José Rosemberg
José Rosemberg (Londres, 19 de setembro de 1909 – São Paulo, 24 de novembro de 2005) foi um médico e educador, sendo reconhecido por suas contribuições à medicina, especialmente no estudo das doenças pulmonares e na luta contra o tabagismo. Formou-se em farmácia em 1928 e em medicina em 1934 pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.[1][2][3]
José Rosemberg | |
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Nome completo | José Rosemberg. |
Nascimento | 19 de setembro de 1909 Londres, Inglaterra. |
Morte | 24 de novembro de 2005 (96 anos) São Paulo, Brasil. |
Nacionalidade | Inglesa. |
Cidadania | Brasileira. |
Cônjuge | Benedita Lebrão (1936-1940).
Iracema Azevêdo (1940-1993). Ana Margarida Furtado Arruda Rosemberg (1994-2005). |
Alma mater | Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). |
Ocupação | Professor universitário, pesquisador, escritor e conferencista. |
Outras ocupações | Pioneiro na luta contra o tabagismo no Brasil. |
Profissão | Médico. |
Assinatura | |
Filho único de Emanuel Rosenberg, nascido em 22 de agosto de 1883, na Áustria, e Sisel Neyberg (Eugênia), nascida em 21 de junho de 1890, na Polônia. Aos seis anos, mudou-se para o Brasil, onde se naturalizou brasileiro.[1][4][5]
Como Professor Titular de Tuberculose e Doenças Pulmonares por mais de quatro décadas, formou milhares de médicos e foi um dos fundadores da Faculdade de Medicina da PUC-SP, em Sorocaba. Autor de diversos livros e artigos sobre tabagismo e saúde pública, influenciou políticas e programas voltados para a prevenção do uso do tabaco. Seu legado acadêmico e suas inúmeras condecorações demonstram seu impacto duradouro na formação de novas gerações de médicos e na promoção da saúde no Brasil.[1][4]
História familiar
editarEm 1905, seu pai fez parte da Revolução Russa quando foi preso e anistiado e de onde partiu para a Inglaterra e de lá para América do Sul.[5]
Em 1911, seu pai, diagnosticado com tuberculose, seguiu o conselho de médicos ingleses e se mudou com a família para a América do Sul, em busca de um clima tropical que pudesse auxiliar na sua recuperação. Naquela época, antes do surgimento de quimioterápicos específicos, a climatoterapia era uma prática comum recomendada para o tratamento da tuberculose.[5]
Inicialmente, a família se estabeleceu em Buenos Aires, onde viveu por cerca de três anos. No final de 1915, os Rosenberg se mudaram para a cidade de São Paulo. Na capital paulista, José Rosenberg iniciou seus primeiros estudos, enquanto seu pai trabalhava como alfaiate. Algum tempo depois, fixaram residência em São José dos Campos, São Paulo, uma cidade conhecida como estância climática para o tratamento da tuberculose pulmonar. É importante destacar que a tuberculose de Emanuel Rosenberg se cronificou, e ele faleceu aos 86 anos.[5]
Em São José dos Campos, seus pais foram proprietários de uma pensão para doentes tuberculosos. A cidade, uma verdadeira "tisiopolis", possuía vários sanatórios e inúmeras pensões.[5]
O nome original de José Rosemberg era "Joe Aron Rosenberg", conforme consta em sua certidão de nascimento feita em Londres. No Brasil, seu pai mudou seu nome para José Rosemberg.[5]
Juventude e escolaridade
editarJosé Rosemberg passou parte de sua adolescência em São José dos Campos, onde viveu ao lado de seu amigo Affonso Berardinelli Tarantino, que morava na cidade com sua mãe. Tanto Tarantino quanto Rosemberg seguiram carreiras bem-sucedidas na medicina. Eles mantiveram uma amizade profunda ao longo de suas vidas, tratando-se carinhosamente por "fratello" (que significa "irmão" em português).[6]
Durante sua infância e adolescência, frequentou algumas das melhores instituições de ensino da época, onde recebeu uma educação rigorosa e abrangente. Foi um estudante exemplar, conhecido por sua intelectualidade e liderança, características que o acompanhariam ao longo de sua vida acadêmica e profissional.[5]
