Sistemas alternativos de drenagem
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Os sistemas alternativos de drenagem incluem as técnicas utilizadas para minimizar os impactos causados pela urbanização no ciclo hidrológico natural. No ambiente natural, parte da água infiltra-se no solo ou passa pela evapotranspiração das plantas e o excedente escoa para os rios e lagos. No entanto, o crescimento urbano faz com que surjam áreas impermeáveis, de forma que o escoamento se torna mais volumoso e com maior velocidade. Sistemas de drenagem convencionais buscam a remoção rápida da água para fora do meio urbano. Contudo, muitas vezes não são capazes de suportar o volume escoado, o que causa enchentes.
Sistemas alternativos de drenagem buscam reproduzir ao máximo as condições naturais do ciclo hidrológico, através da retenção e infiltração da água do solo. Estas técnicas podem ser aplicadas localmente, através de estruturas de armazenamento, reaproveitamento da água da chuva e criação de áreas permeáveis nos lotes. No ambiente urbano, estruturas maiores que permitam armazenar o volume temporariamente ou promovam a infiltração no solo são também importantes para reduzir a vazão total, a velocidade do escoamento e o transporte de sedimentos. Estas estruturas são em geral facilmente integradas à paisagem urbana.
Contextualização
editarNo ambiente natural, o ciclo da água promove a circulação da água entre a atmosfera, a superfície e o subsolo. A incidência da energia solar causa a evaporação da água que forma as nuvens que trazem chuva. A água também retorna a atmosfera por meio da transpiração das plantas. Na superfície, a água da chuva pode escoar pela superfície e, de acordo com a topografia, dirigir-se aos vales onde estão os rios. Parte da água pode também infiltrar-se para as camadas mais profundas do solo, que posteriormente volta à superfície em nascentes ou chega aos aquíferos. A água armazenada nos aquíferos normalmente atuam como reservatórios para a manutenção dos níveis dos rios em períodos de estiagem. Este ciclo ocorre continuamente.[1]
Uma série de fatores pode alterar o ciclo hidrológico natural, inclusive atividades humanas. Dentre estas, a urbanização provoca os maiores impactos.[1] Ao longo dos últimos séculos a população humana passou a povoar cada vez mais os centro urbanos. Este processo se torna ainda mais intenso por conta do crescimento populacional. Contudo, principalmente em países em desenvolvimento, o crescimento urbano em metrópoles e grandes cidades ocorre de forma desordenada, originando ocupações irregulares.[2]
A construção de edifícios e vias pavimentadas, dentre outras estruturas características em cidades causam a impermeabilização do solo. Desta forma, a água da chuva que anteriormente infiltrava-se no solo passa a formar o escoamento superficial, cujo volume se torna maior em relação ao ambiente natural. O maior volume de água escoado chega rapidamente às áreas mais baixas, causando enchentes. Além das perdas econômicas, inundações trazem riscos à saúde e prejudicam a qualidade de vida da população.[3]
A qualidade da água que escoa em um evento de precipitação carrega consigo uma grande quantidade de sedimentos e lixo antes depositados nas vias públicas e nas edificações. Esta carga é maior logo no início da precipitação. Embora seja convencionado que as redes de drenagem pluvial e de esgoto devam ser separadas, ligações clandestinas podem introduzir dejetos no escoamento, favorecendo a proliferação de doenças de veiculação hídrica.[4]
Sistemas de drenagem convencionais
editarOs sistemas de drenagem convencionais são formados por uma rede de condutos que facilitem ao máximo o escoamento de água para fora da cidade. Entretanto, a velocidade do escoamento é significativamente elevada. Com a impermeabilização das áreas urbanas, grandes volumes de água são destinados dos prédios e vias diretamente para a rede de drenagem, que deve ser capaz de suportar grandes vazões ocasionalmente. Quando não são, a água transborda e causa inundações.[5]
Por muito tempo, sistemas de drenagem pluvial eram tidos com secundários, não sendo estritamente necessários para o desenvolvimento urbano. Contudo, estruturas urbanas criadas pelos romanos há mais de dois mil anos possuem redes de drenagem.[6] No século XIX, redes de tubos começaram a ser implantadas na Itália a fim de remover a água da chuva e também o esgoto doméstico, eliminando o uso de fossas sépticas e áreas de acúmulo de água, cuja ocorrência estava diretamente relacionada à proliferação de doenças e mortalidade de pessoas e animais. Obras semelhantes espalharam-se por toda a Europa como uma medida preventiva. Assim, assumiu-se que a remoção do escoamento pluvial e do esgoto da cidade seria a melhor forma de solucionar os problemas de drenagem.[7]
