Senhora Misteriosa
A Senhora Misteriosa é uma múmia em exposição na Galeria de Arte Antiga do Museu Nacional de Varsóvia. Foi a primeira múmia egípcia grávida já descoberta com um bebê ainda no ventre.[1][2] Arqueólogos do Projeto Múmia de Varsóvia a apelidaram assim por conta das incertezas sobre sua origem.[1][3] Ao analisar o corpo embalsamado em uma tomografia computadorizada, chamou atenção dos pesquisadores a presença de um pequeno pé no abdome da múmia que, por conta das inscrições em sua tumba, anteriormente acreditavam ser a múmia do sacerdote Hor-Djehuty.[4] A partir disto, descobriu-se que a múmia estava grávida de 26 a 30 semanas quando morreu e que o bebê não havia sido retirado de seu corpo junto de seus órgãos.[4] Acredita-se que a mulher morreu quando tinha de 20 a 30 anos de idade, no século I a.C.[1] A descoberta dos arqueólogos foi divulgada em um artigo científico publicado na revista Journal of Archaeological Science,[5] no dia 29 de abril de 2021.[1] Autoridades em arqueologia do Egito contestaram o ineditismo do caso e reivindicaram a volta da múmia ao seu país de origem.[6] [7]
Doação
editarA Senhora Misteriosa foi doada à Universidade de Varsóvia em 1826 por Jan Węzyk-Rudzki, que afirmava esta ter sido descoberta nas tumbas reais de Tebas, no Egito.[3][8] No entanto, os pesquisadores do Projeto Múmia de Varsóvia afirmaram que essa alegação era comum no século XIX e tinha por objetivo agregar valor a antiguidades a partir de supostas relações com lugares famosos.[3] As informações constantes no inventário do museu e no obituário do doador indicam sua origem na Pirâmide de Quéops, em Gizé.[8]
Também por conta da busca por valorização do objeto de antiguidade, acredita-se que o corpo foi colocado no sarcófago de um sacerdote.[3] Por mais que esteja em bom estado de preservação, marcas em seu pescoço podem indicar que a múmia já havia sido exposta para venda, sendo o pescoço utilizado para pendurar um encarte com o preço.[3] Na época em que foi doada à Universidade, não era incomum que acontecessem saques e embrulhos de restos mortais por negociantes.[9] Existe também a possibilidade de que a múmia e o caixão tenham sido encontrados em lugares diferentes.[8]
Descobertas
editarEm 1917, a Universidade de Varsóvia emprestou a múmia ao Museu Nacional de Varsóvia, onde desde então está exposta, dentro do sarcófago no qual foi doada, na Galeria de Arte Antiga.[10][11][12] O caixão mede 162 x 42 x 28 cm, está catalogado no museu com o mesmo número que a múmia: 236805/3.[8]
A descoberta sobre a gravidez da Senhora Misteriosa foi considerada a mais importante já feita pelo Projeto Múmia de Varsóvia e fazia parte de um grupo de mais de quarenta outras múmias que, rotineiramente, são analisadas pelos pesquisadores do Museu de Varsóvia.[9][13][14] Desde 2016 já era conhecido o fato de que a múmia se tratava na verdade de uma mulher.[15] A descoberta partiu de uma análise por tomografia computadorizada, que permitiu, sem a abertura da múmia, que os pesquisadores identificassem o sexo feminino.[16] Além de uma estrutura esquelética delicada, a ausência de um pênis e a visualização de cabelos longos e seios embalsamados chamou a atenção dos arqueólogos.[4] O caixão no qual a múmia se encontrava dizia:[17]
“ | Escriba, sacerdote de Hórus-Thoth adorado como uma deidade visitante no Monte de Djeme, governador Real da cidade de Petmiten, Hor-Djehuty, justificado pela voz, filho de Padiamonemipet e senhora da casa Tanetmin. | ” |
Outra inscrição no caixão afirma que o sacerdote cantava para o deus Montu.[8]
