Tio Patinhas (bicheiro)
Ângelo Maria Longa, mais conhecido pelo apelido Tio Patinhas (Rio de Janeiro, c. 1910 – Rio de Janeiro, 16 de março de 1986), foi um contraventor e bicheiro brasileiro, tendo sido um dos mais ricos e influentes banqueiros do jogo do bicho no Rio de Janeiro entre as décadas de 1970 e 1980.[1][2] Conhecido como o "Bradesco da contravenção" devido à sua riqueza, foi um dos bicheiros com maior movimento de apostas no estado, com pontos em diversos bairros da Zona Sul, Centro, Vila Isabel e Tijuca.[1][3] Ele também desempenhou o papel de "descarga" dentro do sistema do jogo e foi uma das figuras centrais da "cúpula do jogo do bicho", que ajudou a criar, tendo feito parte do seu topo hierárquico até sua morte em 1986.[4][5][6][7]
Tio Patinhas | |
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Nome completo | Ângelo Maria Longa |
Nascimento | ca. 1910 Rio de Janeiro, Rio de Janeiro |
Morte | 16 de março de 1986 (76 anos) Rio de Janeiro, Rio de Janeiro |
Causa da morte | câncer |
Nacionalidade | brasileiro |
Ocupação | contraventor bicheiro |
Biografia
editarInspirado no personagem da Disney, Ângelo Maria Longa ganhou o apelido "Tio Patinhas" devido à sua fama de mesquinho e desconfiado.[8][9] Sem confiança nos bancos do país, guardava pilhas de dinheiro em um cofre-forte em sua própria residência.[8][9] Após sofrer um infarto em 1974, preferiu tratamento gratuito no Hospital Municipal Souza Aguiar, apesar de ter condições financeiras para um hospital particular.[8] Apesar da fortuna, ele manteve uma vida discreta e sem ostentação pública.[1][8]
Foi casado com Marina Donato Longa, com quem teve um filho, Pedro Sebatião Longa, que se tornou estivador.[7][10][11] Também teve relacionamentos com Maria Cenira e Altair Dias, com esta última vivendo com ele nos últimos 40 anos, embora fosse casado formalmente com Marina.[7][10][11] Altair foi mãe de Iara, filha de criação de Tio Patinhas.[7]
Em fevereiro de 1975, foi sequestro e libertado após três dias, em circunstâncias nunca totalmente esclarecidas.[12][13][14] Em dezembro de 1985, foi internado por problemas pulmonares, vindo a falecer em 16 de março de 1986, aos 76 anos, por câncer.[1][10]
Carreira no jogo do bicho
editarTio Patinhas esteve envolvido com o jogo do bicho no Rio de Janeiro por cerca de 50 anos.[1] O banquerio tinha como principal e mais longevo parceiro Waldemiro Garcia, o Miro Garcia, de quem foi sócio em vários pontos na Zona Sul e Centro do Rio.[12][15][16][17] Também manteve sociedades com Haroldo Rodrigues Nunes, o Haroldo Saens Peña, em pontos na Zona Norte.[18]
Ele também apadrinhou novos banqueiros na década de 1970, como Aílton Guimarães Jorge, o Capitão Guimarães, que começou a trabalhar para ele antes de se tornar um grande nome no jogo do bicho.[19][20] Em 1979, Tio Patinhas entregou ao ex-militar dezenas de pontos em Niterói, São Gonçalo e Itaboraí que pertenciam a Agostinho Lopes da Silva Júnior, o Guto, um bicheiro endividado com o banqueiro que desapareceu misteriosamente.[21][22] Ninguém foi responsabilizado pelo sumiço de Guto, e Capitão Guimarães transformou-se nos anos seguintes em um dos grandes contraventores do jogo do bicho fluminense.[23][24]
Na década de 1970, Tio Patinhas foi amplamente reconhecido como o bicheiro mais rico do Rio.[1][3] Ele foi um dos fundadores da "cúpula do jogo do bicho", sendo considerado um dos grandes chefões do grupo, ao lado de Castor de Andrade, que era visto como a liderança política do bando.[4][25][26][27] Composta por cerca de 180 bicheiros na época de sua fundação, em 1974,[4] a organização destinava-se a estabilizar o jogo, reduzindo os conflitos entre os bicheiros e permitindo maior controle e profissionalização da atividade.[28][29][30] Por ser o banqueiro mais rico da cúpula, Tio Patinhas atuava como "descarga".[16][22][31] A função garantia o pagamento de grandes prêmios em apostas de alto risco, funcionando como uma espécie de seguradora para bicheiros menores e evitando que bancas menores quebrassem em caso de vitória de apostadores.[32]
Durante um período da sua carreira, Tio Patinhas esteve envolvido com contrabando.[33] Como outros bicheiros poderosos em seu tempo, ele também diversificou seus negócios e investiu em imóveis e haras.[34][35]
Embora outros nomes, como Haroldo Saens Peña e Aniz Abraão David tenham ascendido no topo da cúpula na década de 1980, Tio Patinhas manteve seu poder até sua morte.[5][6]Em 1986, estima-se que Tio Patinhas controlava entre 250 a 800 bancas, empregando cerca de 4 000 pessoas e gerando um lucro mensal estimado entre Cz$ 3 000 000 e Cz$ 10 000 000.[7][10]
Após sua morte, Miro Garcia e seu filho Waldemir Paes Garcia, o Maninho, que também era afilhado e já vinha trabalhando junto com Tio Patinhas, herdaram sua fortuna e os pontos do jogo.[36][37][38][39]
Referências
- ↑ a b c d e f Jornal do Brasil 1986a, p. 14.
- ↑ Otavio & Jupiara 2015, p. 14.
- ↑ a b Otavio & Jupiara 2015, p. 235.
- ↑ a b c Diário de Notícias 1974a, pp. 1; 10.
- ↑ a b Jornal do Brasil 1981a, p. 15.
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- ↑ a b c d e Jornal do Brasil 1986b, p. 10.
- ↑ a b c d Diário de Notícias 1974b, p. 10.
- ↑ a b Ribeiro 1981, p. 10.
- ↑ a b c d Tribuna de Imprensa 1986a, p. 19.
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- ↑ a b Jornal do Brasil 1975, p. 24.
- ↑ Diário de Notícias 1975a, p. 6.
- ↑ Jornal do Brasil 1977a, p. 29.
- ↑ Jornal do Commercio 1965, p. 7.
- ↑ a b Diário de Notícias 1975b, p. 6.
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- ↑ Diário de Notícias 1975c, p. 6.
- ↑ Torres 2007.
- ↑ Otavio & Jupiara 2015, p. 15.
- ↑ Otavio & Jupiara 2015, pp. 13-15.
- ↑ a b O Fluminense 1980, p. 11.
- ↑ O Fluminense 1991, p. 7.
- ↑ Otavio & Jupiara 2013.
- ↑ Diário de Notícias 1974c, p. 9.
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- ↑ Labronici 2020, pp. 157-160.
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- ↑ Gomide & Torres 2006.
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- ↑ Rito 1986, pp. 22-23.
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- ↑ Lopes 2009.
Bibliografia consultada
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