Plano Piloto da Barra da Tijuca

A evolução urbana da Barra da Tijuca-RJ caracterizou-se por um crescimento tardio, devido à sua localização, por ser um imenso areal e pela concentração de grandes extensões de terras nas mãos de poucos. Esta constatação reflete as ações posteriores da região, onde o processo de crescimento imobiliário e as conexões viárias foram o foco das ações urbanas. O plano piloto de Lúcio Costa, de características modernistas, surge a partir da necessidade de adiantar-se ao processo de ocupação descontrolada e inevitável da área.[1] O plano objetivava impedir a reprodução do que havia ocorrido com outros bairros da orla marítima carioca que sofriam um intenso adensamento. Após 50 anos diversas mudanças foram realizadas, para atualizar o plano à atualidade, para sanar alguns pontos em que o plano não tinha detalhamento suficiente e muitas que sucumbiram às pressões imobiliárias.[1]

Caracterização do Plano Piloto

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O Plano Piloto foi concebido em resposta à necessidade de antecipar e mitigar o processo inevitável de ocupação desordenada da área, intensificado pela acessibilidade proporcionada por um sistema integrado de túneis e viadutos desenvolvido pelo Departamento de Estradas de Rodagem (DER). A iniciativa buscava evitar a repetição do intenso adensamento observado em bairros da orla marítima, como Copacabana, Ipanema e Leblon, marcados por um crescimento urbano acelerado e descontrolado.[2]

O plano possuía dois pontos estruturais: i) uma implantação viária em formato de cruz compreendida pela Rodovia BR 101 (atualmente Avenida das Américas) e pela Via 11 (Ayrton Senna) e ii) Um Central Business District (CBD) com 5 quilômetros quadrados intitulado Centro Metropolitano da Barra.[3]

O plano foi oficialmente apresentado em 1969. Esse projeto surgiu nove anos após a conclusão de outro trabalho emblemático conduzido pelo mesmo arquiteto e urbanista para a concepção de Brasília, a nova capital do Brasil. Assim como na capital federal, o plano de 1969 refletia uma visão modernista para o planejamento urbano, evidenciando a busca por soluções arquitetônicas e funcionais capazes de responder aos desafios e às necessidades de ocupação e desenvolvimento de espaços urbanos à época.

Antes de Lucio Costa houve um "Plano de Diretrizes de Vias Arteriais" que previam arruamentos paralelos em toda extensão da baixada, excetuando-se às áreas que localizavam-se as lagoas de Jacarepaguá e Tijuca. No Plano Piloto de Lucio Costa, ele revoga diversas partes para implantar o que considera “providências cabíveis no sentido da implantação da infraestrutura indispensável ao desenvolvimento ordenado da região”.[4]

O plano possuía 120 quilômetros e previa lotes de tamanhos variados, com taxas de ocupação reduzidas equilibrando com taxas mais altas em locais estratégicos. A alternância de tipologias na edificação era muito presente no plano. Esta diversidade de verticalização e também de espaçamento entre os edifícios, pode ser dividida em três “perfis” principais: os edifícios ao longo da BR 101, na área de dunas e no centro metropolitano. O gabarito mais verticalizado no CBD e mais horizontal na periferia reflete os pensamentos modernistas de Le Corbusier, que pensou nesta volumetria para a cidade contemporânea e radiosa nas décadas de 1920 e 1930.[3]

Ao longo da BR-101 Lucio Costa pensou em uma verticalização habitacional pouco elevada, para não atrair os especuladores imobiliários, e sim, arquitetos autônomos. Desta forma, ele define as profundidades, quantidades de apartamento por andares e número de pavimentos. Do lado da terra, esses núcleos de urbanização diversa e autônoma, projetados e pormenorizados sob a responsabilidade pessoal de arquitetos independentes de firma construtora ou imobiliária, seriam constituídos por um conjunto de edifícios de oito a dez pavimentos, de profundidade limitada a dois apartamentos apenas, a fim de se evitarem massas edificadas desmedidas, dispondo igualmente cada conjunto de certo número de blocos econômicos de quatro apartamentos por piso, com duplo acesso, três pavimentos e pilotis.[4] Ele prevê também os comércios articulados nos edifícios residenciais, que intitula de “sistema térreo autônomo”.[4] Neste projeto, as lojas ficariam dispostas horizontalmente, com passeio coberto, onde em certos momentos haveriam mudanças de direção, criando-se praças, áreas de recreação para crianças e pátios de convivência. Segundo Costa, “tudo com o objetivo de propiciar a convergência em vez da dispersão”.[5] Esse pensamento de integração ao espaço livre é observado também ao analisar a inserção dos fluxos viários. Nos pontos de articulação das vias, Costa pensava na inserção de conjuntos baixos de edificação, para fins específicos de utilidade pública ou privada, para não agredir a paisagem urbana. Os edifícios residenciais seriam ligados diagonalmente por uma via paralela à BR, devidamente alargada e com as margens arborizadas. Contida entre essas vias paralelas, haveria uma trama sinuosa de alamedas para acesso aos lotes residenciais. Os lotes residenciais possuiriam uma taxa reduzida de ocupação (10% para dois pavimentos ou 20% para térreo).

