Guerras Sírias
As Guerras Sírias foram uma série de seis conflitos armados entre os impérios selêucida e ptolemaico durante os séculos III e II a.C. sobre a região da Celessíria,[1] uma das poucas saídas naturais do Egito. Estes conflitos minguaram a força de ambas as partes e conduziu à sua eventual destruição às mãos de Roma e da Pártia.
À década do seu reinado, e aproveitando uma sublevação em Selêucia Piéria, Ptolemeu II enfrentou-se ao rei selêucida Antíoco I Sóter, que estava visando a ampliar o seu império a base de conquistas na Síria e Ásia Menor. Ptolemeu demonstrou ser um governante enérgico e um qualificado general. Além disso, o seu recente casamento com a sua irmã Arsínoe estabilizara a instável corte egípcia (provavelmente porque eliminou os possíveis membros da família lágida que podiam reclamar o trono),[2] o que permitiu a Ptolemeu efetuar com sucesso a campanha. Algumas interpretações da história chegam mesmo a afirmar que foi o cérebro e o talento de Arsínoe que ganhou a guerra.[2]
A Primeira Guerra Síria foi uma grande vitória para os Ptolemeus. Nos choques iniciais, Antíoco derrotou os Gálatas[3] e, aliado com Ariobarzanes do Ponto (que venceu as tropas ptolemaicas com ajuda dos volúveis gálatas),[4] ocupou os territórios ptolemaicos na Síria costeira e o sul da Anatólia. Ptolemeu reconquistou estes territórios em 271 a.C. e, além disso, estendeu os domínios ptolemaicos à Cária e a maior parte da Cilícia.[5][6] Com Ptolomeu contra, o seu meio irmão Magas declarou independente a província da Cirenaica,[6] que o continuaria sendo até 250 a.C., quando foi reabsorvida no Reino Ptolemaico. Este conflito, ou ao menos a sua primeira fase, é também conhecida como a Guerra da Cária.[6]
Antíoco II Theos sucedeu ao seu pai em 261 a.C., e estourou uma nova guerra pela posse da Celessíria.[7] Antíoco chegou a um acordo com o rei antigónida na Macedônia,[5] Antígono Gónatas, que também se interessara por expulsar Ptolemeu II do Mar Egeu.[7] Com o apoio da Macedônia, Antíoco II lançou um ataque contra os encraves ptolemaicos na Ásia.
A maior parte da informação sobre a Segunda Guerra Síria perdeu-se. É evidente que Antígono derrotou a frota de Ptolemeu na Batalha de Cos em 256 a.C., fazendo diminuir o poderio naval ptolemaico. Parece que Ptolemeu perdera terreno na Cilícia, Panfília e Jônia, enquanto Antíoco recuperou Mileto e Éfeso. A participação macedônia na guerra cessou quando Antígono teve de fazer face à rebelião de Corinto e Calcis em 253 a.C., possivelmente instigada por Ptolemeu, bem como um aumento da atividade inimiga ao longo da fronteira norte da Macedônia.
A guerra concluiu por volta de 253 a.C., com o casamento de Antíoco com a filha de Ptolemeu, Berenice Sira. Antíoco repudiou a sua anterior esposa, Laódice, e entregou uma substancial porção dos seus domínios como dote. Morreu em Éfeso em 246 a.C., envenenado por Laódice segundo algumas fontes. Ptolemeu II faleceu no mesmo ano.
Também conhecida como a Guerra de Laódice,[5] a Terceira Guerra Síria começou com uma das muitas crísis de sucessão que plagaram os estados helenísticos.[8] Antíoco II deixou duas mães com grandes ambições, pois após a sua morte abriu-se uma competição entre a sua repudiada esposa Laódice e Berenice Sira, a filha de Ptolemeu II,[8] visando pôr os seus respectivos filhos no trono. Laódice alegava que Antíoco nomeara herdeiro o seu filho no seu leito de morte, enquanto Berenice sustinha que o seu filho recém nascido era o herdeiro legítimo. Berenice pediu ajuda ao seu irmão Ptolemeu III, o novo rei ptolemaico, para que marchasse para Antioquia e colocasse o seu filho no trono. Quando Ptolemeu chegou, Berenice e o seu filho foram assassinados por partidários de Laódice.[8]
Ptolemeu então declarou a guerra ao recém coroado filho de Laódice, Seleuco II, e mobilizou-se com grande sucesso. Ganhou importantes vitórias sobre Seleuco na Síria e Anatólia, ocupou brevemente Antioquia e, segundo uma recente descoberta de amostras cuneiformes,[9] atingiu mesmo a Babilônia. Estas vitórias embaciaram-se pela perda das Cíclades às mãos de Antígono Gónatas após a Batalha de Andros.[8] Para então, Seleuco tinha outras dificuldades. A sua dominante mãe pediu a corregência para o seu irmão menor, Antíoco Hierax, bem como o domínio dos territórios selêucidas na Anatólia.[5] Antíoco depressa declarou a sua independência, socavando os esforços de Seleuco por se defender de Ptolemeu.
