Sã qui turo zente pleta
"Sã qui turo zente pleta"[1] é um vilancico negro português anónimo,[1] escrito por volta de 1643.[1] Originalmente destinava-se à celebração religiosa do Natal.[2] Chegou aos nossos dias através de um único manuscrito (MM 50[2][3]) na Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra,[1] proveniente do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra.[3]
Após a sua redescoberta e publicação tem gozado de grande popularidade nacional[2] e internacional.
Letra
editarO texto da obra está escrito numa imitação do português falado por um grupo de escravos africanos.[1] Estes, seguindo uma estrutura comum nos vilancicos étnicos, identificam a sua proveniência e propósito no início da composição. Dizem ser escravos negros da Guiné e estão preparados com diversos instrumentos musicais para celebrar o nascimento do Menino Jesus, o Emanuel:
“ | Sã qui turo zente pleta, turo zente de Guine, he he he. Tambor flauta y cassaeta, y carcave na sua pé, he he he. Vamos o fazer huns fessa, o menino Manué, he he he.[1] |
” |
De seguida, eclode uma acesa discussão, em que cada um dos escravos incentiva outro a cantar; A intervenção de um dos negros termina-a:
“ | — Canta Bacião! — Canta tu Thomé! — Canta tu Flansiquia! — Canta tu Caterija! — Canta tu Flunando! — Canta tu Resnando! — Oya, oya, turo neglo hare cantá![1] |
” |
Depois, chega finalmente a festa. Celebram a liberdade recebida, tocando, dançando e cantando, dando vivas a Maria, José e Jesus:
“ | Ha! cantamo e bayamo, que forro ficamo. Ha! tanhemo y cantamo, Ha! frugamo y tanhemo, Ha! tocamo pandero, ha flauta y carcavé. Ha! dizemo que biba; biba mia siola y biba Zuzé![1] — Anda tu, Flancico, bori mo esse pé! Biba esse menino que mia Deuza he; biba Manué![4] |
” |
A letra termina com uma última saudação ao Menino Emanuel, louvando o seu nascimento e a sua missão: há de morrer para libertar (alforriar) os cativos:
“ | Nacemo de huns may donzera huns rey, que mia deuza he. Que ha de forra zente pleta que cativo he. Dar sua vida por ella que su amigo até moré.[4] |
” |
Música
editarA melodia do vilancico apresenta propositadamente reminiscências da música tradicional africana[5]. É um vilancico a 8 vozes[6].
Gravações
editar- 1975 — Festival of Early Latin American Music. Roger Wagner Chorale. Eldorado S-1. Faixa 5: "Sã qui turo zente pleta".[7]
- 1988 — Matinas do Natal - Responsórios e vilancicos dos séc. XVI - XVII. Coral Vértice. EMI. Faixa 10: "Sã qui turo zente pleta".[8]
- 2001 — La Mar de la Musica. Vozes Alfonsinas. EMI-Classics. Faixa 19: "Sã qui turo zente pleta".
- 2006 — A Celebration of Hispanic Music. Santa Fe Desert Chorale. Clarion. Faixa 15: "Sã qui turo zente pleta".[12]
- 2006 — Los impossibles. L'Arpeggiata e The King's Singers. Naïve. Faixa 1: "Sã qui turo".[7]
- 2007 — Vilancicos negros do século XVII. Coro Gulbenkian. Portugaler. Faixa 1: "Sã qui turo zente pleta".[13]
- 2014 — Misa Criolla and popular devotion in Early Music. Adrián Rodríguez Van der Spoel. Cobra Records. Faixa 9: "Sã qui turo zente pleta".[14]
- 2016 — Nova Europa. Secunda Pratica. Centre culturel de rencontre d’Ambronay. Faixa 21: "São qui turo".
Referências
- ↑ a b c d e f g h Anne Storch (2011). Secret Manipulations. Language and Context in Africa (em inglês) 1 ed. Nova Iorque: Oxford University Press. p. 118
- ↑ a b c «Concerto na Igreja de São Roque». Agência Ecclesia. 17 de março de 2008. Consultado em 2 de janeiro de 2015
- ↑ a b Jorge Matta (2009). Manuscrito 50 da Biblioteca geral da Universidade de Coimbra. vilancicos, romances e chansonetas de Santa Cruz de Coimbra, século XVII. 1 ed. Lisboa: Edições Colibri
- ↑ a b John M. Lipski (2009). A History of Afro-Hispanic Language. Five Centuries, Five Continents (APPENDIX) (em inglês). Pennsylvania: [s.n.] p. 14
- ↑ George J. Buelow (2004). A History of Baroque Music (em inglês) 1 ed. Indiana: Indiana University Press. pp. 372, 373, 374. ISBN 0-253-34365-8. Consultado em 13 de janeiro de 2015
- ↑ Samuel Claro Valdés (1977). Revista musical chilena Vol. 31, No. 139-1 (pdf). Veinticinco años de labor iberoamericana del doctor Robert Stevenson (em espanhol). Santiago: [s.n.] p. 132. Consultado em 14 de janeiro de 2015
- ↑ a b «SearchWorks catalog». Consultado em 14 de janeiro de 2015
- ↑ Luísa Cymbron; Joaquim Carmelo Rosa. «Para uma discografia da música portuguesa» (PDF). pp. 16, 54. Consultado em 10 de março de 2015
- ↑ «Native Angels». Consultado em 14 de janeiro de 2015
- ↑ «¡IBERIA!». Consultado em 14 de janeiro de 2015
- ↑ «CHRISTMAS WITH CHANTICLEER (DVD)». Consultado em 14 de janeiro de 2015
- ↑ «A Celebration of Hispanic Music». Consultado em 14 de janeiro de 2015
- ↑ «Vilancicos negros do século XVII». 20 de junho de 2010. Consultado em 14 de janeiro de 2015
- ↑ «Misa Criolla». Consultado em 14 de janeiro de 2015