Para obter a integração, Costa limita o uso de muros, que não poderiam ser utilizados nas divisas e nos alinhamentos, apenas cercas vivas e portões, “pois assim, apesar da ocupação, o verde prevalecerá”.[4] Ele também definiu que nestas áreas horizontalizadas, haveria núcleos de comércios e serviços para suprir às necessidades diárias dos usuários. Neste sentido, Lúcio Costa propôs uma setorização menos radical de usos, adequando os pensamentos modernistas às necessidades da população carioca.[3]

Na faixa de dunas situada entre a via principal e a Lagoa de Marapendi, os núcleos urbanos seriam implantados com um distanciamento irregular em relação à via, mantendo um recuo lateral aproximado de 1 km. Esse isolamento estratégico favoreceria uma adequada circulação de ar, permitindo que a brisa marítima alcançasse a costa sem obstruções. As torres, projetadas em número limitado, teriam alturas equivalentes a quatro vezes a dimensão de suas plantas baixas, variando entre 25 e 30 pavimentos, e seriam planejadas para incluir comércio no térreo ou em níveis inferiores.

Segundo Costa,[4] esses edifícios seriam concebidos por arquitetos independentes, responsáveis por suas especificidades projetuais. Para atender à demanda dessa estrutura urbana, o Estado seria encarregado de desenvolver um complexo sistema viário e de instalar a infraestrutura básica necessária. No centro da área, planejava-se a criação de um núcleo metropolitano denominado CBD (Central Business District), destinado a atuar como contraponto ao centro tradicional da cidade consolidada.

Este espaço central, com aproximadamente 5 km² e formato octogonal, seria inteiramente desapropriado pela prefeitura para ser ocupado por edificações desenvolvidas por meio de parcerias público-privadas. A integração dessa área com o restante da cidade se daria por meio de dois grandes eixos viários complementados por vias menores destinadas à circulação local.[3]

O Plano Piloto de Lucio Costa atualmente

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Os primeiros dez anos de implementação do Plano Piloto transcorreram de forma criteriosa.[2] Durante esse período, os projetos de futuras edificações eram submetidos à avaliação técnica da Superintendência de Desenvolvimento da Barra da Tijuca (SUDEBAR), que analisava cada proposta em conformidade com o plano urbanístico. Para Lúcio Costa, esse era um momento de diálogo franco com as partes interessadas, permitindo a discussão aberta dos projetos e o controle sobre eventuais excessos. Costa defendia que o plano não deveria engessar o desenvolvimento da região, mas, ao mesmo tempo, a ocupação precisava ser conduzida sem comprometer a preservação ambiental.

No entanto essa abordagem flexível acabou não funcionando, já que dependia do cumprimento rigoroso do papel regulador e fiscalizador por parte do poder público, algo que não ocorreu. As modificações começaram a surgir em duas frentes: de natureza imobiliária e conceitual[6]. As primeiras alterações foram impulsionadas por demandas do setor imobiliário, como a emblemática mudança promovida pela SUDEBAR em 1976.[6] Essa alteração ampliava a cota de utilização de 60 para 100 metros em áreas localizadas entre o antigo caminho de Guaratiba e as terras utilizáveis do Maciço da Tijuca.

As mudanças conceituais também surgiram para atender a essas pressões, buscando modificar usos e eliminar a setorização, uma violação direta aos princípios modernistas do plano original.[3] Um exemplo notável foi a proposta da SUDEBAR para aumentar a densidade populacional e diversificar os usos na orla marítima, aproximando-a do modelo de ocupação de Copacabana. O Decreto 3.046, de 1981, intensificou essas alterações, modificando os gabaritos das edificações e introduzindo novas condições de parcelamento que permitiam a construção de hotéis-residência ao longo da orla. Essa decisão contrariava diretamente o plano de Lúcio Costa, que previa a concentração de hotéis em extremidades específicas da área costeira, reforçando a setorização proposta originalmente.[3]

Neste mesmo ano Lucio Costa abandonou a superintendência, o que levou a Câmara Municipal do Rio a constituir em 1984 uma comissão especial de inquérito que concluiu ter havido deformações no plano.[7] Diversas mudanças foram realizadas com o passar do tempo, várias para atualizar o plano à atualidade, outras para sanar alguns pontos em que o plano não tinha detalhamento suficiente e muitas que sucumbiram às pressões imobiliárias.[1] O terreno onde seria o CDB de Lucio Costa está nas mãos de grupos privados como a Carvalho Hosken, a Teruskin e Caixa Econômica Federal (em litígio) que estão realizando projetos isolados. O formato em octógono e o gabarito estabelecido estão respeitando as ideias do plano inicial, porém, as ligações de fluxos provavelmente não serão seguidas.[3] A península e a área que se estende cerca de 1km2 que se estende dos fundos do shopping Via Parque em direção à Lagoa da Tijuca ganhariam projetos específicos orientados pela SUDEBAR.

