Pseudobatos horkelii
Pseudobatos horkelii (anteriormente conhecida como Rhinobatos horkelii), popularmente chamada de raia-viola ou raia-viola-de-focinho-longo, é um elasmobrânquio da família Rhinobatidae, endêmico do Oceano Atlântico Ocidental[2][3][4].
Pseudobatos horkelii | |||||||||||||||
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Estado de conservação | |||||||||||||||
Em perigo crítico [1] | |||||||||||||||
Classificação científica | |||||||||||||||
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Nome binomial | |||||||||||||||
Pseudobatos horkelii Müller e Henle, 1841 | |||||||||||||||
Sinónimos | |||||||||||||||
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Etimologia
editarPseudobatos vem das palavras gregas pseudēs, que significa “falso” e batis, “raia”[5][6], enquanto horkelii foi batizado em homenagem ao botânico alemão Dr. Johann Horkel da Universidade de Berlim, que proveu uma amostra da espécie preservada em álcool[7].
Já o nome “raia-viola” foi atribuído por conta do formato do corpo, que se assemelha a um instrumento musical quando visto por cima[8].
Taxonomia e sistemática
editarDe acordo com os esquemas, a raia-viola é do filo dos cordados, e ainda é um peixe cartilaginoso (Chondrichthyes), assim como os tubarões, seus parentes próximos, tanto que muitas vezes costumamos nos referir ao grupo dos “tubarões e raias”[9]. Como dito anteriormente, antes a espécie do verbete em questão era denominada de Rhinobatos horkelii, porém, com sua reclassificação em 2016, passou a ser reclassificado como Pseudobatos horkelii[3][4]. A tabela logo ao lado mostra brevemente a sua classificação taxonômica, desde o Reino até a espécie a qual pertence além de seu estado de conservação/ ameaça atual.
O Clado abaixo, ilustra um pouco a linhagem genética até encontrarmos os cordados (Chordata).
Deuterostomia |
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Clado 1: Clado dos Cordados[10]
Logo abaixo, podemos agora ver o clado que ilustra brevemente a linhagem genética dos tubarões e raias, e nele está destacada onde se encontra a espécie do verbete: Pseudobatos horkelii.
Clado 2: Clado dos tubarões e raias ( CHIMAERIFORMES ) [11]
Distribuição geográfica e habitat
editarDe acordo com o Sistema de Informação sobre a Biodiversidade Brasileira[12], teve seu primeiro registro no ano de 1700, no estado do Rio de Janeiro - BR (-23.047718 / -43.349847) e identificado por Garman S. Ledger.
O registro mais recente da P. horkelii ocorreu no ano de 2014, por Alberto Ferreira De Amorim, na cidade de Santos/SP - BR (-24.5 / -45783333), mais precisamente na plataforma Continental entre 40 e 70 metros de profundidade[12]. Os referidos dados podem ser acessados na base de dados do Instituto Chico Mendes de Conservação e Biodiversidade (ICMBio)[13].
Os seguintes mapas demonstram a distribuição da espécie ao longo da costa brasileira, tendo inclusive registros em parte da costa uruguaia. É possível perceber maior concentração da espécie na região do extremo sul e sudeste do Brasil[14].
Em geral, seu habitat é configurado por ambientes bentônicos da plataforma continental, podendo ser encontrados em fundos de areia ou de lama. A Raia-viola adulta vive nas águas costeiras mais rasas de novembro a março, época de acasalamento e nascimento dos filhotes. Em seguida, movem-se para o mar e podem ser encontradas pelo resto do ano em águas de até 130 pés de profundidade. Os recém-nascidos e juvenis vivem em águas de até 20 pés de profundidade durante todo o ano[15]. Na região sul do Brasil, ocorre ao longo do ano, sem variação sazonal de sua abundância, classificando-a como espécie residente desta área como um todo[16].
Biologia e história natural
editarReprodução e Ciclo de Vida
editarP. horkelii é uma espécie vivípara de gestação lecitotrófica, onde os embriões desenvolvem-se utilizando os grandes sacos vitelinos dos ovócitos maduros como reserva nutricional[17]. Esses ovócitos contém aproximadamente 30 g de vitelo, utilizados pelos embriões até nascerem com peso médio de 50 g. Após o nascimento, o neonato ainda possui dentro de seu abdômen uma reserva de cerca de 7 g de vitelo, que o sustenta durante os primeiros dias de sua vida livre[18]. Durante todo o primeiro ano de vida os filhotes e juvenis permanecem em águas rasas costeiras[19][20].
