Ponto cantado
Ponto cantado é um gênero musical praticado nas religiões afro-brasileiras e em eventos culturais. Presente notadamente na manifestação cultural do jongo e religiosamente na Umbanda e Quimbanda.[1]Alguns pontos cantados foram gravados e são utilizados como parte do repertório da MPB e do Samba.[2]
No Jongo
editarOs pontos podem ser de diversos tipos. Historicamente eram improvisados, mas com o tempo, consolidou-se um repertório habitual.[3] Alguns dos pontos são:
- Abertura ou licença: para iniciar a roda de jongo.[3]
- Louvação: para saudar o local, o dono da casa ou um antepassado jongueiro.
- Visaria: para alegrar a roda e divertir a comunidade.[3]
- Demanda, porfia ou “gurumenta”: para a briga, quando um jongueiro desafia seu rival a demonstrar sua sabedoria.[4]
- Encante: era c]antado quando um jongueiro desejava enfeitiçar o outro pelo ponto.
- Encerramento ou despedida: cantado ao amanhecer para saudar a chegada do dia e encerrar a festa.[3]
Na Umbanda
editarNa prática religiosa da Umbanda, os pontos cantados desempenham um papel fundamental na sustentação da energia durante as sessões ritualísticas e outras atividades espirituais. Estes cânticos, entoados pelos praticantes, têm o propósito de evocar forças e vibrações naturais específicas, bem como invocar divindades como os Orixás, Guias e Entidades espirituais.[5]
Os pontos cantados servem a uma variedade de propósitos, permeando o ambiente com energias distintas enquanto dissipa outras. Estes cânticos representam imagens simbólicas e expressam sentimentos associados a cada vibração, variando de acordo com o Orixá ou entidade espiritual invocada, a linha espiritual seguida, e as circunstâncias específicas do momento ritualístico. Quando combinados com o toque de instrumentos de percussão, em especial o atabaque, e as palmas, os pontos cantados constituem um componente fundamental dos rituais umbandistas.[5]
Em termos gerais, os pontos cantados são classificados em duas categorias principais: pontos de raiz, que são transmitidos diretamente pela espiritualidade aos praticantes, e pontos terrenos, que são criados por adeptos encarnados e submetidos à aprovação da espiritualidade antes de serem incorporados ao repertório ritualístico.[5]
Os pontos podem ser classificados em diversos tipos, tais como:[5]
- Pontos de abertura e fechamento de trabalhos: para abrir e fechar os encontros espirituais.
- Pontos de chegada (chamada) e de despedida (subida): cantados para incorporações e desincorporações.
- Pontos de defumação: cantados durante a defumação do terreiro e médiuns.
- Pontos de demanda: cantados durante a gira, quando necessário, contra demandas.
- Pontos de descarrego: cantados para descarrego dos médiuns e do ambiente.
- Pontos de doutrinação: cantados para encaminhar um espírito sofredor ou quiumba.
- Pontos de firmeza: cantados para fortalecer e manter a boa energia durante os trabalhos.
- Pontos de homenagem: cantados para homenagear Orixás, guias e entidades.
- Pontos de bater cabeça: cantado para que os adeptos possam realizar o ritual de bater cabeça.
- Pontos de batismo: cantados para batizar e iniciar um novo adepto.
- Pontos de pemba: cantados para se utilizar a pemba.
- Pontos de cruzamento: cantados nos rituais de cruzar o terreiro ou os médiuns.
- Pontos de cruzamento de linhas ou falanges: servem para atrair mais de uma vibração ao mesmo tempo, com objetivo de que trabalhem em conjunto.
- Pontos de cura: cantados nos trabalhos de cura.