Herdou de seu pai um profundo gosto pela cultura francesa. Dedicou-se também ao conhecimento da cultura germânica e aprendeu a falar alemão com seu pai que era austríaco. Com sua mãe aprendeu a falar ídiche, uma língua da família indo-europeia adotada por judeus da Europa Central e Oriental.[5]
Em sua trajetória médica transitou com desenvoltura em múltiplas áreas. Exerceu a docência desde a adolescência. Foi professor de biologia, história, física e química em escolas municipais de São José dos Campos e do Rio de Janeiro, antes de concluir o curso médico.[5]
Formação acadêmica
editarEm 22 de dezembro de 1928, aos 17 anos, formou-se em farmácia e, em 29 de dezembro de 1934, concluiu sua graduação em medicina pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.[1] Na universidade, Rosemberg não apenas aprofundou seus conhecimentos em medicina, mas também desenvolveu um interesse particular por temas relacionados à saúde pública e doenças respiratórias, áreas em que posteriormente faria contribuições significativas.[4]
Em 1946, escreveu sua primeira tese, “CONTRIBUIÇÃO AO ESTUDO DA ALERGIA INFRATUBERCULÍNICA”, para o concurso de livre docência da Faculdade Fluminense de Medicina. Em 1948, concluiu sua segunda tese de livre docência, “SOBRE O CONTROLE E A DESCOBERTA DAS LESÕES MÍNIMAS DA TUBERCULOSE PULMONAR DO ADULTO”, que foi apresentada à Escola de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro.[5]
Para o estudo dessas lesões mínimas, Rosemberg ia de madrugada ao Cemitério de Campos do Jordão fazer autópsias clandestinas. À luz de lampião, retirava os pulmões dos indigentes que haviam morrido de tuberculose, os colocava em uma caixa com formol e escrevia material fotográfico. Ele fez ciência em condições precárias.[5]
Carreira Profissional
editarAtuação médica
editarDesde os tempos de faculdade, dedicou-se ao estudo da tuberculose. Após formado, Rosemberg trabalhou no Sanatório Vicentina Aranha como tisiólogo e foi diretor clínico dos Sanatórios Vila Samaritana e Ezra, em São José dos Campos. A partir de 1943, fixou-se, definitivamente, na capital de São Paulo, onde iniciou suas atividades médicas como clínico especialista em tuberculose e doenças pulmonares, mantenho por longos anos consultório particular.[5]
Em 1945, José Rosemberg vinculou-se à Divisão do Serviço de Tuberculose da Secretaria de Saúde Pública e Assistência Social do Estado de São Paulo. No ano seguinte, foi nomeado chefe do Dispensário Modelo do Instituto de Pesquisas Clemente Ferreira, cargo que ocupou até 1955. De 1955 a 1967, exerceu a função de diretor do Instituto de Pesquisas Clemente Ferreira, onde desenvolveu importantes pesquisas para o controle da tuberculose. Entre 1955 e 1963, esteve à frente da Divisão do Serviço de Tuberculose do Estado de São Paulo.[5]
Além disso, foi representante regional da Campanha Nacional Contra a Tuberculose em São Paulo de 1952 a 1963 e membro do Comitê Científico de Assessoramento em Tuberculose do Ministério da Saúde. Rosemberg também atuou como Governador do Capítulo de São Paulo do American College of Chest Physicians, Conselheiro da Union Internationale Contre La Tuberculose e Membro do Comitê de BCG do American College of Chest Physicians. De 1951 a 1976, ele exerceu a função de perito da Organização Mundial da Saúde (OMS).[5]
Ao longo dos últimos 30 anos, antes de seu falecimento, aprofundou seus conhecimentos sobre o tabagismo. Durante sua carreira, ocupou diversas funções em áreas científicas e administrativas voltadas ao combate à tuberculose e ao tabagismo. [7]
Carreira no magistério