O ciclo reprodutivo desses batóides é anual e sincronizado entre a população, o que significa que todas as fêmeas adultas dão à luz na mesma época do ano. Migrações sazonais ocorrem entre profundidades e estão relacionadas com o ciclo reprodutivo da espécie e variações de temperatura ao longo da costa da Plataforma Sul. Após a cópula, as fêmeas se dispersam em águas profundas, onde mantêm seus embriões em letargia por muitos meses até o final da primavera, quando retornam para águas costeiras rasas (em profundidades de até 20 m) e mais quentes (20 a 25 oC) e o desenvolvimento embrionário se inicia. Desse modo, o período entre a fecundação e o nascimento dos neonatos é de aproximadamente 12 meses, embora o desenvolvimento do embrião dure apenas 4 meses. Logo após o parto, as fêmeas copulam novamente, e em todos os momentos, exceto durante o breve intervalo entre o parto e a gravidez subsequente, as fêmeas adultas estão prenhes, e tem de 3 a 12 filhotes por gestação. O tamanho da ninhada está relacionado ao tamanho das fêmeas adultas, que podem chegar a 135 cm de comprimento total (CT), enquanto os machos podem atingir CT de 125 cm[18][19][20].
Já a maturidade sexual inicia-se nos machos dos 4 aos 5 anos, com 75 cm a 87 cm de comprimento total. Nas fêmeas ocorre dos 5 aos 8 anos, com 75 cm a 110 cm de CT, sendo que a maturidade tardia nas fêmeas se dá por conta da maior longevidade, podendo chegar a 28 anos, em comparação com os machos que costumam viver aproximadamente 15 anos[19][20].
Alimentação
editarA alimentação das raias-viola é composta por invertebrados bentônicos, poliquetas, crustáceos, moluscos bivalves e peixes[19].
Características da espécie
editarOs representantes do gênero Pseudobatos são reconhecidos por possuírem o corpo coberto por dentículos dérmicos, caudas longas e largas e região anterior do corpo em formato de disco subtriangular, com focinho rígido formado por uma grande cartilagem rostral. Possuem narinas compridas com coroa transversalmente achatada. As raias da espécie P. horkelii ainda apresentam de 56 a 68 dentes na mandíbula superior e 62 a 74 dentes na inferior, que aumentam de tamanho em direção ao centro das mandíbulas, e o dorso de coloração uniforme marrom-chocolate ou verde-oliva acinzentado, não possuindo marcas mais pálidas ou escuras. As barbatanas dorsais têm formato triangular e possuem tamanhos semelhantes, com margens retas ou ligeiramente convexas[21][22][23].
O crescimento do clásper é mais rápido perto da idade em que se atinge a maturidade sexual, padrão comumente observado em várias espécies de elasmobrânquios. Testículos e ovários também tornam-se mais pesados em função do CT de machos e fêmeas. O aumento de peso das gônadas reflete o investimento na reprodução através da atividade vitelogênica e da secreção de espermatozoides[24][25].
Comportamento
editarPouco se sabe sobre o comportamento de P. horkelli, além do que se foi estudado sobre reprodução e alimentação. Devido à baixa quantidade de dados, existem poucos ou nenhum plano de manejo para seus recursos. Países que possuem regulamentação sobre a exploração tendem a diferir de acordo com a localização, e, principalmente por apresentarem comportamento migratório, dificultam-se os planos de manejo para a maioria das espécies de raias[26].
Conservação
editarP. horkelli é o elasmobrânquio de status populacional mais ameaçado e sua abundância atual está reduzida a aproximadamente 16% da original, por conta da exploração pesqueira industrial[27]. A espécie é endêmica da plataforma continental do Atlântico Sudoeste, e está avaliada como “Criticamente Ameaçada” pela IUCN e ICMBio, pois nas últimas quatro décadas estima-se que a população teve um declínio de mais de 90% em detrimento das ameaças que sofrem, sobretudo à sobrepesca. Em relação às listas estaduais, a espécie é avaliada como Vulnerável (VU) em São Paulo e no Rio de Janeiro, e Criticamente Ameaçada (CR) em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul[28].
