Cúpula de Santa Maria del Fiore
A cúpula de Santa Maria dell Fiore ou cúpula de Santa Maria da Flor, também conhecida por cúpula de Brunelleschi ou cúpula do Duomo de Florença, constitui o telhado do cruzeiro da catedral de Santa Maria del Fiore de Florença. Foi a maior cúpula do mundo após a queda do Império Romano do Ocidente[1]. Foi concebida, projetada e construída por Filippo Brunelleschi, que com esta obra deu inicio ao renascimento italiano e florentino na arquitetura.[2] É considerada a construção mais importante construída na Europa desde a época romana pela relevância fundamental que desempenhou para o posterior desenvolvimento da arquitetura e da conceção moderna de construção.[3][4]
A cúpula tem uma forma pontiaguda e é composta por oito arcos quebrados, revestidos com telha de barro vermelho e delimitada por oito nervuras de pedra branca. Toda a estrutura assenta sobre um tambor também octogonal, perfurado por oito áculos para iluminação interior. Os nervos convergem num anel octogonal superior, coroado por uma lanterna, elemento que também contribui para a entrada de luz. O interior é composto por dois casquetes ou "cúpulas", um interior e outro exterior, construídas com tijolos dispostos em forma de "espinha de peixe". Estão ligados entre si a partir de uma grelha interna formada por nervuras, que suportam a cúpula e contribuem para a sua estabilidade. O vão que fica entre as duas cúpulas forma um espaço por onde se ascende à lanterna. A face interna da cúpula é decorada com afrescos e em têmpera representando o Juízo Final.[5]
As proporções do conjunto são monumentais. A altura máxima da cúpula é de 116,50 metros, o diâmetro máximo da calota interior é de 45,5 metros e o exterior de 54,8 metros.[6] A base das impostas está a 55 metros do solo. O tambor, com 13 metros de altura e 43 metros de largura, está localizado a 54 metros do solo.[7] A calota interior tem uma espessura na sua base de 2,20 metros, diminuíndo para 2 metros no topo, enquanto a calota exterior tem uma espessura que varia de um metro a 0,40 metros. O anel superior do fecho da cúpula encontra-se a 86,70 metros do solo.[8] A lanterna tem 6 metros de diâmetro e 22 de altura.[6] As cortinas trapezoidais medem 17,50 metros de comprimento e têm 32,65 metros de altura.[8] O peso total estimado da cúpula é superior a 30.000 toneladas[9] (embora noutras fontes sejam fornecidos números muito mais elevados: cerca de 37.000 )[6] e calcula-se que tenham sido necessários mais de 4 milhões de Tijolos[10] pelo que a construção detém o recorde da maior cúpula do mundo feita com tijolos.[6]
As suas enormes dimensões inviabilizaram a utilização de métodos construtivos tradicionais com recurso a cofragens, o que incentivou a especulação de diversas teorias sobre a técnica construtiva utilizada. Brunelleschi não deixou registo de qualquer desenho, maqueta ou esboço que indicasse o procedimento utilizado na construção da cúpula[11]
O arquiteto e humanista Leon Battista Alberti afirmou, referindo-se à cúpula:
Seria muito duro e invejoso quem não elogiasse o arquitecto Pippo, vendo esta estrutura tão grande, elevada acima dos céus, tão ampla que cobre com a sua sombra todas os cidadãos toscanos, feita sem qualquer ajuda de molduras ou profusão de madeira: um artifício que, julgo, nestes tempos era incrível, e talvez não fosse sabido nem conhecido na antiguidade.
