Miróbriga

cidade romana em Santiago do Cacém, Portugal
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Miróbriga ou Miróbriga dos Célticos (Mirobrigensis qui celtici cognominantur - Plin. Nat IV 118) foi uma localidade, provavelmente uma cidade, da Antiguidade localizada no extremo ocidental da província da Lusitânia, no território dos povos célticos e foi mencionada por Plínio, o Velho, e por Ptolomeu[1].

Miróbriga
Castelo Velho de Santiago do Cacém
Mirobriga Celticorum
Miróbriga
Fotografia aérea da colina do Castelo Velho e das ruínas do forum (cortesia Filomena Barata)
Localização atual
Miróbriga está localizado em: Portugal Continental
Miróbriga
Localização de Miróbriga em Portugal Continental
Coordenadas 38° 00′ 36″ N, 8° 41′ 01″ O
País Portugal Portugal
Região Distrito de Setúbal
município de Santiago do Cacém
Dados históricos
Região histórica Convento Pacense, Lusitânia
Fundação século V-IV a.C.
Abandono século VI/VII d.C.?
Período/era
Império Império Romano
Notas
Estado de conservação Imóvel de Interesse Público
Administração Direcção Regional de Cultura do Alentejo Estado Português
Acesso público Visitável mediante pagamento de bilhete
Site [1]

Apesar de algumas incertezas[2], tem sido associada, desde o século XVI ao sítio arqueológico do Castelo Velho de Santiago do Cacém[3], situado perto da vila de Santiago do Cacém, no município homónimo, no sudoeste de Portugal. O sítio é também conhecido como Cidade romana de Miróbriga ou Ruínas de Miróbriga[4]

Apesar de ser mais conhecido por ter sido uma cidade no Período Romano, teve a sua origem ainda na Idade do Ferro e a sua ocupação prolongou-se até à Antiguidade Tardia. Representa um dos mais bem preservados e conhecidos sítios do Período Romano no Sudoeste de Portugal, com vestígios de diversos edifícios e arruamentos, na sua maioria em bom estado de conservação, sendo especialmente conhecida pelos seus dois edifícios termais.

O sitio arqueológico foi classificado como Imóvel de Interesse Público em 1940, sendo a protecção confirmada em 1943.[4] O sítio está aberto ao público e forma parte dos Itinerários Arqueológicos do Alentejo e Algarve[5], tendo, em 2017, recebido uma distinção na XVI Gala «Óscares do Alentejo», promovida pela Revista Mais Alentejo, na categoria «Mais Património»[6]

História

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Idade do Ferro

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A colina central do sítio é conhecida como "Castelo Velho", o topónimo de castelo, no sul de Portugal, indica frequentemente a existência de uma ocupação pré-romana. Dada a relevância dos vestígios de época Romana, a maior parte da investigação do sítio debruçou-se sobre esse período da sua história, resultando num, ainda, grande desconhecimento dos seus momentos mais recuados. Por outro lado, a cidade de época Romana sobrepôs-se à zona central daquele que seria o povoado original, tendo destruído a maioria dos vestígios, o que dificulta o seu estudo.[7]

Sabe-se contudo, que existem vestígios de ocupação desde, pelo menos, o século V-IV a.C. Apesar de de alguns elementos indicarem trocas comerciais com áreas púnicas, a cultura material do sítio parece sugerir uma forte componente continental, vulgo «céltica»[8], não sendo incompatível com o topónimo associado. Plínio refere-se aos Mirobrigensis qui celtici cognominantur (Mirobriguenses que são chamados de celtas) (Nat. IV. 35. 118), sendo que também o próprio sufixo "-briga" sugere uma componente céltica na zona.

O povoado em si ocuparia o topo da colina do Castelo Velho, na área hoje correspondente ao fórum de época Romana, e terá consistido num aglomerado fortificado[9].

Época Romana

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Na sequência da II Guerra Púnica, o exército romano entra na Península Ibérica em 218 a.C., dando origem a um processo de expansão territorial que culminaria na definitiva inclusão deste território na esfera política romana, como província da Hispânia.

É provável que a partir de 139 a.C., uma vez que as campanhas de Quinto Servílio Cipião se basearam no chamado eixo do Tejo, a zona de Miróbriga já estivesse sob controlo de Roma [10]. Concluída a conquista da Hispânia, nos finais do século I a.C., seguiu-se a organização administrativa do novo território, promovida por Augusto, sendo criadas as províncias da Tarraconense, Bética e Lusitânia. Esta seria acompanhada de um longo processo de transformação cultural, designado de romanização.

 
Vista do templo principal do fórum

A criação da nova província pressupôs o estabelecimento de cividades (cidades), de forma a organizar o território e permitir, entre outas coisas, a colheita de impostos por Roma. A criação de ums cidade poderia ser feita de raiz ou, como terá sido o caso de Miróbriga, seleccionando um povoado já existente, transformando-o. Consoante a sua relação negociada com Roma, as novas cidades receberam estatutos distintos[11]. A verificar-se como correcta a associação deste sítio à Miróbriga mencionada por Plínio, a cidade terá recebido o estatuto de estipendiária (ius stipendiarium). Embora não se conheçam os limites do seu território, é provável que controlasse uma área relativamente ampla em torno de si, que incluiria Sines. As cidades romanas estavam organizadas em conventos jurídicos, facilitando o seu diálogo e organização a nível provincial. Miróbriga foi integrada no convento de Pax Júlia, actual Beja.