Entretanto, os impactos causados pela rápida remoção da água da zona urbana não foram considerados até a década de 1960. Em países desenvolvidos, percebeu-se os danos que esta forma de drenagem traziam ao meio ambiente, por conta do grande volume que era introduzido nos cursos de água à jusante, como erosão e poluição dos recursos hídricos.[8]
Características
editarO ciclo hidrológico natural é constituído pelo equilíbrio entre a infiltração, evapotranspiração e escoamento, diretamente influenciados pela topografia, cobertura vegetal e temperatura, dentre outros. A formação de cidades interfere fortemente nestas variáveis. Sistemas alternativos de drenagem buscam minimizar ao máximo os impactos causados pela urbanização, promovendo a infiltração da água no solo e sua retenção. Sistemas alternativos de drenagem possuem princípios opostos ao sistemas de drenagem convencionais, ao buscar a retenção da água ao invés de conduzi-la o mais rápido possível para fora do ambiente urbano.[9] Desta forma, o volume total do escoamento superficial diminui, assim como a velocidade da água e a vazão de pico, tornando as áreas á jusante menos propensas a enchentes e erosão. A implantação destes sistemas evita também a sobrecarga da rede de drenagem convencional. Outros benefícios incluem a melhoria da qualidade da água, que se torna menos poluída ao passar pela filtragem natural ao infiltrar no solo. Sua implantação traz também benefícios à paisagem urbana, já que a reprodução da condições naturais tem um efeito paisagístico positivo.[10]
Em décadas recentes, os estudos sobre a aplicação de sistemas alternativos de drenagem se tornou importante, sobretudo em países desenvolvidos como Estados Unidos e Canadá (onde recebem o nome de Low Impact Development, LID), Reino Unido (Sustainable Urban Drainage Systems, SUDS), Austrália (Water Sensitive Urban Design, WSUD) e Nova Zelândia (Low Impact Urban Design and Development, LIUDD), todos com os mesmos princípios básicos. Em países em desenvolvimento, entretanto, o controle quantitativo do escoamento superficial urbano é pouco difundido e o controle da qualidade da água superficial praticamente inexistente.[8]
Técnicas
editarExistem uma série de procedimentos que favorecem a manutenção das condições naturais de escoamento superficial, que incluem retenção ou infiltração dá água no solo. As estratégias para a implantação de sistemas alternativos de drenagem devem ser implementadas em conjunto, de forma a promover a maior eficiência. Sua aplicação é feita conforme as condições do local, como a permeabilidade do solo, as características destes solos e riscos de contaminação por produtos químicos. Ainda há certa relutância do poder público quanto a implantação destes dispositivos sobretudo porque não se conhece o seu comportamento a longo prazo. Sua aplicação deve estar em consonância com as condições locais, inclusive aliadas às redes de drenagem convencionais.[11][12]
Controle local
editarO controle local do escoamento refere-se as técnicas de drenagem alternativa aplicadas aos lotes urbanos ou próximo a eles. Dentre estas técnicas inclui-se o armazenamento de água no telhado. Sobre as construções, áreas relativamente planas podem ser usadas para armazenar temporariamente a água da chuva. Entretanto, para sua aplicação, os devidos cuidados com isolamento e capacidade estrutural para suportar o peso devem ser considerados.[13]
Telhados verdes, uma cobertura de solo que permite o crescimento de plantas sobre o telhado, possuem uma capacidade de armazenamento relevante, além de favorecer a evapotranspiração e melhorar a qualidade da água que é filtrada pela camada de solo. Desta forma, reduzem a vazão máxima e o volume total escoado.[14][15]
O reuso da água da chuva também pode representar um impacto positivo na redução do escoamento superficial, uma vez que diminui a quantidade de água que deixa o lote. A água armazenada, embora não seja potável, pode ser utilizado em diversas tarefas domésticas, proporcionando, ainda, a economia de água tratada.[16][17]
Dispositivos de infiltração
editarEstes sistemas favorecem a entrada de água no solo através da infiltração. As trincheiras de infiltração são valas lineares preenchidas com pedras, que permitem a penetração da água e também favorecem seu armazenamento. Em geral são integradas ao ambiente onde são implantadas. Além de promover a melhoria da qualidade do solo através da filtração, as trincheiras de infiltração promovem também a recarga dos aquíferos. Drenos franceses são similares às trincheiras, mas em seu interior passa um tubo perfurado, que permite que a água saia do mesmo e infiltre no solo. Valas cobertas com vegetação rasteira podem ser utilizadas para coletar a água da chuva e temporariamente armazená-la até que a infiltração completa ocorra. São utilizadas principalmente ao longo de rodovias, mas podem ser utilizadas em jardins e até mesmo incorporadas em áreas de lazer.[18] Poços de infiltração são mais profundos e menos extensos que as trincheiras de infiltração, mas são igualmente preenchidos com pedras. Uma grande quantidade de sedimentos nestes dispositivos pode comprometer sua eficiência, uma vez que as partículas bloqueiam a passagem de água.[19]