Em troca de uma paz em 241 a.C., foram-lhe outorgados a Ptolemeu novos territórios na costa norte da Síria, incluída Selêucia Piéria,[5] no porto de Antioquia. O Reino Ptolemaico atingia o apogeu do seu poder.
Ao tomar o trono selêucida em 223 a.C., Antíoco III (241—187 a.C.)[10] encomendou-se a tarefa de restaurar as perdas das posses de Seleuco I Nicátor, que se estendiam do Reino Grecobatriano e Índia a leste , o Helesponto a norte, e a Síria a sul. Em 221 a.C. tinha restabelecido o controle selêucida sobre as províncias orientais e tomado de novo a Ásia Menor ao seu tio rebelde Aqueu. O rei ambicionou então a Síria e o Egito.
Egito ficara enfraquecido consideravelmente devido às intrigas palacianas e o mal-estar público. O império do recém coroado Ptolemeu IV (o seu reinado durou de 221 a 204 a.C.) começou com o assassinato da rainha mãe, Berenice II.[10] O jovem rei depressa caiu sob a absoluta influência de cortesãos imperiais. Os seus ministros utilizaram o seu poder absoluto no seu próprio interesse, o que desgostou o seu povo.
Antíoco visou a tirar proveito dessa caótica situação. Após uma fracassada invasão em 221 a.C., finalmente começou a Quarta Guerra Síria em 219. Reconquistou Selêucia Piéria,[10] bem como as cidades de Israel, entre elas Tiro.[10] Em lugar de invadir o Egito com celeridade, Antíoco aguardou em Israel durante mais de um ano, consolidou os seus novos territórios e escutou as propostas diplomáticas do Reino Ptolemaico.
Enquanto isso, o ministro de Ptolemeu, Sosíbio, começou o recrutamento e a formação de um exército. O critério de contratação não somente recrutava os gregos da população local, como costumavam fazer os exércitos helenísticos em geral, senão também alistou nativos egípcios,[10] chegando a enrolar até trinta mil nativos nas suas tropas como falangitas (os conhecidos como machimoi-epilektoi). Esta nova seleção deu os seus frutos, mas finalmente teve consequências para a estabilidade ptolemaica. No verão de 217 a.C., Ptolemeu derrotou Antíoco na Batalha de Ráfia, a maior batalha desde a Batalha de Ipso.
A vitória de Ptolemeu fez-lhe conservar o seu controle sobre a Celessíria,[5] mas o rei recusou continuar avançando sobre o império de Antíoco, até mesmo voltar a tomar Selêucia Piéria. O Reino Ptolemaico continuaria enfraquecendo durante os seguintes anos, nos quais sofreu problemas econômicos e revoltas. Os nativos egípcios que lutaram em Ráfia, confiados e bem formados, romperam com Ptolemeu no que se conhece como a Revolta egípcia,[5] na qual estabeleceram o seu próprio reino no Alto Egito e que os Ptolemeus reconquistariam finalmente por volta de 185 a.C..
A morte de Ptolemeu IV em 204 a.C. foi seguida por um sangrento conflito pela regência, sendo Ptolemeu V[11] que era apenas uma criança. O conflito começou com o assassinato da esposa e irmã do rei morto, Arsínoe,[11] pelos ministros Agatocles e Sosíbio. O destino de Sosíbio era claro, mas parece que Agatocles efetuou a regência durante algum tempo até ser linchado por uma volátil turba em Alexandria. A regência passou de um assessor a outro,[11] e o reino ficou num estado próximo da anarquia.
Visando a aproveitar as vantagens desta agitação, Antíoco III preparou uma segunda invasão da Celessíria.[11] Chegou a um acordo com Filipe V da Macedônia para conquistar e compartir os territórios dos Ptolemeus de ultramar,[11] apesar do qual, a aliança não duraria muito. Antíoco arrasou depressa a região. Após um breve declínio em Gaza, deu um esmagador golpe aos Ptolemeus perto da cabeça do rio Jordão, obtendo o importante porto de Sídon.
