Os shabaks[5] são um grupo étnico-religioso que vive principalmente nas aldeias de Ali Rash, Khazna, Yangidja e Tallara na comarca de Sinjar da província de Ninawa, no norte do Iraque. A sua língua é a shabaki, uma língua iraniana do grupo Zaza-Gorani. Tem sido sugerido que os antepassados dos shabaks pertencessem ao exército qizilbash liderado pelo xá Ismail I.[6][7]

Shabaks
Bandeira utilizado por alguns grupos shabaks[1]
População total

30.000[2] - 400.000[3]

Regiões com população significativa
 Iraque
Línguas
Shabaki, curdo, árabe
Religiões
Islamismo (maioritariamente xiismo,[3] mas com aspetos sincréticos[4])

Demografia

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Um censo de 1925 estimou o número de shabaks em 10.000 pessoas.[8] Nos anos 70, a sua população era estimada em cerca de 15.000.[9] Estimativas atuais da população shabak vão das 30.000[2] às 400.000 pessoas.[3]

Os shabaks dividem-se em três tribos: os Hariri, os Gergeri e os Mawsilî.[6]

História

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Origens

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As origens da palavra Shabak não são claras. Segundo alguns, Shabak deriva da palavra árabe شبك, com o significado de mistura, indicando que o povo shabak deriva de várias tribos.[10][11] O nome "Shabekan" ocorre entre tribos de Dersin, no norte do Curdistão, e "Shabakanlu" em Coração, no nordeste do Irão.

O arqueólogo britânico Austin Henry Layard (1817-1894) considerava que os shabak descendiam de curdos da então Pérsia, e acreditava que poderiam ter afinidades com os Ali-Ilahis[12][13][14] (uma religião sincrética praticada em partes do Irão). Outras teorias sugerem que os shabak descendem de turcomanos da Anatólia, apoiantes do Xá Ismail I, que foram forçados a se fixar na zona de Mossul depois da derrota na batalha de Chaldiran.[6][7]

Assimilação forçada

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A distribuição geográfica do povo shabak foi drasticamente alterada pelas deportações em massa durante a Operação Anfal em 1988 e pela crise de refugiados em 1991. Muitos shabaks, tal como Zengana e Hawrami foram levados para campos de concentração (mujamma'at em árabe) na região de Harir, no Curdistão iraquiano. Estima-se que cerca de 1.160 shabaks foram mortos nesse período. Além disso, as tentativas do governo iraquiano de assimilação forçada, arabização e perseguição religiosa pôs os shabaks sobre uma ameaça crescente. Como um shabak disse a um investigador: "O governo disse que éramos árabes, não curdos; mas se o somos, porque nos deportaram das nossas casas?"[15] As deportações terão sido baseadas no censo de 1987 (em que os habitantes poderiam declarar-se como "curdos" ou "árabes", não havendo outras opções, como "turcomano" ou "assírio") e terão afetado sobretudo os shabaks que escolheram identificar-se como "curdos".[16]

É provável que a auto-identificação étnica dos shabaks esteja ligada à sua afiliação religiosa, sendo os shabaks sunitas mais dados a se considerarem como "curdos".[17]

De acordo com analistas dos serviços de informação dos EUA, os shabaks estão atualmente sofrendo um processo de "curdificação", embora Ahmed Yusif al-Shabak, representante shabak no parlamento iraquiano, considere que os shabaks são curdos.[17]

No subdistrito de Bashiqa, na região de Mossul, onde os shabaks são 60% da população (sendo os restantes sobretudo iazidis, assírios, árabes e turcomanos), metade dos membros do conselho local são de origem curda.[18]

A 15 de agosto de 2005, shabaks realizaram uma manifestação com o slogan "Nós somos shabaks, não curdos, não árabes", exigindo o reconhecimento como uma identidade étnica distinta. A manifestação foi atacada a tiro pela milícia do Partido Democrático do Curdistão.[19]

A 21 de agosto de 2016, Hunain Qaddo, líder do Partido Democrático Shabak, propôs a criação de uma nova província, no leste de Ninawa, para proteger as minorias do Iraque tanto da curdificação como da arabização.[20]

