Miguel de Castela e Leão
A primeira referência que se conhece a este hipotético Infante Dom Miguel de Castela e Leão,[1] como filho do segundo casamento do rei João I de Castela com a Infanta Beatriz de Portugal, herdeira do trono de Portugal nos termos do Tratado de Salvaterra, é feita por Pedro Salazar de Mendoza em 1618,[2] que nos diz: «e nasceu deste matrimónio o Infante dom Miguel, que morreu menino». Rodrigo Mendez Silva, em 1656,[3] já refere mais qualquer coisa, isto é, o ano da sua pretensa morte: «morreu de pouca idade no ano de 1385». Mais tarde, em 1735,[4] António Caetano de Sousa escreveu que à data da sua hipotética morte contaria poucos anos de vida. Por fim, em 1963, atento às datas e vendo que o casamento de Juan I e Beatriz se dera em Maio de 1383, Salvador Dias Arnaut[5] suprimiu o contributo dos «poucos de vida», proposto por António Caetano, e retrocedeu ao que Mendez Silva afirmara: este Infante teria morrido em 1385.
Nunca foi apresentada por estes autores que afirmaram a existência de tal infante uma qualquer fonte primária que a comprovasse: documento de arquivos, livro de Igreja ou até Crónicas. Desde Pedro López de Ayala e Fernão Lopes até Duarte Nunes de Leão, e mesmo aos primeiros compêndios históricos como os de Esteban Garibay y Zamalloa e Juan de Mariana, não há o mínimo rasto desta personagem. Aliás, a única fonte primária que podemos utilizar em tal questão, a Crónica de Henrique III,[6] de López de Ayala, diz-nos que ele jamais existiu.
Nos nossos dias, Olivera Serrano, na sua monografia «Beatriz de Portugal, a pugna dinástica Avis-Trastâmara»,[7] afirma igualmente que o Infante Miguel nunca teria existido, e que seria o produto de uma confusão de genealogistas dos séculos XVII e XVIII com Miguel da Paz.
Também nas mais recentes Histórias Gerais de Portugal, seja a de Saraiva, a de Mattoso ou a de Borges Coelho (editados dois volumes), tal Infante não existe. Ele apenas teve e tem existência nas páginas já quase esquecidas daqueles passados autores e em actuais publicações ou sites gerais de Genealogia[8] na Internet.
No entanto, constata-se uma assinalável diferença entre as lacónicas afirmações dos autores de antanho e as que actualmente são produzidas. Aqueles autores meramente se limitaram a afirmar que Miguel nasceu, sem indicação do respectivo ano, e que faleceu com pouca idade em 1385. Mas já, por exemplo, uma publicação alemã nossa contemporânea,[9] considerando indubitável a sua existência, além de lhe atribuir um ano de nascimento, dá-lhe ademais os qualificativos de Infante Herdeiro de Portugal e Infante de Castela,[10] e, na Internet, de novo a mero título de exemplo, a referida página «Euweb/Ivrea/Castile Kings Genealogy» faz praticamente as mesmas afirmações.[11]
É claro que se ele tivesse nascido no ano de 1384, e fosse reconhecido por João I de Castela como o herdeiro da Coroa Portuguesa, mesmo seguindo a corrente historiográfica que defende ter sido a sua mãe, D. Beatriz, rainha titular de Portugal de 22 de Outubro a meados de Dezembro de 1383, data em que haveria sido deposta,[12] facilmente se podia especular que, pelos termos do Tratado de Salvaterra, ele seria príncipe herdeiro da Coroa Portuguesa e, passada a idade dos 14 anos, Rei de Portugal.[13] O seu nascimento teria provocado, à época, um verdadeiro terramoto político na luta que então se travava entre Castela e Portugal. Todavia, a primeira adversidade que encontram estas teorias, que virariam de pernas para o ar a História de Portugal e a História de Castela dos finais do século XIV, é que nunca foi provada a existência de tal Infante Miguel.
Referências
- ↑ «CASTILE & LEON, COUNTS & KINGS» (em inglês). fmg.ac. Consultado em 3 de dezembro de 2011
- ↑ Pedro Salazar de Mendoza, Origem das dignidades seculares de Castela e Leão, edição de Toledo de 1618, p. 124
- ↑ Rodrigo Mendez Silva, Catálogo real e genealógico de Espanha, edição de Madrid de 1656, folha 119, 2
- ↑ António Caetano de Sousa, História Genealógica da Casa Real Portuguesa, Lisboa, 1735, tomo I, p. 440
- ↑ Salvador Dias Arnaut, artigo no Dicionário de História de Portugal, Iniciativas Editoriais, Lisboa, 1963, Volume I, p. 319
- ↑ Crónicas de Ayala, edição de Madrid de 1780, Tomo II, Cap. XXV, p. 500
- ↑ Olivera Serrano, Beatriz de Portugal, a pugna dinástica Avis-Trastâmara, ps. 42, 354 e 397
- ↑ como, a mero título de exemplo: Euweb/House of Ivrea/Castile; Euweb/House of Capet/Portugal Arquivado em 22 de novembro de 2010, no Wayback Machine.
- ↑ Die Könige von Kastilien und León IV, 1369–1504 a.d.H. Trastamara des Stammes Burgund-Ivrea, In: Detlev Schwennicke (Hrsg.): Europäische Stammtafeln: Stammtafeln zur Geschichte der Europäischen Staaten, Neue Folge, Band II, Die außerdeutschen Staaten, Die regierenden Häuser der übrigen Staaten Europas, Tafel 65, Verlag von J. A. Stargardt, Marburg/Berlin, 1984
- ↑ «Miguel Erb-Infant von Portugal Infant von Kastilien *1384 †1385.»
- ↑ «D4. Inft Miguel, Crown Pr of Portugal, *1384, +1385.»
- ↑ García de Cortázar, Fernando (1999), Breve historia de España, Alianza Editorial, page 712; Armindo de Sousa, História de Portugal dirigida por José Mattoso, Editorial Estampa, vol. II, ISBN 972-33-0919-X, pages 494/95
- ↑ Fernão Lopes, Crónica de D. Fernando, Edição de 1895-96, vol. 3, cap. CLVIII, p. 139
Árvore genealógica. Linhas pontilhadas indicam o personagem pseudo-histórico:
Henrique II de Castela | Dona Joana Manuel | Fernando I de Portugal | Leonor Teles de Meneses | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Leonor | João I de Castela | Beatriz de Portugal | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Henrique III de Castela | Fernando I de Aragão | Leonor | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||