Poesia concreta
Poesia concreta é um tipo de poesia vanguardista, de carácter experimental, basicamente visual, que procura estruturar o texto poético escrito a partir do espaço do seu suporte, sendo ele a página de um livro ou não, buscando a superação do verso como unidade rítmico-formal. Surgiu na década de 1950 no Brasil e na Suíça, tendo sido primeiramente nomeada, tal qual a conhecemos, por Augusto de Campos na revista Noigandres de número 2, de 1955, publicada por um grupo de poetas homónimo à revista e que produziam uma poesia afins. Também é chamada de (ou confundida com) poesia visual em algumas partes do mundo.
Poesia concreta: movimento internacional
editarO concretismo, primeiramente, foi um movimento europeu das artes plásticas, na década de 1930, e da música, na década de quarenta. Dizia-se "concreto" por oposição à ideia de "abstrato" [carece de citação].
O surgimento oficial da poesia concreta dá-se em 1956, com a Exposição Nacional de Arte Concreta, no Museu de Arte Moderna de São Paulo, com a participação de poetas e pintores de São Paulo e do Rio de Janeiro. No entanto, já se vinha configurando desde o início da década, e mesmo anteriormente, surgindo como parte de um movimento ou tendência, muitas vezes de forma espontânea, no Brasil e em vários países da Europa.
Na Itália, em 1943, provindo do já antigo futurismo (o qual costumava fazer experimentos tipográficos e posteriormente sofreu forte influência da poesia cubista, através da influência do poeta Guillaume Apollinaire), o poeta Carlo Belloli escreveu, profeticamente , to see will become more necessary than to listen ("ver tornar-se-á mais importante que ouvir") e produziu um tipo de poesia que chamou de “Testi-poemi murali” (Texto-poema mural). Mary Ellen Solt, em artigo de 1968, para a Indiana University Press, considera tais textos-poemas como poesia concreta.[1]
No entanto, os primeiros textos que atendem rigorosamente aos preceitos definidos para a poesia concreta no seu primeiro manifesto (Plano-piloto para poesia concreta, publicado em São Paulo, 1958, e assinado por Augusto de Campos, por seu irmão Haroldo de Campos e por Décio Pignatari, grupo reunido desde 1952 sob o nome de Noigandres), foram uma série de poemas chamados de “Poetamenos” e o primeiro livro do boliviano-suíço Eugen Gomringer, Konstellationen (Constelações)[2], ambos publicados em 1953. No mesmo ano, foi publicado na Suécia, pelo poeta brasileiro-sueco Öyvind Fahlström, um manifesto chamado Manifest for konkret poesie (Manifesto da poesia concreta), que apresentava muitos pontos de contato com as proposições da poesia concreta paulista, enfatizando, porém, a importância do ritmo,[3] o que, de todo modo, poderia nos levar a pensar em alguma poesia como “beba coca cola” (Décio Pignatari, 1957)[4] ou na letra da composição musical “O quê” (Arnaldo Antunes, 1986).
A partir da metade da década de 1950, o movimento começa a propagar-se por vários países, tais como Alemanha, Áustria, Japão, Portugal, França, Espanha, EUA, Islândia, Escócia, Bélgica, Tchecoslováquia, Dinamarca, Turquia, Finlândia e Itália (neste último parecendo ter se desenvolvido da "poesia-texto mural").[5]
Na exposição brasileira de 1956, além dos paulistas do Noigandres, participaram poetas, como Ferreira Gullar (maranhense que, à época, utilizava-se de meios como a gravação de poemas em madeira), e artistas plásticos como Lígia Clark e Hélio Oiticica. Ferreira Gullar irá romper com os paulistas em 1959 e fundar o neoconcretismo. Mais tarde, o poeta maranhense se afasta também deste movimento, por considerar que o termo "poesia" não poderia ser dissociado da palavra escrita ou falada, e por acreditar que o neoconcretismo apontava para este caminho.
Características da poesia concreta
editarA poesia concreta é uma vanguarda no sentido de arte que busca a “ruptura”, dado por Octavio Paz[6].
Expressas em grande parte no seu manifesto paulista de 1958 (Plano-piloto para poesia concreta), e de maneira mais clara, o que levou à grande adesão de outros poetas do mundo inteiro a este grupo, incluindo o boliviano-suíço Gomringer (considerado por muitos europeus o principal e único expoente deste movimento), aparentemente, a poesia concreta opera por duas distinções básicas: a paranomásia e a disposição espacial dos vocábulos, frases ou caracteres. Operando por paranomásia e não abandonando o uso da palavra, a poesia concreta não será definida exclusivamente como uma poesia visual.
No "Plano-piloto", considera-se como seus precursores, pela ordem de referência no manifesto [7], Ezra Pound, Apollinaire, Eisenstein, Mallarmé, James Joyce, e.e. cummings, futuristas, dadaístas, Oswald de Andrade, João Cabral de Mello Neto, Webern e seus seguidores, Mondrian, Max Bill, a Geração de Orpheu e outros modernistas e a arte concreta em geral.