A primeira proposta foi de 14 prédios circulares com seis a oito andares de autoria do arquiteto Sérgio Bernardes. Segundo Carlos Carvalho (dono dos terrenos) para o O Globo,[8] ele procurou a justiça para obter o direito de elevar o gabarito da Península, invocando o princípio de isonomia e conseguiu, após duas décadas, a alteração. Atualmente a área possui 109 prédios de 15 andares e o outro terreno (que no plano podiam crescer verticalmente até 5 andares) está recebendo 80 edifícios de 12 pavimentos. Em relação ao fluxo de automóveis, das vias secundárias do plano, quatro não saíram do papel e duas foram parcialmente feitas. A via 11, atual Avenida Ayrton Senna, possuía um plano de arborização especial, a ser criada por Burle Marx. Entre a Avenida das Américas e o futuro CBD, seriam plantadas fileiras de palmeiras imperiais, entretanto, atualmente, além de não existir palmeiras, é neste cruzamento que está inserida o edifício cultural Cidade das Artes. Segundo Hugo Hamann em entrevista para o jornal O Globo[9] um dos maiores ataques ao plano foi a inserção da Cidade das Artes, onde Lucio Costa previa um trevo rodoviário de conexão e distribuição de fluxos.

Referências

  1. a b c PASQUOTTO, Geise Brizotti. Do Sertão Carioca" a "Miami do Rio": as diferentes faces morfológicas da Barra da Tijuca.  Anais do IX Seminário Nacional do Centro de Memória da Unicamp: Memória e histórias locais - esquecimento, diversidades culturais e identidades. Campinas: Centro de Memória – CMU (UNICAMP), 2019. ISSN: 2175-8468. Disponível em https://www.researchgate.net/publication/335210196_Do_Sertao_Carioca_a_Miami_do_Rio_as_diferentes_faces_morfologicas_da_Barra_da_Tijuca
  2. a b Pasquotto, Geise Brizotti (31 de março de 2016). «O edifício cultural como estratégia de intervenção urbana. A Cidade das Artes na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro». Consultado em 2 de dezembro de 2024 
  3. a b c d e f g Pasquotto, Geise Brizotti (9 de agosto de 2022). «The morphological faces of Barra da Tijuca in Rio de Janeiro (Brazil)». Revista Nacional de Gerenciamento de Cidades (77). ISSN 2318-8472. doi:10.17271/23188472107720223208. Consultado em 2 de dezembro de 2024 
  4. a b c d e COSTA, Lúcio. Lucio Costa, registro de uma vivência.São Paulo: Empresa das Artes, 1995.
  5. COSTA, Lúcio. Lucio Costa, registro de uma vivência. São Paulo: Empresa das Artes, 1995.
  6. a b REZENDE, Vera F.; LEITÃO, Gerônimo. Plano Piloto para a Barra da Tijuca e Baixada de Jacarepaguá, a Avaliação dos Ideais Modernistas Após Três Décadas. In: Seminário DOCOMOMO Brasil, 5. Arquitetura e Urbanismo Modernos: Projeto e Preservação. São Carlos, 27 a 30 out. 2003. Disponível em:<http://www.docomomo.org.br/seminario%205%20pdfs/148R.pdf>
  7. GERBASE F.; AUTRAN P.; CANDIDA, S. Plano Lucio Costa: os descaminhos da ocupação da Barra. O Globo.2013. Disponível em https://oglobo.globo.com/rio/plano-lucio-costa-os-descaminhos-da-ocupacao-da-barra-8231929Acesso em 2 fev 2019.
  8. GERBASE F.; AUTRAN P.; CANDIDA, S. Plano Lucio Costa: os descaminhos da ocupação da Barra. O Globo.2013. Disponível em https://oglobo.globo.com/rio/plano-lucio-costa-os-descaminhos-da-ocupacao-da-barra-8231929Acesso em 2 fev 2019.
  9. GERBASE F.; AUTRAN P.; CANDIDA, S. Plano Lucio Costa: os descaminhos da ocupação da Barra. O Globo.2013. Disponível em https://oglobo.globo.com/rio/plano-lucio-costa-os-descaminhos-da-ocupacao-da-barra-8231929Acesso em 2 fev 2019.