Por conta da boa qualidade do tecido utilizado para enrolar o corpo, os cientistas acreditam que a mulher mumificada pertencia às classes altas de sua sociedade, talvez até da comunidade médica.[2] A novidade foi a descoberta, publicada na revista Journal of Archeological Science [en],[5] no dia 29 de abril de 2021, de que a múmia estava grávida de 26 a 30 semanas.[15] A aproximação do tempo de gravidez foi feita a partir de exames que mediram o crânio do bebê em 25 centímetros.[18][17]
De acordo com a arqueóloga e antropóloga Marzena Ożarek-Szilke, as pesquisas já haviam sido finalizadas e os últimos detalhes para o envio de seus resultados à revista estavam sendo preparados quando ela e seu marido, Stanislaw, também arqueólogo do Projeto Múmia de Varsóvia, identificaram um pequeno pé no abdome da múmia.[10][19][20] Além do bebê, também foram encontrados quatro recipientes, provavelmente órgãos embalsamados, joias e amuletos valiosos dentro do corpo da mãe, o que reforça a tese sobre seu status social.[21] Entre os objetos estavam quatro amuletos que representavam os filhos do deus Hórus.[22]
De acordo com os pesquisadores do Projeto Múmia de Varsóvia, ainda é desconhecida a razão de o feto não ter sido retirado do corpo da mãe em sua mumificação, já que o procedimento comum seria a mumificação do feto em separado da gestante. Eles acreditam que o motivo pode ter sido religioso ou até mesmo a dificuldade de se retirar a criança de dentro do útero sem causar danos ao corpo a ser mumificado.[4] A permanência do feto no útero também poderia ocorrido pela preocupação em esconder a gravidez da mulher mumificada.[23] Uma outra possibilidade seria o fato de que, por não ser considerado um sujeito, sem ter uma identidade própria e sendo ainda parte do corpo da mãe, o bebê não teria como passar para o outro mundo sem ser como parte do corpo da mãe.[16][19] A múmia ainda não foi aberta, e a causa de sua morte ainda é desconhecida.[12] No entanto, a equipe espera descobrir o que levou a mulher a falecer a partir da análise de amostras de tecido do corpo embalsamado.[24] Uma das possibilidades é o alto índice de mortalidade infantil e também durante a gravidez na época de sua morte.[19]
Segundo Wojciech Ejsmond, coordenador da equipe que fez a descoberta, a Senhora Misteriosa pode colaborar com o conhecimento sobre como o aborto espontâneo, a saúde pré-natal e a própria gravidez eram tratados na Antiguidade, possibilitando estudos comparativos com casos contemporâneos.[10][16][17] Também o feto pode ajudar em novas descobertas. De acordo com um dos coordenadores do estudo, Wojciech Ejsmond, existe a possibilidade de estudar o intestino do feto para coletar informações sobre o desenvolvimento dos sistemas imunológicos na antiguidade.[22]
Nenhum outro caso similar foi encontrado até então, e por isso os pesquisadores consideram que a Senhora Misteriosa é um caso único em sua importância.[25]
Disputas de narrativa
editarO anúncio da descoberta da Senhora Misteriosa como a primeira múmia egípcia grávida já encontrada causou incômodo em arqueólogos egípcios que contestaram a falta de precedentes para o caso e protestaram pelo retorno da múmia ao Egito.[2]
Zahi Hawass
editarDe acordo com Zahi Hawass, ex-ministro das antiguidades do Egito, o primeiro caso de uma múmia grávida foi o esqueleto de uma anã, com 4.600 anos e descoberto em 2010, no planalto de Gizé, mais precisamente nos túmulos de trabalhadores das pirâmides.[26][2][6] Já em 2018, uma missão arqueológica ítalo-americana no projeto Com Ombo de Assuão encontrou a cova de uma mulher com os restos mortais de um feto ainda dentro de seu ventre. As evidências mostram que, neste caso, mãe e filho morreram durante o parto.[6] Dessa maneira, Hawass, que é arqueólogo, afirmou ser a descoberta dos arqueólogos de Varsóvia algo "muito normal".[6][7]
Abdul Rahim Rayhan