Em tom radical, o manifesto declara o fim do verso como unidade rítmico-formal do poema, que passa a reconhecer o espaço como agente estrutural, deixando de desenvolver-se de maneira meramente temporal e linear, intentando a simultaneidade da comunicação não-verbal:
“o poema concreto, usando o sistema fonético (dígitos) e uma sintaxe analógica, cria uma área lingüística específica - "verbivocovisual"- que participa das vantagens da comunicação não-verbal, sem abdicar das virtualidades da palavra”
Buscam os poetas concretos, nas palavras do grupo paulista, chegar à “estrutura-conteúdo”, veiculando uma mensagem de forma não-usual. A própria estrutura do poema comunicará, complementando ou sendo complementada pelo sentido desenvolvido no texto.
Importante referência o manifesto faz sobre a “renúncia à disputa do absoluto”, considerando os seus poemas como uma obra de arte “perene”, contextualizada na era da informação rápida, tal qual um anúncio publicitário, que tende a ser esquecido, substituído por outros.
Não há lugar na poesia concreta, segundo seu manifesto para “expressão, subjetividade e hedonismo”. Os poemas devem ser um “poema-produto” que seguirá a fórmula inicial da poesia de Maiakovski, transformar o poema em equação ou “criar problemas exatos e resolvê-los em termos de linguagem sensível”.
Em adendo, posto em 1961, a poesia concreta paulista assume sua postura revolucionária, citando o mesmo poeta russo: "sem forma revolucionária não há arte revolucionária"[7].
Legado
editarAlém de ter gerado um movimento internacional com repercussões até os dias de hoje, o concretismo poético gerou correntes neo-concretistas e pós-concretistas no Brasil, onde teve mais força[8], como as do poeta Ferreira Gullar, considerado por muitos como o maior poeta brasileiro do século XX, o poema/processo, a poesia-práxis e a essência da poesia reduzida de Paulo Leminski, gerando polêmicas acirradas com alguns dos representantes destas correntes.
Além disso, os poetas de São Paulo, principalmente Augusto e Haroldo de Campos, produziram vasta e indiscutível obra nos campos da teoria literária (muito relacionada em seus pontos de vista aos da poesia concreta) e da tradução (utilizada com fins de crítica, conforme preceitos de Ezra Pound).
Também influenciou uma significativa parcela de novos poetas brasileiros até o início do século XXI, bem como a obra de renomados poetas do antigo modernismo, tal como Cassiano Ricardo e Murilo Mendes, parecendo ser o verdadeiro “ser ou não ser” da poesia brasileira pós-concretismo no Brasil a questão de deixar-se ou não influenciar pela teoria (ou prática) da poesia concreta ou de seus principais articuladores[9].
Representações mais recentes, diversas da influência dadaísta além de voltados para concepções filosóficas, que refletem aforismos ou epigramas, obtiveram êxito e notoriedade, vencendo inclusive em concursos literários, a exemplo dos xarás: Fábio Sexugi e Fábio Bahia, que apesar do dificultoso reconhecimento em face da competição com poemas tradicionais, ganharam, então, certa notoriedade.
Poetas concretistas do Brasil
editar- Haroldo de Campos
- Décio Pignatari
- Augusto de Campos
- José Lino Grünewald e Ronaldo Azeredo, participantes do grupo Noigandres e da Revista Invenção;
- Wlademir Dias-Pino, poeta visual, participante da exposição de 1956, dissidente do grupo paulista, autor do primeiro livro-poema;
- José Paulo Paes;
- Mário Chamie, colaborador da revista Invenção, criou o poema-práxis e a revista homônima;
- Edgard Braga e Pedro Xisto, co-editores da revista Invenção;
- Fábio Bahia, autor das páginas "Poema Concreto", mídias sociais. Autor do livro Testemunho do Projétil que Matou Maiakovski;
- Arnaldo Antunes.
Ver também
editarReferências
- ↑ Solt, Mary Ellen. Concrete Poetry: A World View. Indiana University Press. 1968.
- ↑ Miranda, Antônio. Site Poesia de Ibero - América. junho de 2009.
- ↑ Solt, Mary Ellen. Concrete Poetry: A World View. Indiana University Press.1968.
- ↑ Alves, Luiz Edmundo. O concretismo revisitado. Tanto - Revista literária. Abril de 2010.
- ↑ Solt, Mary Ellen. Concrete Poetry: A World View. Indiana University Press, 1968.
- ↑ Carlos, Luís Adriano. Poesia moderna e dissolução. Universidade do Porto. Faculdade de Letras. 1989.
- ↑ a b «Campos, Augusto et Alii. Plano-piloto para poesia concreta. Teoria da poesia concreta. São Paulo. Invenção. 1965.». Consultado em 10 de junho de 2010. Arquivado do original em 19 de novembro de 2010
- ↑ «Khouri, Omar. Noigandres e Invenção. Facom. Faap. Setembro de 2006.» (PDF). Consultado em 25 de maio de 2010. Arquivado do original (PDF) em 31 de janeiro de 2012
- ↑ Revista da faculdade de Letras. Frias, Joana Matos. Murilo Mendes e o cosmotexto ideogramático. Universidade do Porto. 1999.
Ligações externas
editar- Site oficial de Augusto de Campos
- Omar Khouri. Noigandres e Invenção.
- Páginas "Poema Concreto"