A Rainha Diaba
A Rainha Diaba é um filme de drama brasileiro de 1974 dirigido por Antônio Carlos Fontoura e roteirizado por Plínio Marcos. Estrelado por Milton Gonçalves no papel título, o filme acompanha um homem gay, autodenominado Diaba, que controla uma rede de narcotráfico e o crime organizado da cidade.[1] Foi livremente inspirado no criminoso carioca da primeira metade do século XX, João Francisco dos Santos, conhecido como Madame Satã, que ganhou destaque por sua figura marcante.[2]
A Rainha Diaba | |
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Cartaz de divulgação do filme. | |
Brasil 1974 • cor • 100 min | |
Género | drama |
Direção | Antonio Carlos Fontoura |
Produção | Antonio Calmon |
Produção executiva | Maurício Nabuco |
Roteiro |
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Elenco | |
Música | Guilherme Vaz |
Cinematografia | José Medeiros |
Direção de arte | Ângelo de Aquino |
Figurino | Ângelo de Aquino |
Edição | Rafael Justo Valverde |
Companhia(s) produtora(s) | Lanterna Mágica Produções Ventania Filmes |
Distribuição | Ipanema Filmes Embrafilme |
Lançamento | 27 de maio de 1974 |
Idioma | português |
A Rainha Diaba teve seu lançamento mundial no 8° Festival de Cinema de Brasília, em 1974, e foi lançado nos cinemas do Brasil em 27 de maio de 1974.[1] O filme conta ainda com as participações de Odete Lara, Nelson Xavier, Stepan Nercessian, Wilson Grey e a atuação especial de Yara Cortes no elenco.[2] O filme foi recebido com críticas variadas, mas predominantemente positivas por parte da crítica especializada, que o considerou com uma abordagem ousada e estética inovadora.[3] Comercialmente, o filme registrou índices satisfatórios alcançando 700 mil espectadores nos cinemas.[4]
A performance de Milton Gonçalves como Diaba foi amplamente reconhecida pela crítica como um de seus melhores trabalhos no cinema e o ator foi premiado como Melhor Ator pelo Festival de Brasília,[5] além de ter recebido o Prêmio Governador do Estado e o Prêmio Air France de Melhor Ator de Cinema, as alcunhas mais importantes à época.[6] O filme foi digitalizado em resolução 4K em 2022, ganhando novamente repercussão ao ser exibido na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e no tradicional Festival Internacional de Cinema de Berlim, na Alemanha.[7]
Premissa
editarA partir de um quartinho, nos fundos de um prostíbulo comandando por Violeta (Yara Cortes), Rainha Diaba (Milton Gonçalves), um chefe do crime organizado, exerce seu poder com astúcia e brutalidade. Controlando o submundo a partir de seu quarto, Diaba enfrenta uma ameaça iminente: a polícia está prestes a capturar um de seus principais comparsas. Para proteger seu protegido e desviar a atenção das autoridades, Diaba ordena que seu braço direito, Catitu (Nelson Xavier), crie um bode expiatório — um criminoso fictício que será entregue à polícia no lugar do verdadeiro alvo.