A construção da cúpula durou 16 anos, de 1420 a 1436.[14][15] Embora a cúpula só tenha sido concluída até 31 de Agosto com a cerimónia de lançamento da última pedra,[16] a celebração oficial foi a 25 de Março de 1436, dia da festa da Anunciação, primeiro dia do ano no calendário florentino. Esta durou 5 horas, e uma passarela de madeira coberta por um dossel roxo decorado com bandeiras e grinaldas teve de ser construída entre os aposentos papais do mosteiro de Santa Maria Novella e a porta da catedral. À hora marcada para a bênção solene, apareceu o Papa Eugénio IV, e, vestido de branco, iniciou uma lenta procissão ao longo do tapete estendido na passerela, seguido por sete cardeais, trinta e sete bispos e arcebispos e pelas autoridades da cidade, chefiadas pelo Gonfaloniero e pelo Prior.[17] Foi também comemorado com a primeira estreia do moteto isorrítmico de Guillaume Dufai Nuper rosarum flores, com referências ao escudo de Florença e à dedicatória da basílica de Santa Maria da Flor.[18]
Terminada a construção da cúpula, foi convocado outro concurso público para a lanterna, novamente ganho por Brunelleschi,[19] que iniciou as obras em 1446,[20] poucos meses antes de falecer,[18] pelo que o seu trabalho teve de ser retomado sob a direção do seu amigo e discípulo Michelozzo di Bartolomeo, terminando totalmente a 23 de abril de 1461.[19] e a decoração pictórica do interior da cúpula durou de 1572 a 1579.[21]
A lanterna sofreu vários contratempos ao longo da história por causa do relâmpagos. Os mais consideráveis foram registados em 1492 e 1601, quando a cruz e a bola de Verrocchio foram derrubados, danificando gravemente a lanterna, tendo sido restaurados em 1602.[22] A estrutura sofreu também vários sismos, sendo os mais notáveis os que ocorreram em 1453, 1542 e 1695.[19]
Em 1639, registaram-se várias fissuras na cúpula que discorriam verticalmente desde o topo dos soportais dos painéis cegos, passando pelos óculos até chegar à lanterna. Mais tarde, observou-se que estas fissuras sofriam ciclos sazonais alternados de dilatação e contracção em função da temperatura.[23] Em 1757, o jesuíto e o matemático Leonardo Ximenes já apontavam a existência de diversas fissuras angulares na face interna das oito arestas que se cruzavam nos painéis, localizadas na terceira cúpula.[24] Estas fissuras desenvolveram-se lentamente ao longo dos séculos,[25] razão pela qual foram levadas a cabo, desde a década de 80 do século anterior, diversas investigações e estudos para monitorizar e controlar o comportamento estrutural da cúpula[26].
Em 1982, o centro histórico de Florença, incluindo a Catedral de Santa Maria del Fiore e a sua cúpula, foram declarados Património Mundial pela UNESCO. [27]
Antecedentes
editarA construção em estilo gótico sofreu um declínio a partir de finais do século XIV. Neste período, os Estados-nação emergentes começaram a competir com a Igreja como centros de poder. Para estas novas entidades, o Império Romano era o modelo de Estado-nação, e parecia apropriado usar as formas construtivas dos edifícios romanos como símbolos do novo poder, especialmente o arco semicircular, a abóbada de canhão e, sobretudo, a cúpula, seguindo o exemplo do Panteão de Roma. Em Florença, foi acrescentada outra razão de peso; o estilo gótico era praticado pelos adversários tradicionais da cidade, especialmente Milão e também França.[28]
A cúpula original de Arnolfo di Cambio