editarAtuou como Professor Titular de Tuberculose e Doenças Pulmonares por mais de quatro décadas e também foi Diretor da Faculdade de Ciências Médicas da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).[1] Ele proferiu a primeira aula nessa instituição em 27 de março de 1955. Rosemberg foi Diretor da Faculdade por 13 anos e criou o Centro de Pesquisas Médicas e Biológicas.[7][4]
Foi um dos fundadores da Faculdade de Ciências Médicas de Sorocaba. Essa instituição foi agregada à PUC e, após uma longa luta pela sua integração definitiva, seus argumentos foram aceitos pelo Grão Chanceler Dom Paulo Evaristo Arns e pela Reitoria, apesar da posição contrária de setores que temiam os custos de uma Escola de Medicina. A Faculdade ganhou status ao pertencer a uma das mais consagradas Universidades, e a PUC se beneficiou ao contar com uma Instituição de Ciências da Saúde, atendendo a vasta população sofrida e cumprindo sua missão como Universidade Pontifícia Católica.[7]
Como professor de medicina, José Rosemberg lecionou em várias instituições. Foi Professor Titular de Pneumologia e Tisiologia da Faculdade de Ciências Médicas da PUC-SP, onde exerceu o magistério durante 50 anos, até seu falecimento em 2005. Participou, por muitos anos, do Centro de Referência Prof. Hélio Fraga, no Rio de Janeiro, onde ministrou aulas nos cursos de Pneumologia Sanitária. Além disso, foi professor convidado de Pneumologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará. Além disso, ao longo de sua carreira, proferiu centenas de aulas e palestras em 161 congressos, cursos e outros eventos pelo Brasil, América Latina e Europa, dedicando-se à luta contra a tuberculose e o tabagismo.[5]
Em 2002, estimou-se que 3.852 alunos haviam passado pela disciplina dirigida por José Rosemberg. Esses ex-alunos, agora médicos, estão espalhados pelo Brasil, ocupando importantes cargos universitários e posições de destaque na Saúde Pública.[7] Além disso, orientou 32 teses de doutoramento, sendo 22 de tuberculose e 10 de tabagismo.[5]
Produções literárias e científicas
editarJosé Rosemberg publicou mais de vinte livros sobre tabagismo e tuberculose, e mais de trezentos artigos científicos em revistas médicas nacionais e estrangeiras, algumas obras laureadas pela Academia Nacional de Medicina e Associação Paulista de Medicina.[7] Abraçou a luta para o controle do tabagismo no Brasil, em 1975, mas sua paixão e luta para o controle da tuberculose continuou até o final de sua vida.[5]
Tabagismo
editarDentre os livros relacionados ao tabagismo, destacam-se:[1][4][5]
- "Tabagismo: Fisiopatologia e Epidemiologia" - Publicado pela Pontifícia Universidade Católica do Estado de São Paulo, 1977.
- "Tabagismo: Sério Problema de Saúde Pública" - Publicado pela editora Almed-Edusp, São Paulo, 1981. Esta obra foi laureada pela Academia Nacional de Medicina.[8]
- "Métodos para Deixar de Fumar" - Com a colaboração de Vera Luíza da Costa e Silva, publicado pelo Instituto Nacional de Câncer, Rio de Janeiro, 1986.
- "Tabagismo e Câncer" - Publicado pelo CEBRAF, Senado Federal, Brasília, 1991.
- “Tabagismo e enfisema”- Publicado pelo CEBRAF, Senado Federal, Brasília, 1992;
- "Informações Básicas sobre o Tabagismo" - Publicado pela Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, 1996.
- “Alguns Aspectos Marcantes e Pitorescos da Fabulosa Trajetória do Tabagismo” - Publicado pela Secretaria de Saúde do Estado do Ceará, 1996.
- "Cartilha sobre Tabagismo" - Publicado pela Secretaria de Saúde do Estado do Ceará, 1997.
- "Temas sobre o Tabagismo" - Publicado pela Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, 1998.
- “Nicotina – Efeitos Maléficos e benéficos”, Publicado pela Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, 1998;
- "Nicotina" - Publicado pelo Colegio Medico del Peru, Colcit, Lima, 1999.
- "Pandemia do Tabagismo: Enfoques Históricos e Atuais" - Publicado pela Secretaria do Estado da Saúde de São Paulo, 2002.
