Valentim de Barros (bailarino)
Valentim de Barros (Lisboa, 11 de novembro de 1916 - Lisboa, 3 de fevereiro de 1986) foi um bailarino português, considerado o primeiro do país a construir uma carreira internacional. Atuou no Teatro Éden, em Lisboa, e também na Espanha e Alemanha. Foi institucionalizado no hospital psiquiátrico Miguel Bombarda, em Lisboa, onde permaneceu durante quase 50 anos, desde 1939 até ao ano da sua morte, sob o diagnóstico único de homossexualidade. No século XXI, a sua memória tem vindo a ser recuperada, tendo a sua história de vida inspirado o espetáculo Mário — História de um Bailarino no Estado Novo, que estreou em 2020 no Cinema São Jorge, em Lisboa.
Valentim de Barros | |
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Nascimento | 11 de novembro de 1916 |
Morte | 3 de fevereiro de 1986 (69 anos) |
Sepultamento | Cemitério de Benfica |
Ocupação | bailarino |
Percurso
editarNasceu em Lisboa, a 11 de novembro de 1916, numa família de classe média, filho de Ana da Encarnação Monteiro Figueiredo e de Joaquim José de Barros.[1] [2] [3] Começou a sua formação em dança aos 14 anos, com aulas privadas.[1] Teve depois aulas de dança no Teatro Nacional D. Maria II [1] à revelia da família, que o aconselhou a interromper a carreira de bailarino.[1] Chegou a atuar em espetáculos de revista no antigo Teatro Éden, em Lisboa [3], antes de se mudar para Espanha, de modo a poder prosseguir a sua carreira no bailado.[3][1]
Foi em Valência que se juntou a uma companhia internacional de bailado que atuou em várias parte da Europa [3] Ao eclodir a Guerra Civil Espanhola, Valentim fugiu para Génova[1], tendo também vivido em Marselha e em várias cidades na Alemanha, onde se estabeleceu como bailarino e atuou em Dortmund, Estugarda, Hamburgo, Munique e Berlim.
Em 1939, foi expulso da Alemanha, contudo, as razões para esta repatriação são disputadas. [3][1] Já em território português é entregue à PVDE, que mais tarde viria a ser renomeada como PIDE, a polícia política do Estado Novo, que o manteve detido por três meses.[3] Pouco depois de ser entregue à família, foi mandado internar pela sua mãe no hospital psiquiátrico Miguel Bombarda, após um alegado episódio de violência.[3] Terá tido alta e sido reinstitucionalizado várias vezes entre os anos de 1939 e 1949. [3][4][2]
Em 1949, é submetido a uma lobotomia (na altura conhecida como leucotomia)[3][2] e, a partir deste momento, permaneceu institucionalizado até ao ano da sua morte, em 1986.[3] [4]Foi-lhe atribuído apenas um diagónsitico: o de homossexualidade [2] [5], que foi considerada uma doença pela OMS até 1990.[6] Em Portugal, ser homossexual foi considerado crime até ao ano de 1982. [7]
Durante a sua institucionalização, terá também sido submetido a eletrochoques. [8] Estas intervenções, sobretudo a lobotomia, terão feito Valentim perder algumas faculdades. [3] A respeito do seu diagnóstico e das intervenções médicas de que foi alvo, o médico psiquiatra que o acompanhava apontou o seguinte:
Será o doente portador de qualquer psicose? Examinei-o cuidadosamente nesse sentido e cheguei a resultados negativos. (...) Se dantes convidava os outros doentes para práticas homossexuais e se metia na cama com eles, depois da leucotomia faz precisamente a mesma coisa.[8]
Com a chegada da Revolução de 25 de Abril de 1974, Valentim, assim como muitos outros pacientes psiquiátricos, teve alta hospitalar [3]. No entanto, iria permanecer no Hospital Miguel Bombarda por não ter membros familiares que o acolhessem.[3][2] Passou a poder deslocar-se livremente pela cidade, no entanto, o hospital permaneceu a sua residência.[8][9]
Durante estes quase 50 anos internado, ocupava os seus tempos livres organizando peças de teatro, e dedicou-se também ao bordado, à pintura, à dança e à poesia.[3][8][2] Para além do português, era fluente em alemão, francês e espanhol. [8] Faleceu a 3 de fevereiro de 1986, aos 69 anos. [3][1][2]
Reconhecimento
editarValentim de Barros foi entrevistado nos anos 80 pela jornalista Maria João Avillez. [3][5]
Já no século XXI, a sua memória tem vindo a ser recuperada como um exemplo da perseguição de que as pessoas LGBT sofreram durante a época do Estado Novo em Portugal. [7]
Em 2013, o professor Sandro Resende organizou no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa organizou a exposição Distopia, que incluia um cenário criado por Valentim de Barros no ano de 1974. No mesmo ano, este centro hospitalar organiza também a exposição O Bailado de Valentim de Barros evocativa ao seu legado. [5]
O investigador António Fernando Cascais, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa é o responsável por grande parte da recuperação da sua história, relatada no ensaio Onde eu não dance, a solidão fá-lo por mim: Valentim de Barros, parte da obra Hospital Miguel Bombarda 1968, publicada pela editora Documenta/Sistema Solar em 2016.
Já em 2017, foi homenageado durante a Gala Abraço. O duo musical Fado Bicha dedicou-lhe um fado em 2019.[5]
Em janeiro de 2020, estreou no Cinema São Jorge o monólogo Mário — História de um Bailarino no Estado Novo, encenado por Fernando Heitor e representado por Flávio Gil. A peça foi feita com base na investigação feita sobre a vida de Valentim de Barros, sendo a personagem Mário parcialmente inspirada na sua história de vida.[5][10]
Referências
editar- ↑ a b c d e f g h SAPO. «Valentim de Barros, o bailarino a quem roubaram a vida». SAPO Lifestyle. Consultado em 12 de maio de 2024
- ↑ a b c d e f g «Valentim de Barros, o primeiro bailarino português a internacionalizar-se». dezanove.pt. Consultado em 12 de maio de 2024
- ↑ a b c d e f g h i j k l m n o p «Ainda é melhor para ele não saber que a culpa é nossa? A "história terrível" de Valentim de Barros». Jornal Expresso. Consultado em 12 de maio de 2024
- ↑ a b SAPO. «Parte III - Valentim de Barros, o bailarino a quem roubaram a vida». SAPO Lifestyle. Consultado em 12 de maio de 2024
- ↑ a b c d e Lusa, Agência. «"Mário". Espetáculo sobre bailarino perseguido pela ditadura regressa a Lisboa em 2020». Observador. Consultado em 12 de maio de 2024
- ↑ «Há 30 anos, OMS removia homossexualidade da lista de doenças – DW – 17/05/2020». dw.com. Consultado em 12 de maio de 2024
- ↑ a b «O Estado Novo dizia que não havia homossexuais, mas perseguia-os | Investigação | PÚBLICO». web.archive.org. 23 de janeiro de 2021. Consultado em 12 de maio de 2024
- ↑ a b c d e «Valentim de Barros: Queers na História Portuguesa – Biblioteca do QueerIST». queerist.tecnico.ulisboa.pt. Consultado em 12 de maio de 2024
- ↑ «Parte V - Valentim de Barros, o bailarino a quem roubaram a vida - Atualidade - SAPO Lifestyle». web.archive.org. 23 de janeiro de 2021. Consultado em 12 de maio de 2024
- ↑ «História de vida de Valentim de Barros regressa aos palcos na personagem de Mário». Gerador. 4 de janeiro de 2020. Consultado em 12 de maio de 2024