Princípio de Le Châtelier
O Princípio de Le Châtelier, postulado pelo químico industrial francês Henri Louis Le Châtelier (1850-1936), estabelece que:
"Se for imposta uma alteração, de concentrações, de temperatura ou de pressão, a um sistema químico em equilíbrio, a composição do sistema deslocar-se-á no sentido de contrariar a alteração a que foi sujeita."
Equilíbrio químico e termodinâmica química
editarConforme seu enunciado, o Princípio de Le Châtelier permite prever o comportamento que um sistema, previamente em equilíbrio, adotará ao sofrer perturbações. Isso ocorre porque, embora as possibilidades de alterações no sistema sejam diversas, o retorno ao estado de equilíbrio é espontâneo, em outras palavras, termodinamicamente favorável. Por esse motivo, a compreensão de como cada mudança no sistema afeta a constante de equilíbrio (ponto no qual o sistema está em equilíbrio) é importante para intuir qual será seu o comportamento.
Sendo assim, algumas considerações iniciais são relevantes:
em que K é a constante de equilíbrio.
- Variáveis que afetam o equilíbrio químico:
Por estar estritamente relacionado à termodinâmica, como as fórmulas ilustram, o ponto do equilíbrio depende dos fatores:
- Temperatura
- Reação em análise (fator incluído na variação de Energia Livre de Gibbs)
Sendo assim, para uma mesma reação, a única perturbação que afeta a constante de equilíbrio é a temperatura.
Conclui-se, portanto, que a análise dos fatores: Concentração e Pressão é mais simples. Para esses casos, basta analisar qual é a mudança causada pela perturbação em relação ao ponto de equilíbrio, que o comportamento do sistema será justamente o oposto, de maneira a se atingir um novo equilíbrio mas de mesma constante.
Já a análise a respeito da influência da temperatura é um pouco diferente. Para ela, é necessário observar qual a mudança na constante de equilíbrio ocasionada pela variação da temperatura. Para tanto, a segunda relação acima será utilizada para inferir se "K" é função crescente ou decrescente da temperatura.
Concentração
editarAnálise de efeito da concentração no quociente de reação
editar, com "a" e "b" sendo definidos para cada elemento a partir da reação em análise.
Q (Quociente) é resultado dessa operação, e equivale à constante de equilíbrio quando as concentrações utilizadas são aquelas do momento de equilíbrio. Quando o valor desse quociente não equivale ao do equilíbrio, é possível prever qual será o caminho que o sistema percorrerá:
Q< Kc , há necessidade de formação de produtos e consumo de reagentes
Q> Kc, há necessidade de consumo de produtos e formação de reagentes
Assim, para fazer a análise do efeito da mudança de concentrações em uma reação em equilíbrio, basta analisar a mudança no valor de Q referente à perturbação.
A título de exemplo, analisemos a seguinte reação:
, sendo as letras minúsculas os coeficientes da reação. Para ela, o quociente de reação seria expresso por:
Assumindo que a reação esteja inicialmente em equilíbrio,
- Aumento na concentração de reagentes:
Ao se aumentar abruptamente a concentração de A ou B, Q se torna menor que Kc. Assim, o sistema se comportará de modo a consumir reagentes e formar produtos, aumentando Q de volta ao valor inicial. Dizemos que a adição de reagentes desloca o equilíbrio no sentido de formar produtos.
- Diminuição na concentração de reagentes:
Ao se diminuir a concentração de A ou B, Q se torna maior que Kc. Assim, o sistema se comportará de maneira a consumir produtos e formar reagentes, diminuindo Q de volta ao valor inicial . Dizemos que a retirada de reagentes desloca o equilíbrio no sentido de formar reagentes.
- Aumento na concentração de produtos:
Ao se aumentar a concentração de C, Q se torna maior que Kc. Assim, o sistema se comportará de forma a consumir produtos e formar reagentes, diminuindo Q de volta ao valor original. Dizemos que a adição de produtos desloca o equilíbrio no sentido de formar reagentes.