Principais ameaças à espécie
editarMuitos elasmobrânquios, no geral, são extremamente vulneráveis a superexploração e sobrepesca em razão de algumas características biológicas associadas aos comportamentos de K estrategistas, como longevidade, maturação sexual tardia, períodos gestacionais muito longos, e baixa fecundidade, e por isso podem ser bioindicadores em relação a ambientes que sofrem com pressão de pesca[29]. Entre as principais ameaças à espécie em questão, uma das mais relevantes é a captura da pesca demersal mista com arrasto-simples e arrasto-de-parelha, onde ambos os métodos deveriam capturar somente peixes ósseos demersais (que vivem no substrato) da plataforma continental do sul do Brasil, mas também capturam acidentalmente muitas raias-violas e outras espécies marinhas demersais. Não obstante, a sobrepesca e a pesca acidental ameaçam grande parte dos elasmobrânquios e muitas outras espécies marinhas ameaçadas ou não de extinção, elevando a necessidade de estratégias de mitigação acerca desse problema[28].
Ainda em relação a esse problema, muitos pesquisadores relatam dificuldades no manejo das espécies capturadas por não conseguirem obter a identificação necessária, uma vez que é muito comum o corte de partes dos animais que não são essenciais aos pescadores, como a cabeça, barbatanas e caudas, o que acaba por dificultar a identificação morfológica e, consequentemente, acarreta em problemas de manejo e conservação das espécies ameaçadas[30]. Além disso, mesmo quando todas as espécies capturadas acidentalmente são enviadas novamente para o mar, a maioria não consegue sobreviver em detrimento de todos os impactos físicos que sofreram durante a captura[29].
Apesar disso ocorrer, existe uma Instrução Normativa nº005 de 21 de Maio, revalidado pela Portaria nº 445 de 17 de dezembro de 2014 que diz que a captura, transporte, armazenamento, manuseio, processamento e comércio dessas espécies são totalmente proibidas no Brasil, a menos que seja para fins científicos devidamente justificados, e ainda assim, espécies como a P. horkelii podem vir a se extinguir em breve com a continuidade dessa prática ilegal, caso não haja uma pressão sob as estratégias de conservação e educação ambiental[31]. No caso de P. horkelli, há uma grande ameaça de sobrepesca à espécie no sul do Brasil, mesmo que ela seja dependente dessa área para o seu ciclo de vida[28]. O declínio da espécie foi relatado em >80% desde 1986, e conforme apontam estatísticas de estimativa de dados, caso a conservação da espécie não seja priorizada, ela poderá ser extinta em aproximadamente uma década[32].
Em razão desse grande problema, para identificar a espécie, pesquisadores como Ogden (2008) utilizam metodologias com ferramentas moleculares, a fim de avaliar a quantidade de espécies exploradas, identificá-las, e auxiliar no processo de fiscalização dos crimes ambientais relacionados à pesca de elasmobrânquios para impedir a pesca ilegal[33]. Uma pesquisa que usou tais ferramentas para identificar indivíduos de raias-violas no comércio da região sudeste brasileira, conseguiu observar que a espécie compreendia 56% das raias vendidas no local[34]. Vale salientar que, no território brasileiro, espécies de elasmobrânquios são comercializados com o nome “cação”, o que também dificulta o processo de reconhecimento dos animais e aplicação de medidas mitigatórias[35].
No que diz respeito a comportamentos reprodutivos e migratórios, estes são fatores que também tornam a espécie suscetível às ameaças trazidas pelos hábitos de pesca, pois, nos períodos de reprodução, a espécie torna-se altamente acessível aos pescadores ao concentrar-se em uma zona costeira estreita[29].Também, o tráfego marítimo gera mudanças nos comportamentos dessas espécies e é considerado um fator de risco para esses animais.[36]
Embora a pesca seja uma das principais ameaças à espécie e aos elasmobrânquios como um todo, existem outros fatores maléficos à espécie, como a poluição sonora e a contaminação ambiental pelo despejo de efluentes no mar. A audição tem papel essencial para os hábitos bioecológicos de animais aquáticos e, portanto, fontes sonoras antropogênicas são capazes de comprometer os comportamentos que envolvem a percepção de sinais acústicos. Alguns autores verificaram que a poluição sonora modifica o comportamento natural das espécies, como Scyliorhinus canicula, e apesar disso ser um fator potencialmente ameaçador às espécies aquáticas, o tema ainda é pouco explorado dentro da comunidade científica[37].