 
Vista das Termas Este de Miróbriga

A cidade romana apresenta uma dimensão bastante reduzida. Contudo, uma vez que, ao contrário de muitas cidades antigas, como Roma ou mesmo Lisboa ou Braga, a cidade actual (Santiago do Cacém) não se situa directamente sobre a antiga, vários edifícios conservam-se em bom estado, sendo também possível observar, em alguns pontos, a malha urbana (edifícios, ruas e uma ponte).

A maioria dos edifícios conhecidos data da época Flávia (ou flaviana), altura em que o desenvolvimento urbano da cidade foi intenso. Este dado, junto com algumas evidências epigráficas, sugere que Miróbriga possa ter chegado a obter o estatuto de município nesta altura[12].

 
Vista da ponte romana de Miróbriga

É este o período mais bem conhecido do sítio, e aquele que melhor visualizamos numa visita ao local. De entre os principais edifícios conhecidos constam edifícios públicos como o fórum, localizado na colina principal; dois edifícios termais, localizados num vale; e um circo, localizado um pouco a sul do perímetro urbano. São também conhecidos diversos espaços comerciais, em particular as chamadas tabernas, lojas ou oficinas de pequena/média dimensão. Actualmente são também já conhecidas diversas habitações, na sua maioria, casas de peristilo.

Antiguidade Tardia

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Neste período de difícil caracterização, dá-se um recuo do mundo urbano, que embora seja herdeiro da época anterior, Romana, se encontra cada vez mais fragmentado. É neste período, marcado pelas chamada invasões dos povos germânicos (ou bárbaros), que se dá a transformação do mundo baseado no imperium de Roma, para os reinos medievais que marcariam a Idade Média.

O território de Miróbriga terá sido administrativamente romano até 409, tendo, entre essa data e 711, integrado o designado Reino Visigótico. As evidências acerca deste período são, ainda, escassas, e algo difíceis de rastrear, com algumas investigações mais recentes a dar o seu contributo. Sabe-se que o espaço da antiga cidade romana terá continuado habitado pelo menos até ao século VI/VII, embora não se conheçam, ainda, os contornos exactos dessa ocupação nem se o aglomerado terá continuado a ser, de facto e administrativamente, uma cidade[13].

Em 711, com a incursão militar de Tárique, o reino visigótico é desmantelado, sendo integrado no Alandalus, um novo território do Califado Omíada. Não é conhecida, com exactidão, a cronologia inicial de ocupação da colina da actual Santiado do Cacém. Nem se o antigo aglomerado estaria ainda ocupado. Todavia, tem sido avançada a hipótese de a nova cidade islâmica poder ser herdeira da antiga Miróbriga, que teria sido transposta para uma colina que oferecia um melhor controlo territorial do litoral, abandonando a localização anterior.

Descoberta

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O sítio está localizado nos terrenos da Herdade dos Chãos Salgados. Uma vez que se trata de uma área agricultada, é possível que o sítio sempre tenha sido conhecido. A referência mais antiga que se conhece é, contudo, data já do século XVI, quando André de Resende o menciona na sua obra De Antiquitatibus Lusitaniae[3], de 1593.

A ele se deve a associação deste sítio ao nome Miróbriga (dos Célticos) (em latim: Mirobriga/Mirobriga Celticorum), uma das localidades mencionadas por Plínio, o Velho, na sua descrição do litoral da Lusitânia (Nat. IV. 35. 118), em História Natural. Existe, ainda, algum debate relativamente a esta associação, pois não se conhecem provas absolutas[2], mas esta é, de forma de genérica, aceite pela comunidade científica e é este o nome normalmente utilizado pelo público geral para designar o sítio.

 
Retrato de Dom Manuel do Cenáculo

A actividade agrícola no sítio levou à descoberta ocasional de alguns vestígios, nomeadamente epígrafes. Em 1720, o 1º Marquês de Abrantes, um dos fundadores da Academia Real da História Portuguesa, visitou Santiago do Cacém para fazer um levantamento das inscrições conhecidas[1].

As primeiras escavações que se conhece remontam ao início do século XIX e foram feitas por iniciativa do pároco de Santiago do Cacém, Bonifácio Gomes de Carvalho, patrocinado por Dom Manuel de Cenáculo Villas-Boas, à data Bispo de Beja[14]. Destas primeiras escavações, anteriores ao desenvolvimento da Arqueologia, não restam mais do que pequenas notícias e cartas escritas pelo padre a dar conta de alguns achados, que enviava para Dom Manuel do Cenáculo. O Bispo, conhecido entusiasta da Antiguidade, recolheu e recebeu espólio arqueológico de diversos pontos do Alentejo, acabando por fundar um museu na Biblioteca Pública de Évora em 1805. Infelizmente, a origem de muitos dos objectos perdeu-se, não sendo possível determinar quais os provenientes de Miróbriga. Actualmente, o único objecto do museu que foi possível atríbuir a este sítio consiste numa pequena estatueta de bronze de um Hércules juvenil, que foi possível rastrear devido a um esboço, datado de 1798, da autoria de José Cornide Saavedra, que identifica a sua origem[15].