Pavimentos permeáveis permitem a passagem de água através de si, que pode ser armazenada sob o pavimento ou infiltrar para as camadas do subsolo. Dentre os tipos desse pavimento, estão os de asfalto permeável e de concreto permeável, ambos utilizados em áreas de tráfego leve, como estacionamentos. Pavimentos semipermeáveis são formados por blocos de concreto ocos, cuja cavidade é preenchida com material granular, que também facilita a passagem de água para o solo.[20] Canteiros de biorretenção, ou jardins de chuva, são projetados para recolher a água da chuva da área ao redor e permitir sua infiltração ou reduzir a velocidade do escoamento, o que reduz a quantidade de sedimentos transportados pela água, além de terem função paisagística.[21] Em geral, áreas verdes, com a presença de grama e árvores, no meio urbano são capazes de reduzir significativamente a velocidade do escoamento, assim como reduzir o seu volume através da infiltração. Podem também reter uma grande quantidade de sedimentos, por isso sua manutenção periódica é necessária.[22]
Dispositivos de retenção
editarOs dispositivos de retenção possuem a finalidade principal de armazenar a água proveniente do escoamento e liberá-la posteriormente com menor vazão e velocidade. Bacias de retenção possuem a vantagem de poder ser facilmente integrada ao ambiente urbano, sendo possível sua utilização como área de lazer, pois seu preenchimento ocorre somente com o evento da precipitação e, após cessado, se esvazia. Entretanto, não são eficientes para a remoção de poluentes. Bacias de infiltração são similares mas, além de armazenarem a água, permitem a sua infiltração no solo, reduzindo o volume escoado. Usualmente são áreas gramadas mantidas secas. Estes dispositivos, entretanto, possuem a desvantagem de acumular muitos sedimentos e lixo que é carregado e se deposita nestes locais, sendo necessária sua limpeza periódica.[23][24]
Zonas úmidas artificiais são áreas especialmente preenchidas com terra, pedra e cascalho, mantidas saturadas com água, onde são introduzidas plantas aquáticas. São baratas de se construir e trazem vários benefícios. Além de reduzir consideravelmente a velocidade do escoamento, a qualidade da água é melhorada através da remoção de contaminantes solúveis ou em partículas (incluindo metais) por ação biológica e sedimentação. Fornecem, ainda, abrigo para espécies selvagens e podem servir como áreas educacionais e de recreação. Contudo, seu manejo deve ser feito com cuidado, pois os seres vivos que normalmente ali habitam são sensíveis.[25]
Ver também
editarReferências
- ↑ a b Javaid 2012, p. 55
- ↑ Tucci 2003, p. 44
- ↑ Javaid 2012, p. 55,56
- ↑ Tucci 2003, p. 30,31
- ↑ Sustainable Building 2004, p. 31
- ↑ Javaid 2012, p. 57
- ↑ Javaid 2012, p. 57,58
- ↑ a b Javaid 2012, p. 58
- ↑ Campos, Priscila Celebrini de Oliveira; Paz, Tainá da Silva Rocha; Lenz, Letícia; Qiu, Yangzi; Alves, Camila Nascimento; Simoni, Ana Paula Roem; Amorim, José Carlos Cesar; Lima, Gilson Brito Alves; Rangel, Maysa Pontes (2020). «Multi-Criteria Decision Method for Sustainable Watercourse Management in Urban Areas». Sustainability (em inglês). 12 (16). 6493 páginas. doi:10.3390/su12166493
- ↑ Butler 2010, p. 519,520
- ↑ Fleming 2002, p. 108,109
- ↑ Parkinson 2005, p. 104,105
- ↑ Butler 2010, p. 551
- ↑ Javaid 2012, p. 68,69
- ↑ Butler 2010, p. 522
- ↑ Javaid 2012, p. 69
- ↑ Butler 2010, p. 523
- ↑ Javaid 2012, p. 66
- ↑ Javaid, p. 67
- ↑ Javaid 2012, p. 63,64
- ↑ Gabriel Rocha (4 de julho de 2012). «Jardim de Chuva, primeiro do País, melhoraria enchentes e qualidade da água drenada». Agência Universitária de Notícias - USP. Consultado em 7 de fevereiro de 2015
- ↑ Javaid 2012, p. 69,70
- ↑ Javaid 2012, p. 64
- ↑ Butler 2010, p. 529,530
- ↑ Butler 2010, p. 530
Bibliografia
editar- Butler, David; John W. Davies (2010). Urban Drainage (em inglês) 3 ed. [S.l.]: Spoon Press. 632 páginas. ISBN 978-0-203-84905-7
- Fleming, George (ed.) (2002). Flood risk management. learning to live with rivers (em inglês). [S.l.]: Thomas Telford. 250 páginas. ISBN 978-0-727-73112-8
- Javaid, Muhammmad Salik (ed.) (2012). «Sustainable Urban Draninage Systems (Cristiano Poleto e Rutinéia Tassi)» (PDF). Drainage systems (em inglês). [S.l.]: InTech. ISBN 978-953-51-0243-4
- Parkinson, Jonathan; Ole Mark (2005). Urban stormwater management in developing countries (em inglês). [S.l.]: IWA Publishing. 218 páginas. ISBN 978-1-843-39057-2
- Sustainable Building (2004). Design Manual. [S.l.]: TERI Press. 314 páginas. ISBN 978-8-179-93053-3
- Tucci, Carlos E. M.; Juan Carlos Bertoni (org.) (2003). Inundações urbanas na América do Sul (PDF). Porto Alegre: Associação Brasileira de Recursos Hídricos. ISBN 85-88686-07-4
Ligações externas
editar- «Susdrain» (em inglês). Sustainable Drainage Systems