Nota: Se procura organismos conhecidos por «zooides» ou «briozoários», veja Ectoprocta.
 Nota: Se procura outros significados do termo, veja Zooide (desambiguação).

Zooide (do grego zoeidés, «semelhante a animal»),[1] ou mais raramente zóide, é a designação dada em botânica e em outros ramos das ciências biológicas às células reprodutivas especializadas (gâmetas e zigotos sensu lato) que apresentam motilidade através do uso de um ou mais flagelos, capazes por isso de movimento próprio e autónomo, quando produzidas por plantas ou algas.[2] O termo não é geralmente usado para descrever os espermatozoides móveis flagelados encontrados em animais, embora seja comum o seu uso para designar os zoósporos assexuais dotados de motilidade encontrados em algas, fungos e protozoários. O termo «zooide» também é frequentemente confundido com zooide, um indivíduo que faça parte de um animal colonial.[3]

Ciclo de vida de Laminaria mostrando a produção de zóides.

Descrição

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Em botânica, um zooide (ou zóide) é uma célula especificamente destinada à reprodução sexual que apresenta um ou mais flagelos, sendo por isso capaz de movimento próprio.[2] Os zóides podem ser esporos reprodutivos assexuados ou gâmetas sexualmente reprodutivos. Nos gâmetas sexualmente reprodutivos, os zóides podem ser masculinos ou femininos, dependendo da espécie. Por exemplo, algumas algas castanhas (classe Phaeophyceae) reproduzem-se produzindo gâmetas masculinos e femininos multi-flagelados que se recombinam para formar os esporângios diploides.[4]

A produção de zóides é encontrada primariamente entre as diatomáceas,[2] as algas verdes, as algas castanhas,[5] as plantas avasculares (os atraqueófitos),[6] e algumas plantas vasculares (fetos,[2] cicadáceas[7] e Ginkgo biloba[8]). Contudo, o agrupamento taxonómico em que é mais comum a produção de zóides corresponde aos heterocontes (Heterokonta ou Stramenopiles), que inclui as algas verdes, as algas castanhas, os oomicetos e alguns outros protistas.[9]

Diversidade entre os zóides

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Um zóide típico contém um ou mais flagelos para motilidade. Entre as várias espécies que produzem zóides, existe elevada diversidade no número de flagelos produzidos. Os heterocontes geralmente produzem zóides com dois flagelos (biflagelados),[9] enquanto Ginkgo biloba produz zóides com dezenas de milhar de flagelos.[8] A posição dos flagelos e o arranjo dos microtúbulos também varia entre as espécies. As secções seguintes descrevem sucintamente as características gerais dos zóides encontrados em cada agrupamento taxonómico em que eles são mais frequentes, além de fornecer exemplos específicos.

Organismos heterocontes

Os heterocontes são um grupo de organismos eucariotas, muito diverso, que inclui diatomáceas, algas verdes e algas castanhas. A característica definidora deste agrupamento taxonómico é a presença de um zóide móvel biflagelado.[10] Nestes organismos, os dois flagelos são mais frequentemente posicionados apical ou sub-apicalmente, dependendo do tipo de heteroconte. Um flagelo, o flagelo mastigonemado, geralmente mais longo, é assim designado por apresentar pelos ciliares tubulares em forma de pente (os mastigonemas). Os outros flagelos são tipicamente mais curtos, por vezes mesmo reduzidos a apenas um corpo basal, quando presentes são geralmente lisos e parecidos com chicotes.[9]

Fungos

Os fungos são um grupo muito diversificado de organismos com ciclos de vida muito diversos. A maioria reproduz-se através de esporos pelo que a vasta maioria das espécies não recorre a zóides para sua reprodução. No entanto, uma classe específica de organismos que está intimamente relacionada do ponto de vista morfológico a fungos usa um zóide semelhante ao dos heterocontes: são os Oomycetes (antigamente Oomycota), ou bolores de água, um grupo de organismos eucarióticos potencialmente patogénicos semelhantes a fungos que utilizam zóides bi-flagelados como esporos reprodutivos. Os zóides são libertados apenas em ambientes aquáticos. Membros deste agrupamento taxonómico têm sido responsáveis por surtos de fitopatologias, como a morte súbita dos carvalhos e a requeima da batateira (que esteve na origem da grande fome de 1845–1849 na Irlanda).[11]

Algas verdes

As algas verdes têm um ciclo de vida heteromórfico que inclui alternância de gerações.[12] Em certas algas verdes, os zóides podem ser encontrados tanto nas fase haploide e como na diploide do seu ciclo de vida. Nestes organismos, o número de flagelos é uma característica que auxilia na classificação de diferentes tipos.[12]

Os zóides são libertados através de poros ou pela lise das células produtoras de zóides no gametângio ou no esporângio.[13] A maioria dos zóides produzidos neste grupo são bi-flagelados ou quadri-flagelados. Para representar a diversidade de zóides encontrados nas alga verde, exemplifica-se com os géneros da família Monostromataceae (integrada no filo Chlorophyta):[14]