No tocante a contaminação ambiental, existe também uma carência de pesquisas em relação ao tema, mesmo considerando a amplitude do problema. Um estudo feito por Martins et al. em 2020, mostrou que nas praias do litoral de São Paulo algumas espécies como a P. horkelii estão expostas a metais pesados em concentrações acima dos limites de segurança, como Cádmio, Cromo e Chumbo[38]. Outro estudo, desta vez realizado por Martins, Costa e Bianchini em 2020, detectaram concentrações altas de Hidrocarbonetos Aromáticos Policíclicos (PAHs) e produtos farmacêuticos e de cuidados pessoais (PPCPs) nos tecidos de P. horkelii, bem como outros compostos em menores quantidades - mas ainda significativas - como pesticidas emergentes e metais[39]. No caso dos PAHs, foi estudado que, além de afetarem indivíduos adultos da espécie, eles também comprometem a saúde de embriões através da taxa de transferência materna desses compostos[40]. Ambas as pesquisas indicam que a espécie sofre com a exposição a contaminantes variados que podem comprometer a espécie a longo prazo, além de implicações na saúde humana, uma vez que a espécie é comercializada como cação[38][39][40].
Estratégias de conservação
editarDando importância aos fatores de risco às espécies de elasmobrânquios, e os declínios populacionais que eles estão ocasionando, algumas espécies ameaçadas, como P. horkelii, foram incluídas em planos de conservação focados em elasmobrânquios. A espécie está presente no planejamento do Plano de Ação Nacional para a conservação dos Tubarões e Raias Marinhos Ameaçados de Extinção, que busca traçar objetivos específicos para a conservação das espécies a curto prazo[36]. No mais, o Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção (2018) também cita algumas medidas mitigadoras que devem ser tomadas para a conservação de espécies do gênero Pseudobatos ou Rhinobatos, como a criação de legislações, monitoramento e fiscalização a bordo, proibição da rede de emalhe, zoneamento de áreas de exclusão à pesca, proibição ou exclusão de determinados tipos de pesca, entre outros objetivos.[28]
Aspectos culturais
editarUm dos diversos fatores que colocam Pseudobatos horkelii na situação de criticamente ameaçada, como já dito anteriormente, é pesca exagerada, uma vez que o mesmo é comumente pescado junto com os animais de interesse, acabando morto e descartado, sendo uma das espécies mais prejudicadas por esse processo. Esse fator somado à sua lenta reprodução, faz com que a situação se agrave ainda mais[41].
Entretanto, um dos fatores que acabam por piorar ainda mais a ameaça do animal é a escassez de informações, já que como este não é de interesse econômico e/ou comercial, sua pesquisa não é prioridade para os órgãos financiadores. Assim sendo, é difícil sensibilizar a campanha para a proteção de animais que não tem interesses econômicos, porém, caso o animal seja extinto, ou se sua população seguir sofrendo prejuízos, pode-se causar problemas na teia alimentar, que podem ser desde graves a catastróficos, de forma que não podemos ponderar ao certo todas as consequências desta intrincada cadeia, porém, pode-se dizer que é bem possível que em última consequência, os próprios peixes que são alvos e interessantes para a pesca de fato sejam afetados pelo desaparecimento de outras espécies[41].
São nas regiões Sul e Sudeste onde a pesca comercial, principalmente de atum e tubarões, ocorre de maneira mais intensa, porém, é na região da costa dos estados da Bahia, do Rio de Janeiro e do Espírito Santo onde a pesca de tubarões e raias tem maior importância econômica, social e cultural, sendo a carne de raia muito bem vinda na preparação de moquecas, como uma iguaria culinária em algumas dessas regiões. Além disso, existe o fato de que mergulhadores capturam alguns desses animais vivos (inclusive P. horkelli) para serem vendidos como animais de estimação ou peixes ornamentais[41].
Outro grande problema que vem sendo inimigo das raias, o qual também gerado pelo homem, é a poluição, principalmente derramamento de esgoto no ambiente marinho. Na baía de Todos os Santos há registros de raia-viola, dessa vez a Rhinobatos percellens, capturadas com deformidades congênitas[41].
Somado ao problema da pesca que vem aumentando, principalmente em 1998, em que houve um pico das atividades pesca, tanto nacionais como internacionais na áreas do país, há mais um fator cultural: o ecoturismo. Embora muitas vezes visto como uma atividade sustentável, o problema nesse ponto é que muitos donos de hotéis ou empresas patrocinam a morte de raias em águas rasas, muitas vezes mandando matá-las, já que os turistas ao entrar na água levam ferroadas, que muitas vezes são doloridas e de difícil cicatrização[41].
Referências
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