- Diminuição na concentração de produtos:
Ao se diminuir a concentração de C, Q se torna menor que Kc. Assim, o sistema se comportará de modo a consumir reagentes e formar produtos, aumentando Q de volta ao valor inicial. Dizemos que a retirada de produtos desloca o equilíbrio no sentido de formar produtos.
A observação desses resultados permite inferir, em um sistema em equilíbrio químico:
Ao se introduzir determinada espécie química participante da reação, o equilíbrio se deslocará de forma a consumi-la
Ao se retirar determinada espécie química participante da reação, o equilíbrio se deslocará de forma a formá-la
Exemplo e aplicabilidade
editar
Ao se aumentar a concentração de gás nitrogênio (N2) o equilíbrio será deslocado no sentido oposto ao que sofreu esse aumento, ou seja, seria deslocado no sentido direto da reação (deslocamento para a direita), favorecendo a formação de produtos, aumentando assim a quantidade de amônia (NH3) formada e consequentemente reduzindo a quantidade de gás hidrogênio (H2).
Fator contrário seria observado ao se reduzir a concentração de gás hidrogênio (H2). A redução de concentração desse reagente deslocaria o equilíbrio para o mesmo lado que sofre a diminuição, fazendo com que o equilíbrio seja deslocado no sentido inverso (deslocamento para a esquerda), desfavorecendo a formação de produtos, isto é, a produção de amônia é aumentada em altos valores de concentração de gás hidrogênio, mas não é favorecida em baixas quantidades, tanto do gás hidrogênio, como do gás nitrogênio. Em outras palavras, pode-se afirmar que o rendimento da reação diminui com essa diminuição da concentração de H2.
Pressão
editarRelação com os mols de gás
editarO deslocamento de equilíbrio provocado pela mudança das pressões parciais das espécies químicas ocorre quando há diferença na quantidade estequiométrica de mols de gás entre reagentes e produtos de uma reação. Isso ocorre porque a variação na pressão (com temperatura constante) está vinculada a uma mudança de volume. Essa variação no volume acarretará mudança desigual nas pressões parcias de reagentes e produtos, fazendo com que se saia da condição de equilíbrio. O sistema agirá, então, no sentido contrário à perturbação, retornando gradualmente ao ponto de equilíbrio.
É possível prever qual será o comportamento do sistema seguindo o seguinte raciocínio:
Com esse resultado, façamos a análise semelhante à do caso anterior, avaliando o quociente de reação e seguindo a mesma reação exemplo , sendo as letras minúsculas os coeficientes da reação e admitindo todas as espécies no estado gasoso
No equilíbrio , e Kp é constante em relação às pressões parciais.
Analogamente ao caso das concentrações, o valor de Qp em condições diferentes do equilíbrio químico nos permite avaliar qual será o caminho percorrido pelo sistema:
- Qp < Kp, indica a necessidade de se formar produtos e consumir reagentes
- Qp > Kp, indica a necessidade de se formar reagentes e consumir produtos
Para que se saiba qual será o efeito da variação da pressão, basta avaliar o que acontece com Qp para essas mudanças.
Escrevendo a expressão de Qp e manipulando tem-se que:
sendo as quantidades em mol constantes, Qp varia com o volume segundo a relação:
, com sendo a variação da quantidade em mols de espécies químicas gasosas na reação
- Positivo (mais produtos gasosos que reagentes gasosos)
Para esse caso, Qp é proporcional ao volume elevado a um número negativo. Assim, o aumento do volume (diminuição da pressão) diminui Qp. Por isso, há tendência de se formar produtos e consumir reagentes, para que Qp aumente e retorne ao valor inicial. Dizemos que a diminuição da pressão favoreceu o sentido de formar produtos.