Como homenagem a Dom Manuel do Cenáculo, o mais antigo promotor de escavações no sítio, a estrada que dá acesso ao Centro Interpretativo de Miróbriga recebeu o seu nome.

Protecção e classificação patrimonial

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O sítio foi classificado como Imóvel de Interesse Público, em 1940.

  • Decreto n.º 30762, de 26 de setembro de 1940, que classifica como imóvel de interesse público a «área do Castelo Velho, com as ruínas da cidade romana adjacente descobertas na herdade dos Chão Salgados, subúrbios de Santiago do Cacém.»
  • Decreto n.º 32973, de 18 de agosto de 1943, que classifica como imóvel de interesse público a «área do Castelo Velho, com as ruínas da cidade romana adjacente», no concelho de Santiago do Cacém, distrito de Setúbal.
  • Portaria n.º 1135/91, de 5 de novembro, que fixa o perímetro da zona especial de protecção das Ruínas Romanas de Miróbriga.

Bibliografia

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Ver também

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Referências

  1. a b Barata, Maria Filomena; do Vale, Fernanda (2010). Miróbriga - O Tempo ao longo do Tempo. [S.l.]: Câmara Municipal da Santiago do Cacém. ISBN 978-972-99051-7-9 
  2. a b d'Encarnação, José (1996). «Problemas em aberto na epigrafia mirobriguense» (PDF). Universidade de Coimbra. Conimbriga (35): 129-146. ISSN 0084-9189 
  3. a b de Resende, André (1593). Libri quatuor De antiquitatibus Lusitaniae (PDF). Évora: [s.n.] 
  4. a b Ficha na base de dados SIPA
  5. «DGPC | Itinerários Arqueológicos do Alentejo e Algarve». www.patrimoniocultural.gov.pt. Consultado em 15 de junho de 2022 
  6. «Prémios "Mais Alentejo" 2017: Miróbriga vence na categoria "Mais Património" – Câmara Municipal de Santiago do Cacém». www.cm-santiagocacem.pt. Consultado em 15 de junho de 2022 
  7. Fabião, Carlos (1998). O Mundo Indígena e sua Romanização na área céltica do território hoje português-vol. 1. Dissertação de Doutoramento. [S.l.]: Fac. Letras da Universidade de Lisboa. Policopiado. pp. 232–233 
  8. Fabião, Carlos (1998). O Mundo Indígena e sua Romanização na área céltica do território hoje português-vol. 1. Dissertação de Doutoramento. [S.l.]: Fac. Letras da Universidade de Lisboa. Policopiado. pp. 245–247 
  9. Barata, Maria Filomena (2010). Caracterização geral de Miróbriga. Ciudad y Foro en Lusitania Romana/Cidade e Foro na Lusitania Romana. Col: Studia Lusitana. 4. Mérida: Museo Nacional de Arte Romano. pp. 201–230. ISBN 978-84-613-4193-1 
  10. Fabião, Carlos; Pimenta, João, eds. (2014). «Actas do Congresso Conquista e Romanização do Vale do Tejo» (PDF). Câmara Municipal de Vila Franca de Xira. Cira Arqueologia (3). ISSN 2183-0584 
  11. Bernardes, João Pedro (2017). «Augusto e a (re)organização administrativa do Sul da Lusitânia». Universidade Complutense de Madrid. Gerión - Revista de Historia Antigua. 35 (Especial - La Hispania de Augusto): 399-415. ISSN 0213-0181 
  12. Barata, Maria Filomena (2010). Caracterização geral de Miróbriga. Ciudad y foro en Lusitania romana - Cidade e foro na Lusitania romana. Col: Studia Lusitana. 4. Mérida: Museo Nacional de Arte Romano. pp. 201–230. ISBN 978-84-613-4193-1 
  13. Quaresma, José Carlos; Banha da Silva, Rodrigo (2021). A região de Alvalade do Sado no Período Visigótico. Memórias da terra, das águas e dos povos. [S.l.]: Câmara Municipal de Santiago do Cacém. ISBN 484478/21 Verifique |isbn= (ajuda) 
  14. de Almeida, Fernando (1964). Ruínas de Miróbriga dos Célticos (Santiago do Cacém). [S.l.]: Junta Distrital de Setúbal. p. 6 
  15. de Deus, Manuela (2016). «Quando o objecto desafia a curiosidade»: A actividade arqueológica de cenáculo e seus colaboradores em Santiago do Cacém. Dom Frei Manuel do Cenáculo. Itinerários por Santiago do Cacém. Catálogo da exposição no Museu Municipal de Santigo do Cacém. [S.l.]: Junta de Freguesia da União de Freguesias de Santiago do Cacém, Santa Cruz e São Bartolomeu da Serra. ISBN 978-989-99049-1-0 

Ligações externas

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