Viés racial na Wikipédia
O viés racial na Wikipédia é a pouca cobertura sobre a história negra na enciclopédia. Isso decorre em parte de uma sub-representação de pessoas negras em sua comunidade de editores.[1] Em "A história pode ser de código aberto? Wikipédia e o Futuro do Passado", nota-se que a completude e abrangência do artigo dependem dos interesses dos wikipedistas, e não necessariamente do assunto em si.[2] O ex-presidente da Wikimedia D.C., James Hare, afirmou que "muito da história negra é deixado de fora" da Wikipédia, devido aos artigos serem escritos predominantemente por editores brancos.[3] Os artigos que existem sobre temas africanos são editados, em grande medida, por editores da Europa e da América do Norte. Por isso, frequentemente limitam-se ao conhecimento produzido pelo Norte Global e perpetuado pelo consumo da mídia, cuja tendência é "perpetuar uma imagem negativa" da África.[4] Maira Liriano, integrante do Centro Schomburg de Pesquisa em Cultura Negra, argumentou que a falta de informações na Wikipédia no que diz respeito à história negra faz parecer que suas temáticas não são importantes.[5]
Diferentes teorias foram fornecidas para explicar tais discrepâncias raciais. Jay Cassano, escrevendo para a revista Fast Company, argumentou que a pequena proporção de editores negros na Wikipedia é resultado da presença negra minoritária no setor tecnológico e de uma relativa falta de acesso confiável à Internet.[5] Katherine Maher, ex-diretora executiva da Wikimedia Foundation, argumentou que os focos específicos no conteúdo da Wikipédia são representativos da sociedade como um todo. Ela disse que a Wikipédia só poderia representar aquilo que foi referenciado em fontes secundárias, as quais têm sido historicamente favoráveis e voltadas a homens brancos.[6] Além disso, estudos têm mostrado que o conteúdo da Wikipédia é amplamente influenciado pelo viés particular de seus editores, que tendem a ser homens anglófonos, naturais de países desenvolvidos e majoritariamente cristãos no hemisfério norte, profissionais de "colarinho-branco" e inclinados à alta tecnologia.[7]
Além do viés racial na Wikipédia, enciclopédias públicas são geralmente vulneráveis a vandalismo por parte de grupos de ódio como os nacionalistas brancos.[8]
Resultados da pesquisa e análise
editarUm desafio para os editores que tentam adicionar artigos relativos à história negra na Wikipédia é a exigência de que tópicos de artigos em potencial, como indivíduos ou eventos históricos, atendam aos critérios de notoriedade da Wikipédia.[7] Sara Boboltz, jornalista do HuffPost, escreveu que os critérios de notoriedade da Wikipedia são um problema preocupante para aqueles que lutam por mais conteúdo sobre mulheres e populações minorizadas, porque há menos documentação publicada ao longo da história sobre elas. Estas pessoas, na verdade, foram frequentemente ignoradas ou forçadas a conduzir suas contribuições à história como assistentes de outra pessoa.[7]
Katherine Maher afirmou que um dos problemas é que o conteúdo da Wikipédia deve ser apoiado por fontes secundárias que, segundo ela, têm sido historicamente limitadas pelo viés de homens brancos. Maher diz ainda que pessoas negras não foram representadas durante a produção e manutenção do conhecimento histórico e cultural convencional, já que as antigas enciclopédias foram escritas, de modo geral, por homens europeus.[6]
De acordo com Peter Reynosa, há uma sub-representação de editores latino-americanos na Wikipédia e, como resultado, muitos tópicos podem permanecer intocados ou destituídos da atenção que merecem.[9]
Em 2018, o Southern Poverty Law Center (SPLC) criticou a Wikipédia por ser vulnerável a manipulação por parte de neonazistas, nacionalistas brancos e acadêmicos racistas que buscam um público mais amplo para suas visões extremistas.[10] De acordo com o SPLC, "os empurradores de ponto de vista" podem atrapalhar o processo de edição ao engajar os demais usuários em debates tediosos e frustrantes ou prender a atenção dos administradores em intermináveis rodadas de mediação. Os usuários que se enquadram nessa categoria incluem acadêmicos racistas e membros da comunidade de blogs sobre biodiversidade humana. Nos últimos anos, a proliferação de espaços on-line de extrema-direita, como fóruns nacionalistas brancos, fóruns da direita alternativa (alt-right) e blogs conforme os citados, gerou um grupo de usuários que podem ser recrutados para editar em massa na Wikipédia. A presença de nacionalistas brancos e outros extremistas de direita na Wikipédia é um problema atual, que provavelmente não desaparecerá no futuro próximo em vista a "guinada política" para a direita em países onde vive a maioria dos seus usuários.[10] O SPLC citou o verbete Raça e inteligência como um exemplo da influência da alt-right na Wikipédia, argumentando que em dado momento o artigo apresentava um "falso equilíbrio" entre visões racistas marginais e a "perspectiva convencional na psicologia".[10]
Em junho de 2020, a Wikipédia foi descrita no Slate como um "campo de batalha pela justiça racial" em resposta a críticas de sua neutralidade, sua cobertura sobre George Floyd e seu assassinato, o movimento Black Lives Matter e a indicações de exclusão de artigo para os fundadores da Black Birders Week.[11]
Respostas