- "Nicotina: Droga Universal" - Com a colaboração de Ana Margarida Furtado Arruda Rosemberg e Marco Antonio de Moraes, publicado pelo INCA-MS e pela SES/CVE, São Paulo, 2003.[9]
- “Tabagismo – ações de Controle do Tabagismo e outros fatores de risco de Câncer” - Publicado pela Secretaria de Estado da Saúde- SP, sem data;
Rosemberg foi um dos autores pioneiros da divulgação dos danos à saúde causados pelo fumo, sendo que sua produção científica sobre tabagismo abrangeu o total de 72 produções entre artigos e livros, representando 22% do total das publicações constantes do Índice Bibliográfico Brasileiro sobre Tabagismo.[10]
Tuberculose
editarDesde seus anos de faculdade, dedicou-se intensamente à pesquisa sobre a tuberculose, atuando em várias instituições de saúde e contribuindo para o desenvolvimento de importantes políticas e práticas de controle da doença. Ao longo de sua carreira, publicou uma série de livros e artigos em periódicos renomados, além de apresentar suas pesquisas em congressos internacionais.[5]
Seu trabalho, que incluía estudos sobre a vacinação BCG, teve repercussões significativas. Os estudos de Rosemberg, realizados no Instituto Clemente Ferreira, em São Paulo, evidenciaram que era possível administrar a vacina BCG sem a necessidade de realizar previamente o exame PPD. Devido a essa descoberta, em 11 de fevereiro de 1970, ele foi agraciado com a Comenda Palmes Académiques pelo governo francês.[5]
Destaca-se as seguintes produções científicas:[5]
Livros
editar- BCG VACCINATION BY THE ORAL ROUTE (1970, com Manoel Caetano da Rocha Passos Filho).
- O MODERNO DISPENSÁRIO ANTI TUBERCULOSO (1955, com Manoel Caetano da Rocha Passos Filho e Jamil N. Aun).
- Artigos em revistas alemãs sobre BCG.
- Publicou o capítulo sobre tuberculose do livro “Doenças Pulmonares” de Affonso Berardinelli Tarantino, em várias de suas edições, sendo a última em 2002.
- Publicou, ainda, Controle da Tuberculose: Uma proposta de integração Ensino /Serviço, em 2002, pelo Ministério da Saúde e Tuberculose: Guia de Vigilância Epidemiológica – 2002.
Agremiações
editarDesempenhou papéis de destaque na luta contra o tabagismo no Brasil:[4]
Presidência e membro de comissões
editar- Foi presidente da Comissão de Tabagismo da Associação Médica Brasileira.
- Atuou como membro da Comissão Antitabagismo criada pelo Conselho Federal de Medicina.
- Foi presidente honorário da Comissão Latino-Americana Antitabágica.
- Presidiu o Comitê Coordenador do Tabagismo no Brasil.
Contribuições em Congressos
editar- Presidiu o I Congresso Brasileiro sobre Tabagismo, realizado no Rio de Janeiro, em 1994.
- Foi Presidente de Honra dos quatro congressos seguintes, realizados em: Fortaleza (1996), Porto Alegre (2000), Brasília (2002) e Belo Horizonte (2004).
Atuação em grupos e comissões
editar- Membro do Grupo Assessor do Ministério da Saúde para o Controle do Tabagismo no Brasil (1985-1993).
- Presidente do Comitê Coordenador do Controle do Tabagismo no Brasil (1987-2005).
- Membro da Câmara Técnica de Tabagismo do Programa Nacional de Controle do Tabagismo do INCA-MS (1993-2005).
- Assessor Técnico em Tabagismo da Secretaria de Saúde do Estado do Ceará (1999-2001).