A 20 de junho de 2006, membros das comunidades assíria e shabak apresentaram uma queixa ao primeiro-ministro e ao ministro do interior do Iraque acerca da subrepresentação das duas comunidades na polícia da região de Ninawa. 711 polícias assírios e shabaks foram colocados em Mossul em vez de nas suas localidades, enquanto nestas as vagas na polícia foram ocupadas por curdos.[21][22]

A 20 de dezembro de 2006, numa reunião promovida pela Equipa de Reconstrução Provincial de Ninawa, 10 líderes shabaks pronunciaram-se unanimamente contra a inclusão no Governo Regional do Curdistão das áreas habitadas por shabaks da região de Mossul. Vários chefes de aldeia shabaks referiram terem sido ameaçados para assinar a petição para a integração territorial promovida pelas autoridades curdas.[23]

A 13 de juçho de 2008, um grupo de homens armados não identificados assassinou Abbas Kadhim. Na altura Khdim pertencia à Assembleia Shabak Democrática e era um critico notório de processo de curdificação do povo shabal. De acordo com responsáveis shabaks, Kadhim tinha recebido bastantes ameaças de morte de membros dos peshmerga e do Partido Democrático do Curdistão.[18]

A 30 de junho de 2015, o conselho provincial de Ninawa distribuiu 6.000 lotes de terra a funcionários do estado. De acordo com Salem Khudr al-Shabaki, líder do Conselho Consultivo Shabak, a maioria dos lotes foram deliberadamente entregues a árabes.[24]

Cronologia de perseguições no século XXI

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  • A 16 de janeiro de 2012, pelo menos oito shabaks foram mortos e quatro feridos na explosão de um carro armadilhado em Bartilla.[25]
  • Entre 4 e 12 de março de 2012, quatro shabaks foram mortos e quatro feridos em vários incidentes separados em Mossul.[25]
  • A 10 de agosto de 2012, mais de 50 shabaks foram mortos ou feridos num ataque bombista suicida na aldeia de Al Muafaqiya.[26]
  • A 27 de outubro de 2012, durante o feriado do Eid al-Adha, vários shabaks foram mortos em Mossul por atiradores que entraram nas suas casas.[27]
  • A 17 de dezembro de 2012, cinco shabaks foram mortos e dez feridos na explosão de um carro armdilhado na cidade de Khazna.[28]
  • A 13 de setembro de 2013, uma bombista suicida mata 21 pessoas num funeral shabak perto de Mossul.[29]
  • A 17 de outubro de 2013, um veículo armadilhado explodiu num bairro shabak na cidade de Mwafaqiya, matando 15 pessoas e ferindo pelo menos 52.[30]
  • A 12 de julho de 2014, combatentes do Estado Islâmico pilharam a aldeia de Bazwaya na região de Mossul. No mesmo dia, dezasseis shabaks foram aprisionados pelo EI nas aldeias de Jiliocan, Gogjali e Bazwaya.[31]
  • A 23 e 30 de jhulho de 2014, o EI aprisionou 43 famílias shabaks em vários bairros de Mossul.[31]
  • A 13 de agosto de 2014, o EI destruiu a casa de um deputado iraquiano de origem shabak.[31]
  • Em agosto de 2014, o EI aprisionou 26 shabaks na região de Hamdaniya.[31]

Participação na Guerra Civil Iraquiana

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A província de Ninawa tem sido disputada pelo EI e por combatentes curdos. O povo shabak foi bastante afetado pelo combates de 2014,[3] levando um grande número de shabaks a fugirem para o Curdistão e cerca de 30.000 shabaks e turcomanos para o centro e sul do Iraque.[32]

Em setembro de 2014, o representante dos shabak no parlamento iraquiano, Salim Juma’a, anunciou a criação de uma mílicia de 1500 combatentes para lutar contra o EI.[33] A 23 de novembro de 2014 foi anunciada a formação da milícia Quwat Sahl Nīnawā — Forças do Planalto de Nínive[34] (não confundir com a milícia assíria ܚܝ̈ܠܘܬܐ ܕܕܫܐ ܕܢܝܢܘܐ, também traduzida para "Forças do Planalto de Nínive").