editarAs obras no actual edifício da Catedral de Santa Maria del Fiore começaram entre 1294 e 1295 para substituir a antiga igreja mais pequena de Santa Reparata.[14] Entre 1410 e 1413 foi construído o tambor, [29] e a sua base superior foi concluída entre 1414 e 1415. No entanto, no início do século XV, o problema da cobertura ainda não tinha sido discutido em profundidade, cuja construção preocupava os membros do Opera del Duomo há algum tempo.[a]|group="lower-alpha"}} Não foi tarefa fácil construir e colocar o ponto onde deveriam ser apoiadas as enormes cimbras de madeira que deveriam suportar a cúpula até ao seu fecho final com a chave.[30] Além disso, era inviável que uma obra de tais dimensões pudesse ser suportada por andaimes tradicionais, uma vez que nenhuma variedade de madeira poderia suportar temporariamente um peso tão grande.[29]
Arnolfo di Cambio, o arquiteto que projetou a nova catedral, provavelmente previu este revés, pois imaginou a conclusão do seu edifício com uma cúpula, um elemento muito diferente e maior do que o tradicional cibório das catedrais medievais. A sua ideia de utilizar um tipo de cobertura mais convencional pode ser vista num conhecido fresco de Andrea di Bonaiuto localizado na Capela Espanhola de Santa María Novella em Florença.[31] A pintura, datada aproximadamente de 1355, mostra em segundo plano uma igreja claramente reconhecível como Santa María del Fiore, na qual se encontra uma cúpula desprovida de tambor e com um formato semisférico, embora com os lados muito curvos.[32] No entanto, uma cúpula de volta perfeita, mesmo que fosse mais pequena e não tivesse tambor, teria grande dificuldade em suportar o peso da lanterna retratada sem a ajuda de reforços. De qualquer modo, é possível que Bonaiuto tenha dado ao desenho uma forma mais arredondada do que di Cambio pretendia para o seu projecto.[33]
O facto mais relevante é que Arnolfo di Cambio propôs uma cúpula que evitava a construção dos característicos contrafortes da arquitetura gótica vigente na época, e adotou um novo modelo.[34] Escavações realizadas na década de 1970 descobriram a localização da maqueta e trouxeram à luz os pilares à escala de uma cúpula com um vão de 36,27 metros. Este tinha um diâmetro maior do que a cúpula da Hagia Sophia em Constantinopla.[35]
Referências
- ↑ D'Isa & Salimbeni 2015.
- ↑ Moore 1905, p. 10.
- ↑ Pevsner 2006.
- ↑ King 2001, p. 164.
- ↑ Fanelli & Fanelli (2004), pp. 31 -36.
- ↑ a b c d «Brunelleschi e la genesi di un capolavoro» (em italiano). duomo.firenze.it. 13 de fevereiro de 2018. Consultado em 24 de janeiro de 2023
- ↑ Conti 2014, pp. 5-6.
- ↑ a b Capretti 2003, p. 50.
- ↑ Fanelli & Fanelli 2004, p. 184.
- ↑ Fanelli & Fanelli 2004, p. 28.
- ↑ Ricci, Jones & Sereni 2010, p. 39.
- ↑ «Della pittura di Leon Battista Alberti. A Filippo Brunelleschi. Prologo». Consultado em 24 de fevereiro de 2021
- ↑ Fanelli 2004, p. 60
- ↑ a b Fanelli & Fanelli (2004), p. 9.
- ↑ Capretti (2003), p. 48.
- ↑ Hibbert (2003), p. 73.
- ↑ a b Fanelli & Fanelli 2004, p. 31.
- ↑ a b c «Una Lanterna per la Cupola del Duomo di Firenze» (em italiano). duomo.firenze.it. 31 de dezembro de 2014. Consultado em 25 de fevereiro de 2021
- ↑ Capretti 2003, p. 52.
- ↑ «Federico Zuccari e la storia delle pitture parietali della Cupola del Duomo» (em italiano). duomo.firenze.it. 20 de julho de 2017. Consultado em 9 de fevereiro de 2023
- ↑ «Fulmini, crolli e misteri. Cronistoria dei dolori della Cupola» (em italiano). duomo.firenze.it. 3 de abril de 2017. Consultado em 24 de janeiro de 2023
- ↑ Mark (1993), pp. 202-203.
- ↑ Fanelli & Fanelli 2004, p. 230.
- ↑ Fanelli & Fanelli 2004, p. 231.
- ↑ Fanelli & Fanelli 2004, p. 242.
- ↑ «Centro histórico de Florencia» (em espanhol). whc.unesco.org. Consultado em 24 de janeiro de 2023
- ↑ King (2001), p. 7.
- ↑ a b Capretti (2003), p. 36.
- ↑ King (2001), p. 40.
- ↑ Fanelli & Fanelli (2004), p. 14.
- ↑ Moore (1905), p. 13.
- ↑ Testa (2012), p. 28.
- ↑ King (2001), p. 6.
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