Interesses Culturais e Acadêmicos
editarCultura e Conhecimento
editarJosé Rosemberg amealhou uma cultura invejável, transitando por várias áreas do conhecimento humano: literatura, história, artes, filosofia, ciências e medicina. Apaixonado por artes plásticas, música clássica e astrofísica, conheceu inúmeros museus da Europa e descrevia com propriedade cada obra de arte que apreciava.[5]
Interesses e Paixões
editarEle foi um entusiasta da língua francesa, bem como da história e cultura da França. Também apreciava a Itália, seus museus e sua arte renascentista. Rosemberg tinha um gosto especial pelas obras de Beethoven e Johann Sebastian Bach, que conhecia em profundidade.[5]
Teatro e direção
editarDurante seus anos de faculdade, participou como figurante em muitas peças no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Frequentou o famoso “Café Nice”[11] e conviveu com boêmios notáveis como Noel Rosa, Almirante e Manuel Bandeira. Conheceu Chiquinha Gonzaga e recebeu de Noel Rosa uma partitura da música “Fita Amarela”[1], com dedicatória.[5]
Seu interesse pela linguagem teatral o levou a dirigir peças de teatro com pacientes tuberculosos em São José dos Campos, para onde retornou após se formar em medicina. Ele comentava que, ao dirigir a peça “A Dama das Camélias”, encontrava dificuldade em selecionar uma paciente para fazer o papel da célebre prostituta, pois todas recusavam o papel principal, talvez por causa do fim trágico de Marguerite Gautier.[5]
Literatura e biblioteca
editarSeu apurado gosto pela literatura universal o levou, segundo o Dr. Tarantino, a formar uma respeitável biblioteca ainda como estudante de medicina. No final de sua vida, era detentor de uma invejável e eclética biblioteca, que cultivou com esmero durante toda sua trajetória terrena.[5]
Luta contra o tabagismo no Brasil
editarDurante a década de 1950, alguns estudos começaram a revelar que o uso do cigarro poderia induzir câncer em animais. Essa descoberta, no entanto, foi contestada por empresas do setor tabagista, que investiram consideravelmente em campanhas para desacreditar tais evidências. Por muitos anos, essas estratégias se mostraram eficazes. Contudo, no início da década de 1970, surgiram vozes críticas que denunciaram essa situação e alertaram para os perigos associados ao consumo de cigarro. No Brasil, o professor José Rosemberg destacou-se como um dos primeiros a disseminar esse conhecimento, mobilizando os profissionais de saúde na luta contra o tabagismo. Sua contribuição foi essencial para aumentar a conscientização sobre os riscos do tabaco e fomentar mudanças importantes na saúde pública.[2][4]
"O impressionante é que 1/3 da mortalidade geral é provocada pelo tabaco e ocorre entre os 34 e os 69 anos, idade em que o homem é mais necessário e economicamente produtivo, e que nessa faixa de idade morre um a cada dois que começaram a fumar na adolescência" — José Rosemberg.
Foi uma das primeiras vozes a trazer à tona o tema do tabagismo no Brasil. Já reconhecido nacional e internacionalmente pelo seu trabalho no controle da tuberculose, ele abordou, na década de 1970, um novo desafio, entrando corajosamente em um campo ainda inexplorado no país, mesmo já tendo mais de 60 anos de idade. Rosemberg se apresentou publicamente, interagiu com a imprensa, compartilhou seu conhecimento com seus alunos e publicou livros sobre o assunto. Ele percorreu o Brasil promovendo a luta contra o tabaco, tornando-se, assim, um precursor de uma massa crítica brasileira no combate ao fumo.[1][3]
Cruzada antitabagista
editarAs atividades de José Rosemberg no combate ao tabagismo tiveram início em 1970, quando o presidente e diretor da Organização Mundial da Saúde solicitou sua ajuda para sensibilizar a classe médica sobre a importância do enfrentamento do tabagismo, em virtude do lançamento do primeiro Dia Mundial de Combate ao Tabagismo (31 de maio). Atendendo a esse pedido, Rosemberg conseguiu aprovar a primeira Semana Universitária Antitabágica na PUC/SP, que se tornou um importante fórum de discussão sobre o tema.[2][3]
Indústria do fumo
editarEm 1985, José Rosemberg e um grupo de oito a dez médicos formaram a primeira comissão junto ao Ministério da Saúde, entre os quais se destacaram os professores Mário Rigatto e Edmundo Blundi. A comissão trabalhou de maneira clandestina na elaboração de um programa antitabaco.[2]
O ministro da Saúde da época, Waldyr Arcoverde, disse:
“Quero que vocês apresentem um programa de combate ao fumo, mas, pelo amor de Deus, não digam nada a ninguém, porque a sabotagem contra ele vai ser grande e não tenho meios para combatê-la”.