  • Género Monostroma — produz gâmetas bi-flagelados e zoósporos quadri-flagelados;
  • Género Gayralia — produz zóides bi-flagelados na forma monomórfica assexual;
  • Género Protomonostroma — produz zóides quadri-flagelados;
  • Género Ulvopsis — produz gâmetas bi-flagelados, zoóides assexuais bi-flagelados e zoósporos quadri-flagelados;
  • Género Ulvaria — produz gâmetas biflagelados e zoósporos quadri-flagelados.
Algas castanhas

As algas castanhas (classe Phaeophyceae) reproduzem-se tanto sexuada como assexuadamente, dependendo da espécie. No entanto, todas as células reprodutivas móveis produzidas por organismos integrados nesta classe são flageladas e nela não existem organismos flagelados de vida livre.[2] A estrutura anatómica e a morfologia das algas castanhas consoante a família e o género, pelo que em consequência os zoóides são produzidos de várias maneiras. Os gâmetas e os zoósporos assexuados podem ser produzidos em zoidângios pluriloculares nos talos maiores das algas castanhas.[2] No entanto, em talos menor ocorrem zoidângios uniloculares que produzem células reprodutivas sexuadas ou assexuadas.[15]

A complexidade morfológica das estruturas reprodutoras das algas castanhas levou a desenvolvimento de uma terminologia específica:[2]

  • Plurilocular — muitos lóculos (câmaras), cada um dos quais produz um zóide;
  • Unilocular — uma lóculo, mas que em alguns casos pode produzir vários gâmetas;
  • Gametângio plurilocular — estrutura que possui muitos lóculos que produzem gâmetas haplóides;
  • Esporângio plurilocular — estrutura que possui muitos lóculos que produzem esporos diplóides;
  • Zoidângio plurilocular — termo colectivo para designar o conjunto dos gametângios plurilocular e esporângios pluriloculares;
  • Plurizóide — zóide produzidos num zoidângio plurilocular;
  • Esporângio unilocular — pode produzir meiósporos ou esporos assexuais;
  • Zoidângia unilocular — sinónimo de esporângio unilocular;
  • Unizóide — zóide produzido num zoidângio unilocular.

Os zóides de algas castanhas têm os mesmos dois flagelos básicos presentes nos restantes heterocontes, mas a orientação dos flagelos é única nas Phaeophyceae. Em geral, os flagelos são ambos inseridos lateralmente.[2]

Diatomáceas

Os zóides não são tão comuns entres as diatomáceas quanto nas famílias de algas verdes e castanhas. As diatomáceas são geralmente divididos em duas categorias, as diatomáceas cêntricas e as diatomáceas penadas. Destas duas categorias, apenas as diatomáceas cêntricas produzem zóides e apenas os gâmetas masculinos apresentam flagelos. Verificou-se que mesmo os gâmetas masculinos móveis possuem apenas um flagelo, sem sinais de um segundo flagelo, mesmo que rudimentar.[16] Esta ausência de um segundo flagelo desvia-se da definição padrão de um heteroconte e ppor isso as diatomáceas são frequentemente classificadas como Stramenopiles.[10]

Plantas não vasculares

Entre as plantas não vasculares, especialmente entre os briófitos (Bryophyta sensu lato), as espécies que se reproduzem sexualmente utilizam zóides como gâmetas. Muitas espécies de briófitos são principalmente estruturas anatómicas especificamente destinadas à reprodução assexuada, que se reproduzem por fragmentação ou clonagem.[17] Quando os briófitos se reproduzem sexualmente, os zóides masculinos devem nadar desde os anterídio onde são produzidos até aos arquegónios. Estes zóides são geralmente bi-flagelados, mas essa é uma característica que varia de espécie para espécie.[18] Neste caso, a planta verde macroscópica é na realidade um gametófito, um organismo haplóide no qual o embrião diplóide se desenvolve e se transforma num esporófito maduro.

Plantas vasculares

Os zóides ocorrem em três tipos de plantas: pteridófitos, cicadáceas e na espécie Ginkgo biloba. Os zóides de todos estes grupos, apesar de morfologicamente diferentes, são grandes e multi-flagelados. Os espermatozóides maduros do pteridófito Asplenium onopteris têm 8 a 8,5 micrómetros de comprimento e apresentam cerca de 50 flagelos.[19] O zóide das cicadáceas pode ter até 300 a 500 micrómetros de comprimento e pode apresentar milhares de flagelos.[7] O zóide do género Ginkgo tem aproximadamente 86 micrómetros de comprimento e também pode conter milhares de flagelos.[7] Devido ao grande número de flagelos associados às cicadáceas e a Ginkgo, existem opiniões divergentes sobre os classificar como flagelos ou cílios, mas, de qualquer maneira, as cicadáceas e o ginkgo são uma raras exepção entre as plantas lenhosas ao produzirem gâmetas móveis.