Em 200 a.C., emissários romanos chegaram a Filipo e Antíoco exigindo que se abstivessem de invadir o Egito.[11] Os romanos assim não sofreriam alteração alguma na importação de grãos do Egito, chave para a manutenção da população da Itália.[11] Como os monarcas não tinham planejado invadir o Egito, cumpriram voluntariamente as demandas de Roma. Em 198 a.C., e graças à sua vitória em Banias, Antíoco completou a submissão da Celessíria e lançou uma incursão sobre o restante de fortalezas de Ptolemeu na costa da Cária e da Cilícia.[11]
Problemas internos levaram Ptolemeu a procurar uma rápida e desfavorável paz.[11] O movimento nacionalista, que começara antes da guerra com a Revolta egípcia e se ampliara com o apoio dos sacerdotes egípcios, criou agitação e sedição em todo o reino. Os problemas econômicos levaram o governo ptolemaico a aumentar os impostos, o que pela sua vez alimentou ainda mais o fogo nacionalista. Com o fim de se focar na frente interna, Ptolemeu assinou um tratado de conciliação com Antíoco em 195 a.C., cedendo ao rei selêucida a posse da Celessíria[5] e acordando o casamento de Ptolemeu com a filha de Antíoco, Cleópatra.[11]
As causas deste último conflito são obscuras. Em 170 a.C., Eulao e Leneu,[12] os dois regentes do jovem[12] rei ptolemaico Ptolemeu VI, declararam a guerra ao rei selêucida Antíoco IV Epifânio. Nesse mesmo ano, os irmãos maiores de Ptolemeu, Ptolemeu VIII e Cleópatra II, foram declarados co-governantes com o fim de reforçar a unidade do Egito. As operações militares não se iniciaram até 169 a.C., quando Antíoco ganhou depressa a iniciativa aproveitando a importante cidade estratégica de Pelúsio,[12] em território tradicionalmente egípcio.
Quando os egípcios se deram conta da sua pouca prudência ao iniciar a guerra, Eulao e Leneu foram derrocados e substituídos por dois novos regentes, Comano e Cineias,[12] e foram enviados emissários a negociar um tratado de paz com Antíoco. Antíoco tomou Ptolemeu VI (que era o seu sobrinho) sob a sua tutora, dando-lhe um controle efetivo do Egito. Contudo, o povo de Alexandria respondeu proclamando Ptolemeu VIII como único rei. Em resposta a este atrevimento, Antíoco assediou Alexandria, mas foi incapaz de cortar as comunicações da cidade, complicado pela revolta na Judeia em finais de 169, pelo qual retirou o seu exército.
Em ausência de Antíoco, Ptolemeu VI e o seu irmão reconciliaram-se.[12] Antíoco, encolerizado pela perda do controle sobre o rei, invadiu de novo o país.[12] Os egípcios pediram ajuda a Roma e o Senado mandou Caio Popílio Lenas para Alexandria.[12] Enquanto isso, Antíoco tomara Chipre e Mênfis,[12] e iniciou de novo a marcha para Alexandria. Em Elêusis, nas cercanias da capital, Antíoco reuniu-se com Popílio Lenas, de quem tinha sido amigo durante a sua estadia em Roma. Mas Popílio deu ao rei um ultimátum em nome do Senado: devia evacuar o Egito e Chipre de imediato.
Antíoco pediu tempo para estudar a ordem de retirada; Popílio pegou uma cana de açúcar, traçou um círculo em redor do selêucida na areia e ordenou-lhe não sair de ele até tomar uma decisão. Antíoco optou por obedecer.[12] O "Dia de Elêusis" pôs fim à Sexta Guerra Síria e às esperanças de Antíoco de conquistar território egípcio.[12][13]
Ver também
editarReferências
- ↑ Aníbal, Serge Lancel, Ed. Grijalvo Mondadori, pag. 238 (ISBN 84-7423-826-9).
- ↑ a b Enciclopedia GER: Ptolemeus, Dinastia dos[ligação inativa] (em castelhano).
- ↑ Lívio: Primeira Guerra Síria (Segundo estágio) (em inglês).
- ↑ Estevão de Bizâncio, Ethnica, s. v. Ancyra.
- ↑ a b c d e f g h Encyclopædia Britannica on line (em inglês).
- ↑ a b c Lívio: Primeira Guerra Síria (Primeiro estágio) (em inglês).
- ↑ a b Lívio: Segunda Guerra Síria (em inglês).
- ↑ a b c d Lívio: Terceira Guerra Síria (em inglês).
- ↑ Ver Crônica de Ptolemeu III (em inglês).
- ↑ a b c d e Lívio: Quarta Guerra Síria (em inglês).
- ↑ a b c d e f g h i j Lívio: Quinta Guerra Síria (em inglês).
- ↑ a b c d e f g h i j Lívio: Sexta Guerra Síria (em inglês).
- ↑ Edouard Will, L’Histoire politique du monde hellénistique (Éditions du Seuil, ed. 2003) Tomo II, pp. 311-323.
- Este artigo foi inicialmente traduzido, total ou parcialmente, do artigo da Wikipédia em castelhano cujo título é «Guerras Sirias».
Bibliografia adicional
editar- GREEN, Peter. Alexander to Actium : The Historical Evolution of the Hellenistic Age . Universidade de Califórnia, Berkeley, 1990 (ISBN 0-500-01485-X).
- QUESADA SANZ, Fernando. Armas de Grecia y Roma. Editorial La Esfera de los Libros. Madrid, 2008 (ISBN 978-84-9734-700-6).
Ligações externas
editar- Detalhada análise da Batalha de Ráfia, a campanha anterior e a composição dos exércitos egípcio e selêucida.