Assim, durante um ano, a comissão se reuniu em sigilo uma vez por mês em Brasília, onde elaborou o primeiro Programa Nacional de Combate ao Tabagismo.[12] O projeto foi sancionado por José Sarney, presidente da República na época, que instituiu o dia 29 de agosto como o Dia Nacional de Combate ao Tabagismo.[2]
Rosemberg denunciava que a indústria tabaqueira internacional, composta predominantemente por multinacionais, exercia um controle significativo sobre os meios de comunicação em todo o mundo. Um exemplo disso é que o programa do congresso norte-americano contra as companhias tabaqueiras revelou mais de 40 milhões de páginas de atas secretas, nas quais estavam documentados, desde 1945, pronunciamentos de técnicos e biólogos sobre a dependência da nicotina, considerada mais forte do que a dependência de cocaína e heroína. Assim, muito antes da validação pela ciência oficial, a indústria do tabaco já possuía conhecimento sobre os riscos e os efeitos da nicotina.[2]
No entanto, essa indústria continuou seus esforços para desenvolver geneticamente plantas de tabaco que produzissem teores elevados de nicotina, resultando na criação da espécie Y1. As primeiras duzentas toneladas dessa planta foram cultivadas no Rio Grande do Sul, e o próprio plantador notou a potência da planta, conhecida como "tabaco louco" ou "fumo louco", devido às lesões que causava na pele. Felizmente, o governo brasileiro se recusou a conceder patente para esse produto, e o mesmo ocorreu com o governo norte-americano. Contudo, atualmente, 21 países estão envolvidos na fabricação de cigarros com "fumo louco", que contém um teor de nicotina três vezes maior do que o tabaco comum. O mais alarmante é que se trata de nicotina livre, que é absorvida diretamente pelo cérebro, em contraste com a nicotina que se liga a sais minerais. Dessa forma, o mundo está sendo invadido pelo fumo Y1, uma droga psicoativa que se torna cada vez mais prevalente e consumida em níveis superiores aos de cocaína, heroína e outras substâncias pesadas.[2]
Pandemia do tabaco
editarNo livro "Nicotina: Droga Universal", José Rosemberg argumenta que a epidemia do tabaco representa uma pandemia sem precedentes. Ele observa que a atual crise do tabagismo é mais grave do que qualquer outra. Para exemplificar, nos últimos 30 anos, o HIV causou a morte de, em média, 20 milhões de pessoas em todo o mundo, enquanto o bacilo da tuberculose foi responsável por 60 milhões de óbitos. Em contrapartida, o tabaco resultou em 150 milhões de mortes, o que significa que, anualmente, cerca de 5 milhões de pessoas perdem a vida em decorrência do consumo de tabaco. O aspecto mais alarmante é que 80% dessa mortalidade ocorre em países de baixa renda.[2][13]
Rosemberg destacava que, em números redondos, havia aproximadamente 1 bilhão e 300 milhões de fumantes em todo o mundo, com 80% desse total concentrado em regiões onde as doenças transmissíveis por bactérias e vírus, assim como as enfermidades relacionadas à desnutrição, ainda não haviam sido plenamente controladas. Ao considerar também os problemas de saúde pública e as mais de 50 doenças associadas ao tabaco, delineou um panorama trágico e alarmante da situação global relacionada ao consumo de tabaco.[2][13]
Futuro do Tabaco
editarJosé Rosemberg observou que, na época, havia entre 2,5 bilhões e 3 bilhões de pessoas com idades entre 0 e 30 anos. Em 2030, essas pessoas teriam entre 35 e 69 anos. Caso não fossem tomadas medidas para reduzir o consumo de tabaco, a expectativa era de que ele seria responsável pela morte de 500 milhões de indivíduos. Por essa razão, instituições médicas e de saúde pública em todo o mundo previam um futuro trágico em relação à epidemia do tabaco.[2]
A explicação para a dificuldade em conter o tabagismo, segundo José Rosemberg, foi apresentada da seguinte forma: durante 500 anos, o tabaco foi associado a um estilo de vida, e seu consumo era amplamente aceito, mas apenas nos últimos 50 anos se tomou conhecimento de seus efeitos mortais. Na verdade, o fumante era uma vítima da epidemia, e não se deveria estigmatizá-lo.[2]