Religião

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É comum entre os shabaks considerarem-se como muçulmanos xiitas, mas a sua fé e rituais são largamente secretos[35] e diferem do islamismo tradicional, tendo características de uma religião independente. Há uma ligação próxima entre os shabaks e os iazidis: p.ex., os shabaks fazem peregrinações aos santuários iazidis.[4][36] No entanto, também fazem peregrinações a cidades santas xiitas como Najafe e Carbala.[37][10]

Os shabaks são por vezes considerados, nomeadamente por alguns sunitas,[3] como sendo "xiitas extremos" (ghulāt), xiitas que terão levado a sua devoção por Ali e pelos imans seus descendentes ao ponto de lhes atribuírem características divinas[38] (outros "xiitas extremos" seriam os alauítas da Síria, os alevis da Turquia e os Ahl-i Ahqq no Irão).[39]

O texto religioso primário dos shabaks é chamado Buyruk ou Kitab al-Managib (Livro dos Atos Exemplares) e está escrito em turcomano,[6][19][40] consistindo em diálogos entre o xeque Safi al-Din de Ardabil e o seu filho, o xeque Sadr al-Din, líderes da ordem sufi Safaviyya, e antepassados da dinastia safávida da Pérsia.[41]

Os shabaks combinam elementos do sufismo com a sua própria interpretação da "realidade divina". Para os shabaks a "realidade divina" é mais avançado do que a interpretação literal do Corão conhecida como sharia. Os guias espirituais shabaks são conhecido como pîr, sendo indivíduos conhecedores das orações e rituais da seita. Os pîs são liderados pelo Chefe Supremo ou Baba,[10] e agem como mediadores entre o poder divino e os shabaks comuns. As suas crenças formam um sistema sincrético que incluí aspetos como a confissão e permitir o consumo de vinho nas cerimónias religiosas[42][43] (este ultimo aspeto distingue-os das populações muçulmanas vizinhas). As crenças dos shabaks são muito parecidas com as do yarsanismo.[44]

Os shabaks consideram a poesia de Ismail I como sendo revelada por Deus, e recitam-na durante as cerimónias religiosas.[10][44]