Evolução

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Nas plantas, o zóide, ou esperma capaz de natação, é considerado uma característica das plantas terrestres ditas inferiores. Em ambientes aquosos, a necessidade de reprodução móvel é óbvia, mas em terra firme essa adaptação perde a sua relevância. O zóide é mais comum entre as plantas não vasculares e as plantas vasculares inferiores, pelo que se tem mantido a hipótese que considera que à medida que as plantas terrestres evoluíram para a produção de óvulos fechados, a existência obrigatória de um filme de água e, portanto de espermatozóides móveis, se tornasse desnecessária.[6] Daí ser a ocorrência de espermatozóides móveis, flagelados ou zóides, entre as angiospermas um evento muito raro.

Na mesma linha de pensamento, o género Ginkgo não tem parentes vivos próximos, o que demonstra a sua antiguidade. Acredita-se que esteja mais intimamente relacionado com os pteridófitos gigantes que datam do período Jurássico, pelo que representará uma linhagem que pode ser considerado de plantas terrestres inferiores. O ginkgo foi originalmente classificado na família Taxaceae, a que também pertence o teixo, mas quando foi descoberto que o ginkgo tinha esperma móvel, foi transferido para sua própria família, as Ginkgoaceae.[8]

Referências

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  1. Zooide.
  2. a b c d e f g h Hoek, C. van den, Mann, D. G. and Jahns, H. M. (1995). Algae : An introduction to phycology, Cambridge University Press, UK.
  3. Zooide. Zooid. Accessed 4/15/12.
  4. Heesch, S. and Peters, A.F. (1999). Scanning electron microscope observation of host entry by two brown algae endophytic in Laminaria saccharina. Phycological Research. Japan.
  5. Lobban, Christopher S. and Wynne, Michael James. (1981). The biology of seaweeds. University of California Press, US.
  6. a b Paolillo, Dominick J. Jr. (1981). The swimming sperms of land plants. Bioscience. Volume 31. Issue 5. pp 367-373. University of California Press.
  7. a b c Norstog, Knut J. and Gifford, Ernst M. and Stevenson, Dennis W. (2004). Comparative development of the spermatozoids of Cycads and Ginkgo biloba. The Botanical Review. Volume 70. pp 5-15. The New York Botanical Garden.
  8. a b c Ogura, Y. (1967). History of discovery of spermatozoids in Ginkgo biloba and Cycas revoluta. Phytomorphology. Volume 17. pp 109-114. University of Tokyo, Japan.
  9. a b c Anderson, Robert A. (2004). Biology and systematics of heterkont and haptophyte algae. American Journal of Botany. Volume 91. Issue 10. pp 1508-1522. St. Louis, MO.
  10. a b Patterson, David J. (1999). The diversity of eukaryotes. The American Naturalist. Volume 154. Issue S4. pp S96-S124. The University of Chicago Press. USA.
  11. Walker, Claire A. and van West, Pieter. (February 2007). Zoospore development in the oomycetes. Fungal Biology Reviews. Volume 21. Issue 1. pp 10-18.
  12. a b Lewis, Louise A. and McCourt, Richard M. (2004). Green algae and the origin of land plants. American Journal of Botany. Volume 91. pp 1535-1556. St. Louis, MO.
  13. Lersten, Nels R. and Voth, Paul D. (1960). Experimental control of zoid discharge and rhizoid formation in green alga. Botanical Gazette. Volume 122. pp 33-45. The University of Chicago Press.
  14. Bast, Felix and Shimada, Satoshi and Hiraoka, Masanori and Okuda, Kazuo. (2009). Asexual life history by biflagellate zoids in Monostroma latissimum. Aquatic Botany. Volume 91. Issue 3. pp 213-218.
  15. Heesch, S. and Peters, Akira F. (1999). Scanning electron microscopy observation of host entry by two brown algae endophytic in Laminaria saccharina. Phycological Research. Volume 47. pp 1-5.
  16. Sato, Shinya and Beakes, Gordan and Idei, Masahiko and Nagumo, Tamotsu and Mann, David G. (October 2011). Novel sex cells and pheromones in diatoms. http://www.plosone.org. Volume 6. Issue 10. Accessed 4/15/12.
  17. Frey, Wolfgang and Kurschner, Harald. (March 2011). Asexual reproduction, habitat colonization, and habitat maintenance in bryophytes. Flora - Morphology, Distribution, Functional Ecology of Plants. Volume 206. Issue 3. pp 173-184
  18. Renzaglia, Karen S. and Bernhard, Douglas L. and Garbary, David J. (January 1999). Developmental ultrastructure of the male gamete of Selaginella. International Journal of Plant Sciences. Volume 160. Issue 1. pp 14-28.
  19. Muccifora, S. and Gori, P. (August 2005). Ultrastructure of mature spermatozoids in the fern Asplenium onopteris. Micron. Volume 36. Issue 6. pp 539-544.

Ver também

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Ligações externas

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