Catitu, experiente em tramas e manipulações, encontra a peça ideal para o plano nas ruas da cidade: Bereco (Stephan Nercessian), um jovem ambicioso e carismático, que vive sustentado por Iza (Odete Lara), uma cantora de cabaré mais velha. Seduzido pela promessa de poder e dinheiro, Bereco é atraído por Catitu para uma série de assaltos, ganhando rapidamente fama como um perigoso delinquente. Porém, à medida que sua notoriedade cresce, Bereco decide romper com seus manipuladores, tomando o controle de sua própria trajetória criminosa. A partir daí, inicia-se uma disputa implacável pelo domínio das “bocas” — os territórios do tráfico — em um jogo de traição, vingança e violência. Em um universo onde confiança é moeda rara, Bereco desafia a autoridade de Rainha Diaba, desencadeando uma guerra que ameaça desestabilizar toda a rede criminosa da cidade.[8][9]
Elenco
editar- Milton Gonçalves como Rainha Diaba
- Nelson Xavier como Zeca Catitu
- Odete Lara como Iza Gonzales
- Stephan Nercessian como Berreco
- Yara Cortes como Violeta
- Wilson Grey como Manco
- Edgar Gurgel Aranha como Zuleico
- Lutero Luiz como Anão
- Haroldo de Oliveira como Bigode
- Procópio Mariano como Coisa Ruim
- Quim Negro como Dentinho
- Zezé Motta como namorada de Bigode
Produção
editarAntecedentes e concepção
editarA Rainha Diaba é o segundo longa-metragem dirigido pelo cineasta Antônio Carlos Fontoura. Anteriormente, o diretor havia explorado a burguesia carioca em seu filme Copacabana Me Engana (1968) e, aqui, ele a deixa de lado e se aprofunda na marginalidade e nas contradições da cidade.[3] O sucesso de sua obra anterior foi o ponto de partida para o interesse da produtora de filmes de Roberto Farias iniciar as negociações para produzir o filme.[3] A partir das ideias iniciais de enredo de Fontoura, o roteirista Plínio Marcos escreveu seu argumentos baseando-se em relatos reais que ele conheceu durante uma viagem à Santos, no Litoral de São Paulo.[3] No entanto, na finalização do roteiro, Fontoura decidiu transferir a trama para a Lapa, um região boêmia do Rio de Janeiro, para compor o personagem central que dá título ao filme.[3]
A composição de Diaba, um homem gay que controla o narcotráfico no cenário do filme, foi livremente inspirada na história de João Francisco dos Santos, conhecido popularmente como Madame Satã.[2] Figura emblemática da boemia carioca dos anos 1930, Madame Satã destacou-se na Lapa por sua presença marcante e personalidade audaciosa. Seu estilo excêntrico e sua trajetória de vida inspiraram a construção do personagem Rainha Diaba, que incorpora elementos da mítica figura de Satã, refletindo tanto sua estética provocativa quanto a aura de mistério e transgressão que o cercava.[3] Fontoura classifica A Rainha Diaba como um "thriller pop-gay-black", uma definição que revela muito sobre o contexto cultural no qual a obra se insere e com o qual dialoga profundamente.[3] Os elementos "gay" e "black" remetem diretamente às culturas marginalizadas que, nos anos 1970, passaram a ocupar espaço crescente nas produções artísticas, especialmente nos Estados Unidos.[3] O filme apresenta uma forte conexão estética com o gênero blaxploitation, que despontava na época, caracterizado por thrillers policiais protagonizados por atores negros e que incorporavam referências sociais e culturais das comunidades negras urbanas norte-americanas.[3]
A trilha sonora e a direção de arte são componentes essenciais na construção da atmosfera do filme. O compositor Guilherme Vaz, colaborador de cineastas como Júlio Bressane e Nelson Pereira dos Santos, cria uma trilha sonora que remete ao cinema policial dos anos 1970, mesclando influências de jazz, rock e funk norte-americano.[3] A cenografia, por sua vez, aposta em um estilo kitsch, inspirado na cultura dos cabarés brasileiros, refletindo um imaginário popular repleto de cores vibrantes.[3] A direção de arte, assinada por Ângelo de Aquino, junto à fotografia de José Medeiros, reforça a estética visual marcante do filme, utilizando tonalidades intensas para criar um universo estilizado e repleto de simbolismo.[3]
