Quarta onda do feminismo
A expressão quarta onda do feminismo refere-se ao ressurgimento do interesse no feminismo iniciado por volta de 2012 e associado ao uso das redes sociais.[1] Segundo a pesquisadora Prudence Chamberlain, o foco da quarta onda é a busca pela justiça para as mulheres e a oposição ao assédio sexual e à violência contra a mulher. Sua essência, ela escreve, é “a incredulidade quanto ao fato de certas atitudes continuarem existindo”.[2]
A quarta onda do feminismo é “definida pela tecnologia”, de acordo com Kira Cochrane, e é caracterizada pelo uso do Facebook, Twitter, Instagram, YouTube e Tumblr e de blogs como o Feministing para contestar a misoginia e outros exemplos de desigualdade de gênero.[1][3][4][5]
Os temas tidos/que estão sobre a atenção das feministas da quarta onda incluem o assédio nas vias públicas e no ambiente de trabalho, a violência sexual nos campos universitários e a cultura do estupro. Escândalos envolvendo o assédio, o abuso e o assassinato de mulheres e meninas estimularam o movimento. Dentre eles incluem-se o caso de estupro coletivo em Délhi em 2012, as acusações contra Bill Cosby e Jimmy Savile, o massacre de Isla Vista em 2014, o julgamento de Jian Ghomeshi em 2016, as acusações contra Harvey Weinstein em 2017 e o subsequente efeito Weinstein.[6]
Exemplos de campanhas ligadas à quarta onda do feminismo incluem os projetos Everyday Sexism e No More Page 3, no Reino Unido, o Stop Bild Sexism, na Alemanha, a Mattress Performance (Carry That Weight) que aconteceu no campus da Universidade Columbia, o vídeo viral 10 Hours Walking in NYC as a Woman, a hashtag #YesAllWomen, a campanha Free the Nipple, as edições de 2017 e 2018 da Marcha das Mulheres e o movimento #MeToo. Em dezembro de 2017, a revista Time deu a diversas ativistas proeminentes do movimento #MeToo o título de Pessoa do Ano, chamando-as de “quebradoras do silêncio”.[7][8]
História
editarA jornalista Pythia Peay defendeu a existência de uma quarta onda já em 2005, que enfocava a justiça social e os direitos civis,[9] e em 2011 a ativista da terceira onda Jennifer Baumgardner definiu o ano de 2008 como o início da quarta onda.[10] O Twitter, a rede social mais popular entre as pessoas com idades entre 18 e 29 anos, foi criado em 2006,[11] tornando o feminismo mais acessível e dando início ao chamado “feminismo hashtag”.[12] Em 2013 Kate Cochrane afirmou que muitas das lideranças da quarta onda eram adolescentes ou tinham 20 e poucos anos.[1]
Por volta de 2013 já parecia óbvio que uma nova onda de protestos feministas estava acontecendo. Quando a senadora americana pelo estado do Texas Wendy Davis obstruiu os trabalhos legislativos por 13 horas para impedir a aprovação de um projeto de lei anti-aborto, diversas mulheres demonstraram seu apoio se reunindo no entorno do Capitólio estadual do Texas, e aquelas que não puderam estar fisicamente presentes usaram a hashtag #StandWithWendy. De modo similar, as mulheres protestaram contra as perguntas sexistas endereçadas às mulheres do meio artístico através da hashtag #askhermore.[13]
Ideias
editarCochrane cita como temas principais enfocados pela quarta onda o assédio sexual (incluindo o assédio nas vias públicas), a discriminação no ambiente do trabalho, a gordofobia, as representações machistas na mídia, a misoginia online, a violência nos transportes públicos, a interseccionalidade e o uso das redes sociais para fins de comunicação e de petições online para fins de organização.[1] [14][15]
Dentre os livros associados à nova onda estão Os Homens Explicam Tudo para Mim (2014), de Rebecca Solnit (que deu origem ao termo mansplaining); The Vagenda (2014), de Rhiannon Lucy Cosslett e Holly Baxter (baseado na revista online feminista The Vagenda, lançada em 2012); Sex Object: A Memoir (2016), de Jessica Valenti; e Everyday Sexism (2016), de Laura Bates (baseado no projeto Everyday Sexism, também de autoria de Bates).[16] O livro de Cosslett e Baxter tem como objetivo questionar os estereótipos de feminilidade promovidos pela mídia feminina tradicional.[17] Bates, escritora feminista britânica, criou o projeto Everyday Sexism em 16 de abril de 2012, na forma de um fórum online onde mulheres podiam compartilhar suas experiências com o assédio cotidiano.[18]
Críticas
editarUma crítica frequente à quarta onda do feminismo é quanto a sua dependência da tecnologia. Conforme argumentou Ragna Rök Jóns na Revista Bluestockings em 2013, “o principal problema com que esta ‘Quarta Onda’ precisará lidar é o acesso e a propriedade desproporcionais de dispositivos digitais”. A quarta onda carrega consigo a “discriminação de classe e o capacitismo inerentes” que surgem quando as vozes mais importantes são as daqueles que podem usar e pagar pela tecnologia.[19]
Também se argumenta que quando o ativismo se dá principalmente através do Twitter as pessoas podem acabar não sentindo necessidade de fazer mais nada para ajudar. Em um artigo para o site Newuniversity.org, Alex Guardado argumenta que depois de fazer sua parte as pessoas “seguem normalmente o curso de seu dia, favoritando ou compartilhando outros posts”. É possível considerar-se um ativista sem participar de um único protesto ou levar sua mensagem para além do espaço compartilhado no Twitter.[20]
Em 2014, Jennifer Simpkins argumentou no Huffington Post que a quarta onda do feminismo criou uma atmosfera hostil, semelhante àquela mostrada no filme Meninas Malvadas, na qual as mulheres estão mais propensas a atacar umas às outras. “A verdade é que nunca fui diminuída ou atacada por um homem porque eu acreditava na causa feminista”, ela afirmou, “mas as mulheres parecem sempre prontas para golpear a pinhata esfarrapada que são os meus gostos e opiniões pessoais.”[21]
Ver também
editarNotas
editar- ↑ a b c d Cochrane, Kira (10 de dezembro de 2013). «The Fourth Wave of Feminism: Meet the Rebel Women». The Guardian
- ↑ Chamberlain 2017, p. 115.