Reversão do quadro
editarA saída proposta por José Rosemberg era a implementação de um programa educacional em âmbito nacional que difundisse uma mensagem de conscientização e integrasse uma campanha global contra o tabagismo. Na Organização Mundial de Saúde, 192 países e 200 ONGs, incluindo a organização que ele presidia, assinaram um convênio conhecido como Convenção-Quadro sobre o Controle do Tabaco, que resultou no primeiro tratado de saúde pública mundial voltado para a prevenção do tabagismo. No entanto, para que esse documento fosse transformado em uma lei internacional que protegesse a população mundial dos efeitos nocivos do tabaco, era necessário que pelo menos 40 países realizassem a ratificação. Entre as medidas defendidas por Rosemberg estavam a proibição da propaganda de cigarros, do patrocínio de eventos culturais e esportivos pela indústria do tabaco, a restrição de fumar em locais públicos e a exigência de divulgação de imagens e frases de advertência nos maços de cigarro.[2]
Também, argumentava que, embora se pudesse proibir o consumo de tabaco em locais de trabalho e entretenimento, não era possível impedir que uma pessoa fumasse em sua própria casa. Diante disso, ele enfatizava a importância de desenvolver um programa nacional de educação sobre os riscos do tabagismo. Segundo Rosemberg, nenhuma lei era eficaz sem uma base educacional sólida, assim como nenhum programa educacional era bem-sucedido se não contasse com o respaldo da legislação. Ele destacava que legislação e educação formavam um binômio interdependente, essencial para a luta contra o tabagismo.[2][3]
Honrarias
editarRecebeu diversas condecorações e títulos honoríficos de instituições governamentais e ONGs ao longo de sua trajetória. Entre as mais significativas, destacam-se:[1][14][15][16]
- Em 11 de fevereiro de 1970, foi agraciado com a Comenda Palmes Académiques pelo governo francês, devido aos seus estudos sobre a vacina BCG na tuberculose e hanseníase.
- Em 10 de novembro de 1991, a Organização Mundial da Saúde (OMS) conferiu-lhe a Medalha “Tabaco ou Saúde” em reconhecimento às suas pesquisas e à luta contra o tabagismo no Brasil.
- Em 25 de janeiro de 1995, na Cidade do México, foi proclamado Presidente Honorário pelo Comitê Latino-Americano Coordenador do Controle de Tabagismo.
- Em 19 de junho de 2002, a Secretaria Nacional Antidrogas da Presidência da República concedeu-lhe o Diploma “Mérito pela Valorização da Vida”.
- Em 26 de junho de 2002, a Secretaria de Justiça e Defesa do Cidadão do Estado de São Paulo outorgou-lhe um Diploma em reconhecimento à sua luta antidrogas.
- A Câmara Municipal de São Paulo lhe outorgou o título de Cidadão Paulistano.
- Recebeu o título de Cidadão Sorocabano.
- Seu nome está citado na Grande Enciclopédia Larousse Cultural e na Enciclopédia Delta Larousse.[7]
- Recebeu o Prêmio Excelência em Pneumologia, conferido pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.[17][6]
- Homenagem da Liga de Pneumologia de Sorocaba, realizada em 15 de agosto de 2005, marcando a última homenagem recebida em vida.[18]
Em 1995, foi citado na Grande Enciclopédia Larousse Cultural Francesa, com o seguinte verbete:
ROSEMBERG (José), médico brasileiro de origem inglesa (Londres 1910). Formado em Farmácia e Medicina pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, especializou-se em tuberculose e doenças Pulmonares. Foi diretor da Divisão de Tuberculose do Estado de São Paulo (1956-1962). Participou ativamente da introdução da vacina BCG no Brasil, sobretudo no combate à hanseníase, tendo sido laureado pelo governo francês, com a Palma Acadêmica no grau de Comendador. Publicou 168 trabalhos, dentre os quais: Lesões mínimas da tuberculose pulmonar; descoberta e tratamento (1948); O dispensário antituberculoso (1950) e Tabagismo, Sério Problema de Saúde Pública (prêmio da Academia Nacional de Medicina, 1980).