O Ponto cantado, a MPB e o Samba
editarAlém do contexto religioso, é notável que alguns pontos cantados migraram para a esfera da Música Popular Brasileira (MPB) e do Samba, e certas canções destes gêneros também são utilizadas como pontos cantados dentro da prática umbandista.[5][2]
Pontos de Umbanda já foram gravados por cantores como Clara Nunes, Germano Mathias[6] e Carlinhos Brown.[7][8], Martinho da Vila.[2]
Festivais de pontos cantados
editarO Rio de Janeiro abriga um circuito de festivais dedicados às cantigas de umbanda, congregando milhares de seguidores dessa religião afro-brasileira. Distribuídos por diversos locais na capital, Baixada Fluminense, Niterói e São Gonçalo, ao menos 13 concursos do gênero são realizados anualmente. Os participantes mais destacados competem pelo troféu Atabaque de Ouro, este sendo a nível nacional e que reúne representantes de seis estados. [9][10]
O movimento atingiu seu auge na década de 1970, proliferando nas quadras das escolas de samba, terreiros e outros espaços. Naquela época, o ginásio do Maracanãzinho sediou um grande festival do gênero, que também influenciou a música popular brasileira, com artistas como Ruy Mauriti ("Nem ouro, nem prata", 1976) e Martinho da Vila, que incluiu "Festa de umbanda" em seu álbum "Canta canta, minha gente" (1974), que foi uma das faixas mais tocadas deste LP.[9][10]
Após o apogeu dos anos 1970, houve uma relativa decadência, embora os festivais nunca tenham desaparecido por completo. Em 2005, surgiu o Prêmio Atabaque de Ouro, responsável pelo ressurgimento dos festivais cantigas (curimba) de umbanda. Em seu segundo ano, o prêmio, inicialmente regional, passou a ter abrangência nacional, com a participação inicial de competidores de São Paulo e, posteriormente, de outros estados, como Mato Grosso, Paraná e Pará.[9]
A cerimônia de premiação nacional envolve a entrega de troféus. Em 2023 o Prêmio Atabaque de Ouro contemplou as seguintes premiações: Campeão dos Campeões, Melhor Festival, Campeão de Títulos, Melhor Coreografia, Melhor Figurino, Melhor Maquiagem, Melhor Intérprete, Melhor Voz Veterana, Melhor Curimbeiro, Revelação, Melhor Letra e a Melhor Torcida.[10]
O festival já contou como padrinhos os artistas Elymar Santos, Neguinho da Beija-Flor, Dona Ivone Lara, Leci Brandão, Alcione, Rita Benneditto, Tia Doca, Nelson Sargento, Sandra de Sá, Pretinho da Serrinha, Moacyr Luz, Dudu Nobre.[9][10]
Um dos líderes das religiões de matriz africana, o babalaô Ivanir dos Santos, considera esses festivais como instrumentos cruciais para reafirmar as tradições afro-brasileiras e combater a intolerância religiosa. Ele também acredita que iniciativas como essas contribuem para elevar a autoestima dos adeptos da umbanda.[9]
Referências
- ↑ Centro Espírita Urubatan. «Pontos Cantados». Consultado em 14 de outubro de 2018
- ↑ a b c «Martinho da Vila volta ao mundo dos orixás para cantar Rio que ninguém destrói». ISTOÉ Independente. 20 de novembro de 2020. Consultado em 12 de junho de 2024
- ↑ a b c d Travassos, Elizabeth; Sá, Sérgio de (2007). Jongo no sudeste. Col: Dossiê IPHAN. Brasília: Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. p. 54. OCLC 428453098
- ↑ GANDRA, E. Jongo da Serrinha: do terreiro aos palcos. Rio de Janeiro: GGE: Unirio, 1995, p. 70.
- ↑ a b c d e Júnior, Ademir Barbosa. O livro essencial de Umbanda. [S.l.]: Universo dos Livros Editora
- ↑ Ana Ferraz (4 de outubro de 2015). «A categoria do último dos malandros». Consultado em 14 de outubro de 2018
- ↑ Roberto Midlej (1 de março de 2017). «No Arrastão, Brown pede fim de rusgas entre Bell Marques e irmãos». Consultado em 14 de outubro de 2018
- ↑ Geraldo Ribeiro (11 de junho de 2018). «Rio tem circuito pouco conhecido de cantigas de umbanda e maior encontro de curimbas do Brasil». Consultado em 14 de outubro de 2018
- ↑ a b c d e «Rio tem circuito pouco conhecido de cantigas de umbanda e maior encontro de curimbas do Brasil». Extra Online. 8 de junho de 2018. Consultado em 12 de junho de 2024
- ↑ a b c d Express, W. R. (14 de novembro de 2023). «17ª Edição do Prêmio Atabaque de Ouro terá o tradicional bloco Cordão do Bola Preta como padrinho». Axé News. Consultado em 12 de junho de 2024
Ligações externas
editar- IPHAN. Dossiê Jongo no Sudeste, 2007
- «Pontos de Jongo»
- «Pontos de Umbanda»
- «Letras de pontos cantados arquivo Doc de Reginaldo Prandi»
- Prêmio atabaque de ouro
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