Referências

  1. «Site oficial da Assembleia Democrática Shabak». Consultado em 6 de julho de 2016 
  2. a b Raphiann, Dilan (29 de outubro de 2013). «Fading into Obscurity - Iraq's little-known Shabak community shrinks further in the face of violence». The Majalla (em inglês). Consultado em 5 de julho de 2016. With no census statistics, it is difficult to ascertain a clear figure for the population of Shabak, but estimates range from 30,000 to 250,000 
  3. a b c d e al-Lami, Mina (21 de julho de 2014). «Iraq: The Minorities of Nineveh Plain». Assyrian International News Agency (em inglês). Consultado em 5 de julho de 2016 
  4. a b Kjeilen, Tore. «Shabak / Religion». Encyclopedia of The Orient (em inglês). Consultado em 6 de julho de 2016 
  5. «Entenda a difusa divisão das minorias no Iraque». El País. 17 de agosto de 2014. Consultado em 5 de julho de 2016 
  6. a b c d Leezenberg 1994, p. 5
  7. a b Moosa 1987, pp. 6,8
  8. Leezenberg 1994, p. 4
  9. Vinogradov 1974, p. 208
  10. a b c d Leezenberg 1994, p. 6
  11. Vinogradov 1974, p. 210
  12. Leezenberg 1994, pp. 4-5
  13. Layard, Austen Henry (2010) [1850]. «Chapter IX». Discoveries in the Ruins of Nineveh and Babylon. With Travels in Armenia, Kurdistan and the Desert: Being the Result of a Second Expedition Undertaken for the Trustees of the British Museum. Col: Cambridge Library Collection - Arqueology (em inglês). 1. [S.l.]: Cambridge University Press. p. 216. 392 páginas. ISBN 9781108016773 
  14. Minorsky, Vladimir (1920). «Notes sur la sect des Ahlî Haqq I». Mission Scientifique du Maroc. Revue du Monde Musulman (em francês). 40-41: 84. Consultado em 22 de março de 2017 
  15. Leezenberg, Dr. Michiel. «Gorani Influence on Central Kurdish». Kurdish Academy of Language (em inglês). Consultado em 7 de julho de 2016 
  16. Leezenberg 1994, p. 7
  17. a b «Shabak in Iraq: a targeted ethnic minority?». Public Library of US Diplomacy (em inglês). WikiLeaks. 27 de novembro de 2006. Consultado em 8 de julho de 2016 
  18. a b Iraqi Turkmen Human Rights Research Foundation (16 de julho de 2008). «Iraq's Shabak Accuse Kurds of Killing Their Leader». Assyrian International News Agency (em inglês). Consultado em 8 de julho de 2016 
  19. a b «Kurdish Gunmen Open Fire on Demonstrators in North Iraq». Assyrian International News Agency (em inglês). 16 de agosto de 2005. Consultado em 6 de julho de 2016 
  20. «Ninewa: Shabak push for reconciliation council and and end to Kurd encroachment». Public Library of US Diplomacy (em inglês). WikiLeaks. 6 de setembro de 2016. Consultado em 8 de julho de 2016 
  21. «Kurds Block Assyrians, Shabaks From Police Force in North Iraq». Assyrian International News Agency (em inglês). 24 de junho de 2016. Consultado em 8 de julho de 2016 
  22. «Letter of Complaint From the Assyrian and Shabak Communities». Assyrian International News Agency (em inglês). 22 de junho de 2016. Consultado em 8 de julho de 2016 
  23. «Ninewa: Shabak reject incorporation into KRG». Public Library of US Diplomacy (em inglês). WikiLeaks. 27 de janeiro de 2007. Consultado em 8 de julho de 2016 
  24. «Shabak official: Nineveh province is arabizing our areas». The Global Intelligence Files (em inglês). WikiLeaks. 30 de junho de 2011. Consultado em 8 de julho de 2016 
  25. a b «Increased attacks against Kurd Shabaks in Iraq's Nineveh». 3 de abril de 2012. Consultado em 7 de outubro de 2014 
  26. «Shabak people demonstrating following the death and injury of more than 50 Shabakis». 13 de agosto de 2012. Consultado em 7 de outubro de 2014 
  27. «Iraq hit by deadly attacks on Eid al-Adha holiday». BBC News. 27 de outubro de 2012. Consultado em 29 de outubro de 2012 
  28. «Explosion kills five Shabak Kurds». 17 de dezembro de 2012. Consultado em 7 de outubro de 2014 
  29. «Shabak Funeral». 14 de setembro de 2013. Consultado em 22 de agosto de 2014 
  30. «Series of Bomb Blasts». 17 de outubro de 2013. Consultado em 22 de agosto de 2014 
  31. a b c d «Attacks Against Shabak» (PDF). 10 de setembro de 2014. Consultado em 7 de outubro de 2014 
  32. «Displacement of Shabak & Turkmen Shi'a Minorities from Tal Afar & Ninewa Plains (June - 18 August 2014)». ReliefWeb (em inglês). 20 de agosto de 2014. Consultado em 8 de julho de 2016 
  33. «Shabak Community forms military force of 1500 fighters to fight ISIS in Nineveh». IraqiNews (em inglês). 23 de setembro de 2014. Consultado em 8 de julho de 2014 
  34. Smyth, Phillip (12 de janeiro de 2015). «Hizballah Cavalcade: Quwat Sahl Nīnawā: Iraq's Shia Shabak Get Their Own Militia». Jihadology (em inglês). Consultado em 18 de abril de 2017 
  35. Moosa 1987
  36. Moosa 1987, p. 1
  37. Moosa 1987, p. 122
  38. Moosa 1987, p. xiii
  39. Moosa 1987, p. ix
  40. Moosa 1987, p. 4
  41. Moosa 1987, pp. 4-5
  42. Leezenberg 1994, p. 2
  43. Vinogradov 1974, p. 214
  44. a b Vinogradov 1974, p. 217n

Bibliografia

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Ligações externas

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