Ubuntu (filosofia)
Ubuntu é uma noção existente nas línguas Zulu e xhosa - línguas Bantu do grupo ngúni, faladas pelos povos da África Subsaariana.
Na África do Sul, a noção de Ubuntu ligou-se também à história da luta contra o Apartheid e inspirou Nelson Mandela na promoção de uma política de reconciliação nacional. Muitos anos antes, quando Mandela criou a liga da juventude da ANC, em 1944, a noção já estava presente na filosofia de John Mbiti[1] e no manifesto do movimento: "Ao contrário do homem branco, o africano quer o universo como um todo orgânico que tende à harmonia e no qual as partes individuais existem somente como aspectos da unidade universal".[2]
Aspectos éticos
editarA palavra Ubuntu, não traduzível diretamente,[3] no entanto nessa tentativa seria "humanidade para com os outros". Exprime a consciência da relação entre o indivíduo e a comunidade.[4][3] Segundo o arcebispo anglicano Desmond Tutu, autor de uma teologia ubuntu "a minha humanidade está inextricavelmente ligada à sua humanidade".[5] Essa noção de fraternidade implica compaixão e abertura de espírito e se opõe ao narcisismo e ao individualismo.[2]
Nelson Mandela também explica esse ideal (ver vídeo):
“ | Respeito. Cortesia. Compartilhamento. Comunidade. Generosidade. Confiança. Desprendimento. Uma palavra pode ter muitos significados. Tudo isso é o espírito de Ubuntu. Ubuntu não significa que as pessoas não devam cuidar de si próprias. A questão é: você vai fazer isso de maneira a desenvolver a sua comunidade, permitindo que ela melhore? | ” |
Na tradição sul-africana, a reconciliação se exprime através do ubuntu ou humanismo, que inclui valores como a compaixão e a comunhão - valores que orientaram a Comissão Verdade e Reconciliação e serviram como base para a formulação dos objetivos nacionais de reconstrução e reconciliação. J.Y. Mokgoro, juiz da Corte Constitutional da África do Sul mostrou que esse princípio filosófico fundamental marcou de maneira determinante o direito constitucional do país, desde a constituição provisória de 1993 e está presente na lei fundamental n° 34, de 1995, sobre a Promoção da Unidade Nacional e da Reconciliação:[6]
"[…] A Constituição estipula que a busca da unidade nacional, o bem-estar de todos os cidadãos sul-africanos e a paz exigem a reconciliação entre os habitantes da África do Sul e a reconstrução da sociedade."
Segundo o Arcebispo Desmond Tutu:
“ | Uma pessoa com Ubuntu está aberta e disponível para as outras, apoia as outras, não se sente ameaçada quando outras pessoas são capazes e boas, com base em uma autoconfiança que vem do conhecimento de que ele ou ela pertence a algo maior que é diminuído quando outras pessoas são humilhadas ou diminuídas, quando são torturadas ou oprimidas. | ” |
Portanto o conceito exprime a crença na comunhão que conecta toda a humanidade:[3] "sou o que sou graças ao que somos todos nós".[7]
Valores e princípios do Ubuntu
editarNo coração do Ubuntu, encontramos valores e princípios que desempenham um papel essencial na construção de laços sociais sólidos e na promoção da coexistência pacífica. Solidariedade é um valor que está enraizado nas comunidades africanas, onde a noção de "eu" é inseparável do "nós". Essa disposição de apoiar uns aos outros e compartilhar recursos é o que sustenta a coesão social e ajuda a superar desafios comunitários. A solidariedade é um lembrete constante de que nossas ações individuais têm impacto coletivo e que, ao estendermos a mão ao próximo, fortalecemos todo o tecido social.
Aspectos religiosos
editarLouw (1998) sugere que o conceito do Ubuntu define um indivíduo em termos de seus relacionamentos com os outros, e enfatiza a importância como um conceito religioso, assentado na máxima Zulu umuntu ngumuntu ngabantu (uma pessoa é uma pessoa através de outras pessoas), que aparentemente parece não ter conotação religiosa na sociedade ocidental.[8] No contexto africano, isso sugere que o indivíduo se caracteriza pela humanidade com seus semelhantes e através da veneração aos seus ancestrais. Assim, aqueles que compartilham do princípio do Ubuntu no decorrer de suas vidas continuarão em união com os vivos após a sua morte.
Aspectos políticos
editarUbuntu é visto como um dos princípios fundamentais da nova república da África do Sul e está intimamente ligado à ideia da Renascença Africana. No Zimbabwe, Ubuntu tem sido usado como forma de resistência à opressão existente no país. Na esfera política, o conceito do Ubuntu é utilizado para enfatizar a necessidade da união e do consenso nas tomadas de decisão, assumindo-se uma ética humanista.
Ver também
editarReferências
- ↑ Tamosauskas, Thiago (2020). Filosofia Africana: cinco milênios de pensamento. [S.l.: s.n.] p. 46
- ↑ a b «Nelson Mandela and the Rainbow of Culture» Anders Hallengren, Nobelprize.org, site oficial do Prêmio Nobel.
- ↑ a b c Adérito Gomes Barbosa (2012). «Contributos para a Pedagogia Social: Neuroética. Educação vagarosa e ubuntu (Página 6 e a partir da 197, especialmente 209 e 210)» (PDF). Cadernos de Pedagogia Social do Centro Regional do Porto da Universidade Católica Portuguesa. ISSN 1646-7280. Consultado em 10 de março de 2017. Cópia arquivada (PDF) em 10 de março de 2017
- ↑ (em inglês) SAMPSON, Anthony Mandela: The Authorized Biography. Country Boy: 1918-1934 (excerto publicado pelo New York Times)
- ↑ «All you need is ubuntu» (em inglês). BBC. 28 de setembro de 2006
- ↑ «L'idée de réconciliation dans les sociétés multiculturelles du Commonwealth : une question d'actualité ?» (em inglês). Cairn.info. 2 de junho de 2004
- ↑ Desmond Tutu, Mike Nicol. Croire - inspirations et paroles de Desmond Tutu. Acropole Belfond, 2007.
- ↑ (em inglês) Louw, Dirk J. 1998. Ubuntu: An African Assessment of the Religious Other. Twentieth World Congress of Philosophy.
Ligações externas
editar- (em inglês) Ubuntu and the Law in South Africa por Y. Mokgoro
- Louw, Dirk J. 1998. "Ubuntu: An African Assessment of the Religious Other". Vigésimo Congresso Mundial de Filosofia. (inglês)
- (em português) Ubuntu, uma lição fácil de aprender, melhor ainda de viver - Reportagem do Jornal Nacional da Rede Globo, sobre o copa do mundo de 2010