação nos catálogos dos Salons de Paris em 1897 e 1898, in Magdalena Illán Martín, "Medallas, honores y fama. Mujeres artistas iberoamericanas en los Salones (1852-1914)", Universidad de Sevilla. España. (PDF). [S.l.: s.n.] 2019. p. 21 
  25. «Domingos Guimarães, "Brazil e Portugal nos "Salons" de 1898", in Revista Moderna, Magazine Brasileiro, nº 20,» (PDF). 1 de Maio de 1898 
  26. ANDRÉA DE OLIVEIRA, Míriam (1998). A Mulher e as artes: as pintoras da Primeira República no Rio de Janeiro. (PDF). [S.l.]: Universidade Federal do Rio de Janeiro 
  27. DAYOT, Armand (1906). L'Art et les Artistes, Tome III, Avril-Septembre 1906. Paris: [s.n.] p. 31 
  28. Crónica de Guy Presles n'O Comércio do Porto nº47, 1910, in Maria Manuela Baptista Assunção, "Os pintores e os públicos no Porto. Naturalismo, tardo naturalismo do final do século XIX (1880) à República (1910)", Faculdade de Letras da Universidade do Porto. (PDF). [S.l.: s.n.] 2015. p. 126 
  29. APOLLINAIRE, Guillaume (22 de fevereiro de 1913). «Au Grand Palais Union des femmes peintres et sculpteurs». L'Intransigeant (nº 11910): 2 
  30. LOWNDES VICENTE, Filipa (2011). A arte sem história, Mulheres e cultura artística (Séculos XVI – XX) (PDF). [S.l.]: Athena. p. 211 
  31. «Artistas associados a Varengeville, localidade vizinha de Sainte Marguerite sur Mer.» 
  32. «Casa e atelier do pintor Jean-Jacques Rousseau (1861-1938)» 
  33. RODRIGUES BOECHAT, Josane (2010). O tráfico ilícito na região de Macaé: estratégias, embarcações e traficantes (PDF). Niterói: Universidade Salgado de Oliveira - Universo. p. 77 
  34. (2) Maria da Luz Quintão de Jesus Pinheiro, "Olha-me e Segue-me. Perspectivas sobre a representação do género feminino na arte portuguesa entre 1880-1930", Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa, 2021
  35. Exposição de Belas-Artes do Grémio Artístico em 1895 : Catálogo Ilustrado. Lisboa: [s.n.] 1895 
  36. Exposição geral de belas artes: catálogo de 1896 (PDF). Rio de Janeiro: [s.n.] 1896 
  37. Exposição de Belas-Artes do Grémio Artístico em 1896 : catálogo ilustrado. Lisboa: [s.n.] 1896 
  38. Catalogo ilustrado da Exposição do Grémio Artístico em 1897. Lisboa: [s.n.] 1897 
  39. Catalogue illustré du Salon de la Société des artistes français em 1898. Paris: [s.n.] 1898 
  40. Catalogue officiel illustré de l'Exposition universelle internationale de 1900 (Paris, France). Paris: [s.n.] 1900. p. 207 
  41. Catálogo da Exposição Geral das Belas Artes 1901 (PDF). Rio de Janeiro: [s.n.] 1901 
  42. Catálogo ilustrado da Sociedade Nacional de Belas Artes de 1901. Lisboa: [s.n.] 1901 
  43. Catálogo da Exposição Geral das Belas Artes 1902-1903 (PDF). Rio de Janeiro: [s.n.] 1903 
  44. Catálogo da 2ª Exposição da Sociedade Nacional de Belas-artes, 1902. Lisboa: [s.n.] 1902 
  45. Catálogo da 4ª Exposição da Sociedade Nacional de Belas-artes, 1904. Lisboa: [s.n.] 1904 
  46. Catalogue illustré du salon de la Société nationale des beaux-arts 1905. Paris: [s.n.] 1905 
  47. Catalogue illustré du salon de la Société nationale des beaux-arts, 1906. Paris: [s.n.] 1906 
  48. Catálogo da Exposição da Sociedade Nacional de Belas-artes, 1906. Lisboa: [s.n.] 1906 
  49. Catálogo da Exposição da Sociedade Nacional de Belas-artes, 1909. Lisboa: [s.n.] 1909 
  50. Catálogo da Exposição da Sociedade Nacional de Belas-artes, 1910. Lisboa: [s.n.] 1910 
  51. Exposição geral de belas artes: catálogo 1904 a 1912 (PDF). Rio de Janeiro: [s.n.] 1912 
  52. Exposição geral de belas artes: catálogo de 1913 (PDF). Rio de Janeiro: [s.n.] 1913 
  53. Catálogo da Exposição da Sociedade Nacional de Belas-artes, 1916. Lisboa: [s.n.] 1916 
  54. Catálogo da Exposição da Sociedade Nacional de Belas-artes, 1917. Lisboa: [s.n.] 1917 
  55. Catálogo da Exposição da Sociedade Nacional de Belas-artes, 1923. Lisboa: [s.n.] 1923 
 
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