editarIniciativas têm sido tomadas para retificar o viés racial da Wikipédia através, por exemplo, das maratonas de edição, eventos nos quais os editores tentam melhorar a cobertura de certos tópicos e treinar novos editores. Em fevereiro de 2015, várias editatonas foram coordenadas para comemorar o Mês da História Negra nos Estados Unidos.[12] Uma dessas iniciativas foi organizada pela Casa Branca para criar e aprimorar artigos sobre afro-americanos nos âmbitos da ciência, tecnologia, engenharia e matemática (STEM).[6] O Centro Schomburg de Pesquisa em Cultura Negra, a Universidade Howard e a National Public Radio também coordenaram editatonas para melhorar a cobertura da história negra.[3] Editores da Wikipédia têm realizado essas editatonas para incentivar outros usuários a aprenderem como contribuir com o conteúdo sobre a variedade de assuntos que historicamente têm sido ignorados.[7]
Em 2015 e 2016, o Centro Schomburg realizou uma edição sobre Black Lives Matter no Mês da História Negra. Editores voluntários da comunidade anglófona contribuíram na cobertura de artigos sobre indivíduos negros e conceitos-chave da cultura negra, por exemplo, sobre a Feira do Livro do Harlem e sobre a figurinista negra Judy Dearing.[7] Novos artigos sobre história negra e indivíduos negros também foram criados. A edição de 2016 foi organizada pela AfroCROWD.[13]
Os editores da Wikipédia Michael Mandiberg e Dorothy Howard fizeram milhares de edições sobre diversidade para ajudar a aumentar, segundo eles, a conscientização a respeito das gritantes lacunas na Wikipédia e da necessidade de pessoas com origens e conhecimentos diversos contribuírem para preenchê-las.[6] Liriano afirmou que "é realmente importante que as pessoas negras saibam que existe essa lacuna" na cobertura da história negra na Wikipédia e que "elas podem corrigi-la" ao participarem como editoras.[7] Nos Estados Unidos, a Fundação Nacional de Ciência (NSF) forneceu US$ 200.000 para financiar pesquisas sobre o problema do viés racial na cobertura de tópicos na Wikipédia.[7] Dois estudos sobre por que há esse viés na edição da Wikipedia foram comissionados pela Fundação.[6]
A Fundação Wikimedia está tentando lidar com o problema do viés racial na Wikipédia. Em 2015, foi relatado que a Wikimedia fez inúmeras doações para organizações no Sul Global, incluindo África, América Latina, Ásia e Oriente Médio, com a finalidade de melhorar a cobertura de tópicos na Wikipédia.[7] Embora a Wikipédia apoie as editatonas, a organização sempre enfatizou que referências adequadas devem estar sempre presentes e a neutralidade deve ser sempre mantida durante a elaboração de um verbete.[9] O co-fundador da Wikipédia, Jimmy Wales, afirmou que a Fundação Wikimedia "fracassou completamente" em cumprir seus objetivos de resolver a falta de diversidade entre os editores da Wikipédia.[6]
Ver também
editarReferências
- ↑ Melamed, Samantha. «Edit-athon aims to put left-out black artists into Wikipedia». Philly.com. Consultado em 13 de abril de 2015. Arquivado do original em 4 de março de 2016
- ↑ Rosenzweig, Roy (1 de junho de 2006). «Can History Be Open Source? Wikipedia and the Future of the Past». Journal of American History (em inglês). 93 (1): 117–146. ISSN 0021-8723. JSTOR 4486062. doi:10.2307/4486062
- ↑ a b Smith, Jada (20 de fevereiro de 2015). «Howard University Fills in Wikipedia's Gaps in Black History». The New York Times. Consultado em 13 de abril de 2015. Arquivado do original em 23 de fevereiro de 2015
- ↑ Goko, Colleen. «Drive launched to 'Africanise' Wikipedia». Business Day. Consultado em 13 de abril de 2015. Arquivado do original em 6 de julho de 2015
- ↑ a b Cassano, Jay (29 de janeiro de 2015). «Black History Matters, So Why Is Wikipedia Missing So Much Of It?». Fast Company. Consultado em 13 de abril de 2015. Arquivado do original em 10 de maio de 2015
- ↑ a b c d e f Lapowsky, Issie. «Meet the Editors Fighting Racism and Sexism on Wikipedia». Wired. Arquivado do original em 14 de novembro de 2015
- ↑ a b c d e f g h Boboltz, Sara (15 de abril de 2015). «Editors Are Trying To Fix Wikipedia's Gender And Racial Bias Problem». Huffington Post. Consultado em 20 de agosto de 2017. Arquivado do original em 21 de agosto de 2017
- ↑ Klein, Adam (1 de novembro de 2012). «Slipping Racism into the Mainstream: A Theory of Information Laundering». Communication Theory (em inglês). 22 (4): 427–448. ISSN 1050-3293. doi:10.1111/j.1468-2885.2012.01415.x
- ↑ a b Reynosa, Peter (3 de dezembro de 2015). «Why Don't More Latinos Contribute To Wikipedia?». El Tecolote. Consultado em 12 de junho de 2020. Arquivado do original em 8 de dezembro de 2015
- ↑ a b c Ward, Justin (12 de março de 2018). «Wikipedia wars: inside the fight against far-right editors, vandals and sock puppets». The Southern Poverty Law Center. Consultado em 1 de março de 2020
- ↑ Harrison, Stephen (9 de junho de 2020). «How Wikipedia Became a Battleground for Racial Justice». Slate. Consultado em 1 de julho de 2020
- ↑ «Howard University Fills in Wikipedia's Gaps in Black History» (em inglês). Consultado em 1 de outubro de 2018. Arquivado do original em 21 de agosto de 2017
- ↑ Allum, Cynthia (29 de fevereiro de 2016). «Women leading movements to champion equality on Wikipedia». The New York Times. Consultado em 20 de agosto de 2017. Arquivado do original em 10 de agosto de 2017