Vida pessoal
editarJosé Rosemberg casou-se jovem, logo após se formar em medicina, com Benedita Lebrão. Em 1939, nasceu seu primogênito, Ivan, em homenagem ao seu grande amigo, Dr. Ivan de Souza Lopes, médico de São José dos Campos, que teve um papel fundamental em sua vida intelectual e profissional. Em 1940, casou-se com Iracema Azevêdo, viúva e mãe de duas crianças, Júlio César e Sônia, que ele criou como filhos. Em 1941, Iracema deu-lhe mais um filho, Sergio Rosemberg, que seguiu a carreira do pai e se tornou um renomado neuropatologista e professor na USP-SP. Em 1994, casou-se com Ana Margarida, também médica pneumologista e ativista na luta contra o tabagismo no Brasil. Durante 12 anos, até o final de sua vida, eles viveram em perfeita união.[5]
José Rosemberg era detentor de uma capacidade de trabalho extraordinária e costumava dizer que iria "morrer em pé". Ele afirmava: [5]
Os imperadores romanos, quando iam morrer, pediam para ficar em pé. Como não sou imperador romano, e sim o que dizem em minha terra: ‘burro bom, morre arreado’. Vou morrer assim. — José Rosemberg.
E assim ocorreu. Ministrou sua última aula na Faculdade de Medicina da PUC-SP no final de junho de 2005. Acamou-se em julho e faleceu em 24 de novembro, em sua residência, como costumam partir os grandes homens.[5]
As repercussões científicas de suas pesquisas sobre a vacinação BCG indiscriminada (direct vaccination), a proteção anti-leprótica proporcionada pelo BCG e os malefícios do tabagismo à saúde o elevaram ao panteão das grandes personalidades médicas do século XX. Dedicou sua vida às lutas por melhorias na saúde pública, comprometendo-se intensamente com causas que visavam o bem-estar da população e promovendo mudanças significativas no sistema de saúde.[5]
Referências
- ↑ a b c d e f g h JMédico, Redação (5 de setembro de 2021). «A Propósito do Dia Nacional de Combate ao Fumo». Jornal do Médico®. Consultado em 7 de outubro de 2024
- ↑ a b c d e f g h i j k l m «Pandemia do tabaco | Entrevista - Portal Drauzio Varella». 2 de agosto de 2011. Consultado em 9 de outubro de 2024
- ↑ a b c d «Folha de S.Paulo - José Rosemberg: A luta contra o tabagismo - 01/09/2000». www1.folha.uol.com.br. Consultado em 16 de outubro de 2024
- ↑ a b c d e f g «José Rosemberg». AMSP. Consultado em 16 de outubro de 2024
- ↑ a b c d e f g h i j k l m n o p q r s t u v w x y z aa ab ac ad ROSEMBERG, Ana Margarida (2015). Confissões de Amor: Margô e Rose. Fortaleza, Ceará: Expressão Gráfica e Editora. ISBN 978-85-420-0564-6
- ↑ a b Tarantino, Affonso Berardinelli (9 de maio de 2006). «Mestre Rosemberg». Jornal Brasileiro de Pneumologia. ISSN 1806-3756. doi:10.1590/S1806-37132006000100001. Consultado em 16 de outubro de 2024
- ↑ a b c d e f Rosemberg, Ana Margarida Arruda (18 de setembro de 2012). «MEMÓRIAS: HOMENAGEM AO ROSEMBERG NA DATA DE SEU ANIVERSÁRIO». MEMÓRIAS. Consultado em 7 de outubro de 2024
- ↑ ROSEMBERG, José (1987). Tabagismo, sério problema de Saúde Pública. São Paulo: Editora Ave Maria Ltda.
- ↑ Rosemberg, José (2004). «Nicotina: Droga universal» (em other). Consultado em 16 de outubro de 2024
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