Lançamento
editarO filme teve sua première no Festival de Cinema de Brasília, em sua oitava edição,[5] e participou, ainda, da Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes, tradicional festival internacional de cinema realizado na França, em 1974.[4] Foi lançado comercialmente no Brasil em 27 de maio de 1974.[10]
Censura e exibição internacional
editarO caminho de A Rainha Diaba até o Festival de Cannes foi marcado por percalços e um toque de ironia política, típico do Brasil sob a Ditadura Militar. Embora o filme inicialmente não tenha atraído a atenção dos censores — que o ignoraram em sua estreia nacional —, o convite para exibição no maior festival de cinema do mundo despertou uma nova preocupação no regime. De repente, o longa passou a ser visto como "inadequado" para representar o país no exterior, sendo classificado como "excessivamente gay" e potencialmente prejudicial à imagem do Brasil.[4]
A burocracia e a repressão acabaram atrasando o processo, e o prazo de inscrição na mostra competitiva de Cannes expirou, deixando o filme fora da disputa pela Palma de Ouro. No entanto, os organizadores franceses, determinados a garantir a exibição da obra, encontraram uma solução alternativa: A Rainha Diaba foi incluído na Quinzena dos Realizadores, uma seção paralela do festival que celebra produções ousadas e inovadoras. Assim, apesar das tentativas de silenciamento, o filme conseguiu conquistar seu espaço em um dos palcos mais prestigiados do cinema mundial.[4]
Restauração
editarOs materiais originais, obtidos junto ao Arquivo Nacional e ao Centro Técnico Audiovisual, passaram por um minucioso processo de restauração em resolução 4K. Esse trabalho foi realizado pela produtora Janela de Cinema, sediada em Recife, em colaboração com a organização Cinelimite e o laboratório especializado Link Digital/Mapa Filmes do Brasil.[11] O resultado desse esforço conjunto foi apresentado ao público durante a 46ª edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em 25 de outubro de 2022, reafirmando o compromisso das instituições envolvidas com a preservação e a difusão do patrimônio audiovisual brasileiro.[12][13] Em 2023, a obra digitalizada foi exibida na Mostra Berlinare do importante Festival Internacional de Cinema de Berlim.[7]
Recepção
editarBilheteria
editarEm entrevista após a exibição do filme em Berlim, em 2022, o diretor Antônio Carlos Fontoura mencionou que o lançamento comercial do filme em 1974 nos cinemas brasileiros foi um sucesso, registrando 700 mil ingressos vendidos.[4]
Crítica
editarNo momento de seu lançamento, em 1974, A Rainha Diaba foi recebido com críticas variadas, mas predominantemente positivas por parte da imprensa brasileira. Nos jornais Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo, o filme foi elogiado por sua abordagem ousada e estética inovadora.[3][14] O crítico Orlando L. Fassoni destacou os diálogos recheados de gírias, classificando-o como "o filme mais barroco, ousado e delirante realizado no cinema brasileiro depois de Macunaíma" — uma referência ao clássico de Joaquim Pedro de Andrade, célebre por sua estética carnavalesca e crítica social.[3]
Por outro lado, Ely Azeredo, embora considere A Rainha Diaba menos pessoal do que Copacabana me Engana (1968), também dirigido por Antônio Carlos da Fontoura, enxerga o novo filme como mais desafiador e instigante. Ele observa que Fontoura se distancia do universo que vivencia diretamente — a classe média da zona sul do Rio de Janeiro — e mergulha em um território social distinto, focando nas dinâmicas do crime e do submundo carioca, o que revela um esforço criativo em explorar "experiências e maturidades alheias".[3]