Por outro lado, a diminuição do volume (aumento da pressão) aumenta Qp. Assim, há tendência de se formar reagentes e consumir produtos, para que Qp diminua e retorne ao seu valor de equilíbrio. Dizemos que o aumento da pressão favoreceu o sentido de formar reagentes.
- Negativo (mais reagentes gasosos que produtos gasosos)
Para esse caso, Qp é proporcional ao volume elevado a um número positivo. Assim, o aumento do volume (diminuição da pressão) aumenta Qp. Por isso, há tendência de se forma reagentes e consumir produtos, para que Qp diminua e retorne ao valor inicial. Dizemos que a diminuição da pressão favoreceu o sentido de formar reagentes
Por outro lado, a diminuição do volume (aumento da pressão) diminui Qp. Assim. há tendência de se formar produtos e consumir reagentes, para que Qp aumente e retorne ao seu valor de equilíbrio. Dizemos que o aumento da pressão favoreceu o sentido de formar produtos.
Para ambos os casos é clara a relação:
O aumento na pressão favorece o sentido em que há menos mols de gás
A diminuição na pressão favorece o sentido em que há mais mols de gás
Exemplo e aplicabilidade
editarQuando recorremos a mesma reação de síntese de amônia do exemplo anterior, podemos observar a relação da pressão com o deslocamento de equilíbrio.
Percebe-se que no lado dos reagentes, há a presença de 4 mols no estado gasoso e no lado dos produtos, apenas 2 mols no estado gasoso.
Ao se aumentar a pressão desse sistema, poderíamos afirmar que o equilíbrio seria deslocado no sentido que possui o menor número de mols, sendo esse o sentido direto, sentido de formação de produtos, aumentando a quantidade de amônia formada (NH3).
Quando se diminui a pressão do sistema, pode-se afirmar que o equilíbrio químico será deslocado no sentido inverso da reação química, desfavorecendo a produção da amônia (NH3)
Adição de gases inertes
editarGases inertes, como os gases nobres, são aqueles que não reagem com os elementos químicos da solução. Adicionando um gás inerte a um equilíbrio gasoso à um volume constante não resulta em um deslocamento, pois a adição de um gás não reativo não muda o equilíbrio da reação, já que ele aparecerá em ambos os lados da equação, como no exemplo abaixo, onde se adicionou 2 mols de Hélio (He) gasoso:
Sendo a constante de equilíbrio K, calculada a partir das pressões parciais:
Apesar da pressão aumentar no sistema, é a mudança na pressão parcial de cada componente reativo que fará com que o equilíbrio seja deslocado para um lado ou outro da equação. Se esse processo não fosse feito à volume constante, modificaria - se as pressões parciais dos elementos gasosos, resultando portanto em um deslocamento do equilíbrio.
Temperatura
editarAnálise termodinâmica
editarA análise da mudança causada pela variação da temperatura em um equilíbrio químico exige observar como a constante de equilíbrio varia com a temperatura. Da Termodinâmica Química tem-se que:
fazendo , e reorganizando a expressão:
(Equação 1)
Como apenas o primeiro fator depende da temperatura, ele é o único que precisa ser analisado.
Expressão A:
- Reação endotérmica (ΔH positivo):
Para esse caso, a "Expressão A" é negativa. O aumento da temperatura a torna o resultado da fração mais próximo de zero, ou seja, menos negativo. Como a "Expressão A" é expoente na "Equação 1", o fato de ela se tornar menos negativa faz com que o resultado da exponencial seja maior. Por isso, o aumento da temperatura aumenta o valor da constante de equilíbrio. Em outras palavras, as reações endotérmicas são favorecidas pelo aumento da temperatura. Já a diminuição da temperatura diminui a constante de equilíbrio, e, por isso, não favorece o sentido endotérmico.