- ↑ Solomon, Deborah (13 de novembro de 2009). «The Blogger and Author on the Life of Women Online». The New York Times. Consultado em 25 de fevereiro de 2018
- ↑ Zerbisias, Antonia (16 de setembro de 2015). «Feminism's Fourth Wave is the Shitlist». NOW Toronto. Consultado em 25 de fevereiro de 2018
- ↑ Cochrane 2013.
- ↑ Sobre os casos de Cosby e Ghomeshi, o #MeToo, e a quarta onda, ver Matheson, Kelsey (17 de outubro 2017). "You Said #MeToo. Now What Are We Going To Do About It?", The Huffington Post. Sobre o caso de Savile, ver Chamberlain 2017, pp. 114–115 Sobre a No More Page 3, ver Thorpe, Vanessa (27 de julho 2013). "What now for Britain's new-wave feminists – after page 3 and £10 notes?", The Guardian. Sobre o massacre de Isla Vista, ver Bennett, Jessica (10 de setembro de 2014). «Behold the Power of #Hashtag Feminism». Time
- ↑ Zacharek, Stephanie; Dockterman Eliana; and Sweetland Edwards, Haley (6 December 2017). "The Silence Breakers", Time magazine.
- ↑ Redden, Molly, and agencies (6 December 2017). "#MeToo movement named Time magazine’s Person of the Year", The Guardian.
- ↑ Peay, Pythia (2005). «Feminism's Fourth Wave». Utne Reader (128). Topeka, Kansas: Ogden Publications. pp. 59–60. Consultado em 25 de fevereiro de 2018
- ↑ Baumgardner 2011, p. 250.
- ↑ Brodzky, Brandon (18 de novembro de 2014). «Social Media User Statistics & Age Demographics for 2014». LinkedIn Pulse. Consultado em 16 de março de 2016
- ↑ Bennett 2014.
- ↑ Chittal, Nisha (26 de março de 2015). «How Social Media is Changing the Feminist Movement». MSNBC
- ↑ Abrahams, Jessica (14 de agosto de 2017). «Everything you wanted to know about fourth wave feminism—but were afraid to ask». Prospect
- ↑ Martin, Courtney E.; Valenti, Vanessa (15 de abril de 2013). «#FemFuture: Online Revolution» (PDF). Barnard Centre for Research on Women
- ↑ Bates 2014.
- ↑ «Letter from the Editor». The Vagenda. 19 de janeiro de 2012
- ↑ Aitkenhead, Decca (25 de janeiro de 2014). «Laura Bates Interview: 'Two Years Ago, I Didn't Know What Feminism Meant'». The Guardian
- ↑ Jóns, Ragna Rök (19 de agosto de 2013). «Is the '4th Wave' of Feminism Digital?». Bluestockings Magazine
- ↑ Guardado, Alex (3 de março de 2015). «Hashtag Activism: The Benefits and Limitations of #Activism». New University. University of California, Irvine
- ↑ Simpkins, Jennifer (20 de janeiro de 2014). «'You Can't Sit with Us!' – How Fourth-Wave Feminism Became 'Mean Girls'». The Huffington Post
Referências
editar- Bates, Laura (2014). Everyday Sexism. London: Simon & Schuster. ISBN 978-1-4711-3157-8
- Baumgardner, Jennifer (2011). F'em! Goo Goo, Gaga, and Some Thoughts on Balls. Berkeley, California: Seal Press. ISBN 978-1-58005-360-0
- Chamberlain, Prudence (2017). The Feminist Fourth Wave: Affective Temporality. [S.l.]: Palgrave Macmillan. ISBN 978-3-319-53682-8. doi:10.1007/978-3-319-53682-8
- Cochrane, Kira (2013). All the Rebel Women: The Rise of the Fourth Wave of Feminism. London: Guardian Books. ISBN 978-1-78356-036-3
- Rivers, Nicola (2017). Postfeminism(s) and the Arrival of the Fourth Wave. [S.l.]: Palgrave Macmillan. ISBN 978-3-319-59812-3. doi:10.1007/978-3-319-59812-3
Ligações externas
editar- Diamond, Diana (2009). «The Fourth Wave of Feminism: Psychoanalytic Perspectives». Studies in Gender and Sexuality. 10 (4): 213–223. ISSN 1940-9206. doi:10.1080/15240650903228187
- Munro, Ealasaid (2013). «Feminism: A Fourth Wave?». Political Insight. 4 (2): 22–25. doi:10.1111/2041-9066.12021
- Retallack, Hanna; Ringrose, Jessica; Lawrence, Emilie (2016). «'Fuck Your Body Image': Teen Girls' Twitter and Instagram Feminism in and around School». In: Coffey, Julia; Budgeon, Shelley; Cahill, Helen. Learning Bodies: The Body in Youth and Childhood Studies. 2. Singapore: Springer. pp. 85–103. ISBN 978-981-10-0306-6. doi:10.1007/978-981-10-0306-6_6