editarContestando a informação do ex-ministro, o arqueólogo Abdul Rahim Rayhan afirmou ser a Senhora Misteriosa o primeiro caso de um feto encontrado ainda dentro da barriga de uma mulher mumificada, sendo esse seu diferencial em relação às outras descobertas.[2][26] Em relação às outras descobertas, a Senhora Misteriosa se diferenciaria por não ter uma morte decorrida de complicações durante o parto.[27] Outra diferença importante em relação às outras descobertas é a fuga da regra em se embalsamar mãe e feto separadamente. Enquanto em algumas situações o bebê era colocado ao lado da mãe, em outras era devolvido ao ventre. No caso da Senhora Misteriosa, nenhuma das duas opções costumeiras foi adotada.[27]
Em críticas voltadas ao projeto Múmia de Varsóvia, Rayhan afirmou que os poloneses não levaram em conta os direitos morais e materiais do Egito e defendeu que os estudos baseados em objetos relativos à antiguidade egípcia deveriam ser feitos sob supervisão egípcia e informados ao Egito, país de origem dos artefatos. Rayhan ainda solicitou o retorno da múmia ao seu país de origem.[27]
Ver também
editarReferências
- ↑ a b c d «A surpreendente história por trás da 1ª múmia egípcia grávida descoberta». G1. Consultado em 1 de maio de 2021
- ↑ a b c d e Magdy, Muhammed (9 de maio de 2021). «Polish scientists discover pregnant Egyptian mummy». Al-Monitor (em inglês). Consultado em 16 de maio de 2021
- ↑ a b c d e «Pregnant Egyptian mummy revealed by scientists». BBC News (em inglês). 29 de abril de 2021. Consultado em 1 de maio de 2021
- ↑ a b c d «Cientistas da Polônia descobrem a primeira múmia egípcia grávida». CNN Brasil. Consultado em 1 de maio de 2021
- ↑ a b Wojciech Ejsmond, Marzena Ożarek-Szilke, Marcin Jaworski, Stanisław Szilke, (28 de abril de 2021). «A pregnant ancient egyptian mummy from the 1st century BC». Journal of Archaeological Science (em inglês). ISSN 0305-4403. doi:10.1016/j.jas.2021.105371
- ↑ a b c d El-Aref, Nevine (5 de maio de 2021). «A pregnant mummy: Not the first - Heritage - Al-Ahram Weekly». Ahram Online (em inglês). Ahram Online. Consultado em 24 de maio de 2021
- ↑ a b Mahrous, Muhammad (1 de maio de 2021). «Zahi Hawass detonates a surprise about the "pregnant mummy" in Luxor». Eg24 News (em inglês). Consultado em 24 de maio de 2021
- ↑ a b c d e Ejsmond, Wojciech; Ozarek-Szilke, Marzena; Jaworski, Marcin; Szilke, Stanisław (2021). «A pregnant ancient egyptian mummy from the 1st century BC». Elsevier. Journal of Archaeological Science. doi:10.1016/j.jas.2021.105371
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- ↑ Braziliense', 'Correio (30 de abril de 2021). «Múmia egípcia grávida é descoberta por cientistas poloneses». Ciência e Saúde. Consultado em 1 de maio de 2021
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- ↑ «Pela primeira vez, pesquisadores descobrem múmia egípcia grávida». Super Interessante. 5 de maio de 2021. Consultado em 13 de maio de 2021
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- ↑ «Cientistas anunciam descoberta inédita de múmia egípcia grávida». R7.com. 29 de abril de 2021. Consultado em 1 de maio de 2021
- ↑ «Conheça a história por trás da 1ª múmia egípcia encontrada grávida». iG. iG Último Segundo. 30 de abril de 2021. Consultado em 16 de maio de 2021
- ↑ «Pregnancy Detected in Ancient Egyptian Mummy - Archaeology Magazine». www.archaeology.org. Archaeological Institute of America. 30 de abril de 2021. Consultado em 16 de maio de 2021
- ↑ a b Mansour, Ahmed (3 de maio de 2021). «هل مومياء المرأة الحامل هى الحالة الوحيدة فى مصر القديمة؟ زاهى حواس يكشف». اليوم السابع. Consultado em 16 de maio de 2021
- ↑ a b c Algulf, Team. «Polish scientists discover a pregnant Egyptian mummy - Algulf» (em inglês). Consultado em 24 de maio de 2021
Ligações externas
editar- Projeto Múmia de Varsóvia (Warsaw Mummy Project).