Já Sérgio Augusto, escrevendo para a revista Veja, adotou uma postura mais crítica. Em sua análise, considera que o visual extravagante e propositalmente estilizado do filme se aproxima do "mau gosto", sugerindo que a escolha estética resvala em excessos. Ele também aponta que os atores parecem interpretar seus papéis "como num palco de teatro-revista", insinuando uma teatralidade exagerada que, para ele, comprometeria a verossimilhança da narrativa.[15][3]
Anos mais tarde, durante uma reapresentação do filme, o crítico Jairo Ferreira revisitou a obra sob uma ótica mais entusiástica. Ele elogiou o uso criativo das gírias populares, a atenção cuidadosa à mise en scène e o refinamento técnico da produção. Em sua visão, o longa-metragem é um "mosaico requintado sobre a sujeira", uma obra que combina estética sofisticada e um olhar crítico sobre as entranhas do crime carioca. Essa análise reafirma a importância do filme como um marco do cinema brasileiro dos anos 1970, tanto pela sua temática quanto pela sua linguagem visual única.[3] Em sua crítica no Papo de Cinema, Robledo Milani disse que "o exagero em A Rainha Diaba é proposital, e por isso mesmo, celebrado. Pois é no excesso por onde ela transita, revelando-se não apenas única, mas também incapaz de ser esquecida".[16] No Cinema em Cena, Pablo Villaça disse que "o final irritantemente moralista é lamentável, mas o filme estabelece bem o tom da marginalidade e traz excelentes atuações".[17]
Prêmios e indicações
editarLista de prêmios | |||
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Associação(ões) | Categoria | Recipiente(s) | Resultado |
Festival de Cinema de Brasília[5] | Melhor Filme | A Rainha Diaba | Indicado |
Melhor Ator | Milton Gonçalves | Venceu | |
Melhor Direção de Fotografia | José Medeiros | Venceu | |
Prêmio Governador do Estado | Melhor Ator de Cinema | Milton Gonçalves | Venceu |
Prêmio Air France [6] | Melhor Ator de Cinema | Venceu | |
Prêmio Coruja de Ouro | Melhor Ator | Venceu | |
Troféu APCA | Melhor Figurino em Filme | Ângelo Aquino | Venceu |
Prêmio Adicional de Qualidade (MinC)[1] | Melhor Filme | A Rainha Diaba | Venceu |
Referências
- ↑ a b c «FILMOGRAFIA - A RAINHA DIABA». bases.cinemateca.org.br. Consultado em 9 de janeiro de 2025
- ↑ a b c AdoroCinema, A Rainha Diaba, consultado em 9 de janeiro de 2025
- ↑ a b c d e f g h i j k l m n o p q Cultural, Instituto Itaú. «A Rainha Diaba». Enciclopédia Itaú Cultural. Consultado em 9 de janeiro de 2025
- ↑ a b c d e Lacerda, Fátima (27 de fevereiro de 2023). «"A Rainha Diaba" é aclamado na Berlinale 2023». cinematório. Consultado em 9 de janeiro de 2025
- ↑ a b c «8º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro (1975)». www.metropoles.com. 14 de agosto de 2017. Consultado em 9 de janeiro de 2025
- ↑ a b «Jornal do Brasil (RJ) - 1970 a 1979 - DocReader Web». memoria.bn.gov.br. Consultado em 9 de janeiro de 2025
- ↑ a b «Quase 50 anos após a estreia, longa 'A Rainha Diaba' é digitalizado e será exibido em festival em Berlim». O Globo. 18 de janeiro de 2023. Consultado em 9 de janeiro de 2025
- ↑ «Canto Claro - Rainha Diaba». Consultado em 27 de fevereiro de 2016. Arquivado do original em 4 de março de 2016
- ↑ Críticos
- ↑ «FILMOGRAFIA - A RAINHA DIABA». bases.cinemateca.org.br. Consultado em 9 de janeiro de 2025
- ↑ «A Rainha Diaba». Instituto Moreira Salles. Consultado em 9 de janeiro de 2025
- ↑ «Versão restaurada de A Rainha Diaba será apresentada nesta terça (25)». 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo. Consultado em 9 de janeiro de 2025
- ↑ «A Rainha Diaba». MostraSP. Consultado em 8 de novembro de 2022
- ↑ FASSONI, Orlando L. O fantástico bailado dos marginais. Folha de S.Paulo, São Paulo, 7 set. 1974. Ilustrada, p. 29.
- ↑ AUGUSTO, Sérgio. Sim e não. Veja, 5 mai. 1974.
- ↑ «A Rainha Diaba». Papo de Cinema. Consultado em 30 de maio de 2022
- ↑ «Reviews». Rotten Tomatoes (em inglês). Consultado em 30 de maio de 2022. Cópia arquivada em 31 de maio de 2022
Ligações externas
editar- A Rainha Diaba. no IMDb.