- Reação Exotérmica (ΔH negativo)
Para esse caso, a "Expressão A" é positiva. O aumento da temperatura torna o resultado da fração mais próximo de zero, isto é, menos positivo. Como a "Expressão A" é expoente na "Equação 1", o fato de ela se tornar menos positiva faz com que o resultado da exponencial seja menor. Por isso, o aumento da temperatura diminui o valor da constante de equilíbrio. Assim, as reações exotérmicas não são favorecidas pelo aumento da temperatura. Já a diminuição da temperatura aumenta a constante de equilíbrio, de tal maneira que favorece o sentido exotérmico.
Em síntese, é possível afirmar que:
- O aumento da temperatura do meio reacional favorece o sentido endotérmico da reação
- A diminuição da temperatura do meio reacional favorece o sentido exotérmico da reação
Conclusão geral e exemplo
editarPara a temperatura, deve-se atentar para a classificação da reação quanto a mesma ser exotérmica ou endotérmica. Vale ressaltar que reações exotérmicas são aquelas que liberam calor (ΔH negativo), enquanto reações endotérmicas absorvem calor ().
Quando há um aumento da temperatura, o equilíbrio químico é deslocando no sentido endotérmico da reação química.
Ao se realizar diminuições nos valores de temperatura, o equilíbrio químico é deslocado no sentido exotérmico da reação química.
Observe a reação química abaixo:
+ Energia
Observa-se que trata-se de uma reação exotérmica por produzir calor (liberar calor), e com isso o valor de ΔH será negativo.Como a reação química é exotérmica, o sentido direto é exotérmico e o sentido inverso da reação é endotérmico.
Ao se aumentar a temperatura do sistema, o equilíbrio se deslocará no sentido endotérmico da reação, que é o sentido inverso. Nesse caso, pode-se visualizar que o aumento da temperatura não favorece a formação de produtos. Ao aumentar a temperatura para a reação química mencionada acima, o equilíbrio é deslocado no sentido dos reagentes (lado esquerdo), aumentando a concentração dos gases hidrogênio e nitrogênio (H2 e N2), reduzindo a quantidade de amônia (NH3) formada.
Efeito contrário é observado sob baixas temperaturas, onde em menores temperaturas o equilíbrio é deslocado no sentido exotérmico da reação, que é o sentido direto (lado direito da reação), favorecendo a formação de amônia, e sendo assim, aumentando a quantidade de amônia formada..
A ação dos catalisadores
editarO catalisador apenas acelera a velocidade a que decorre a reação química, não afetando o equilíbrio químico, rendimento ou constante de equilíbrio. Um catalisador pode assim ser útil numa reação química, afetada pelos fatores anteriormente mencionados, pois permite que o equilíbrio seja atingido mais rapidamente, com o mesmo rendimento, mas num menor espaço de tempo aumentando assim a produtividade da reação.Os catalisadores não alteram o equilíbrio químico.
Referências
- RUSSELL, J.B. Química Geral. Trad. de D.L. Sanioto et al. São Paulo: McGraw Hill, 1981.
- MAHAN, B.M. & MYERS, R.J. Química: um Curso Universitário. Trad. de H.E. Toma et al. São Paulo: Edgard Blücher, 1995.
- Luiz Henrique Ferreira, Dácio H. Hartwig, Romeu C. Rocha-Filho; Algumas Experiências Simples Envolvendo o Princípio de Le Chatelier; QUÍMICA NOVA NA ESCOLA Le Chatelier N° 5, MAIO 1997 - qnesc.sbq.org.br
- Profª. MSc. MARTA PINHEIRO; O PRINCÍPIO DE LE CHÂTELIER (1888) ; UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ - CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E NATURAIS - DEPARTAMENTO DE QUÍMICA - www.ufpa.br
- ATKINS, P.W.; JONES, Loretta. Princípios de química: questionando a vida moderna e o meio ambiente. 3.ed. Porto Alegre: Bookman, 2006.
- BROWN, Theodore; LEMAY, H. Eugene; BURSTEN, Bruce E. Química: a ciência central. 9 ed. Prentice-Hall, 2005