De Janela pro Cinema
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De Janela pro Cinema é um curta-metragem de animação em stop motion de 1999 e o primeiro trabalho autoral do brasileiro Quiá Rodrigues.[4][5] O filme usa como referências mais de cinquenta clássicos do cinema mundial[4] e atores famosos[6] na forma de bonecos de látex para homenagear a sétima arte,[5] enquanto a protagonista canta em seu apartamento durante o banho e é observada por vizinhos.[1][7]
De Janela pro Cinema | |
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Brasil 1999 • cor • 14 min | |
Gênero | animação, erótico |
Direção | Quiá Rodrigues[1] |
Produção | Quiá Rodrigues |
Roteiro | Quiá Rodrigues |
Elenco | Beth Bruno Sérgio Britto Lina Rossana Wendel Passos Pedro Eugênio Quiá Rodrigues |
Música | Ed Motta (música original e trilha sonora) Ronaldo Bastos (letra e trilha sonora) Jota Moraes (arranjo e produção musical) Beth Bruno (interpretação musical) |
Cinematografia | César Elias |
Diretor de fotografia | César Elias |
Direção de arte | Paula Nogueira Simone Mello |
Sonoplastia | Edwaldo Mayrinck Roberto Leite |
Efeitos especiais | Francisco Salles |
Figurino | Jeff Báffica |
Edição | Flávio Zettel |
Companhia(s) produtora(s) | Decine CTAv/FUNARTE Q Filmes |
Lançamento | julho de 1999 (Anima Mundi)[1] maio de 2000 (Festival de Cannes)[2] |
Idioma | inglês, italiano, português, alemão e francês |
Orçamento | R$ 86 000[3] |
Os nove personagens representandos como bonecos são: o vampiro Nosferatu (Max Schreck, no filme homônimo de 1922), Carlitos (do comediante Charles Chaplin), "The Girl" (Marilyn Monroe, no filme O Pecado Mora ao Lado de 1955), Macunaíma (Grande Otelo, no filme homônimo de 1969),[5] o anjo Damiel (Bruno Ganz no filme Asas do Desejo de 1987), o mágico Mandrake (Marcelo Mastroianni em Entrevista, filme de 1987), a vendedora da tabacaria (Maria Antonietta Beluzzi em Amarcord, filme de 1973), "Monsieur" Hulot (personagem do ator Jacques Tati em Les Vacances de monsieur Hulot de 1953) e o fotógrafo L. B. "Jeff" Jefferies (James Stewart no filme Janela Indiscreta de 1954).[7]
Ao se valer do próprio cinema como fonte de inspiração, Rodrigues produziu uma animação metalinguística baseada em citações, alusões e paródias.[5] Segundo a pesquisadora Eliane Gordeeff, o resultado do projeto foi uma mistura 'abrasileirada' aos moldes da autofagia de Oswald de Andrade, com referências a 'estética da fome', as chanchadas e a tropicália; e de manifestações pictóricas e simbólicas de narrativas estrangeiras.[5] Como obra de animação, o filme também marca o ressurgimento das produções autorais no Brasil na década de 90, após a criação de leis de apoio e incentivo.[5]
O curta recebeu mais de vinte e seis premiações,[6] além de se tornar um marco na animação nacional, pois foi a primeira produção a receber o prêmio de Melhor Animação Brasileira em seu lançamento no Anima Mundi de 1999 – o primeiro ano em que ocorreu a premiação desta categoria,[5] pois até então, não haviam produções participantes em número suficiente que a justificasse no festival.[6] Em 2000, foi indicado internacionalmente para a Mostra Cinéfondation no Festival de Cannes, na França e no Festival de Havana em Cuba, onde ficou com o segundo lugar de Melhor Animação.[2][5]
Produção
editarAntecedentes
editarEm 1995, Quiá Rodrigues foi convidado pelo Centro Técnico Audiovisual (CTAv), juntamente com a funcionária da instituição Paula Nogueira, para desenvolverem uma vinheta de um minuto para a comemoração dos 100 Anos do Cinema, baseada no personagem Nosferatu.[6] Porém, a produção atrasou e não pôde ser utilizada no festival, mas devido a seu resultado visual expressivo e com o apoio do então diretor do CTAv, Sérgio Sanz, foi decidido produzir um filme em homenagem ao cinema.[5] A partir daí, Rodrigues preparou o projeto, buscou mais parcerias e foi organizada uma equipe para preparar os demais cenários e bonecos — criados por Renato Spinelli, artista plástico e especialista em mecanismos —[4] e, com o apoio do CTAv, obteve o empréstimo da câmera e do estúdio durante o período necessário para a produção do curta.[6]
Desenvolvimento
editarA concepção visual do filme foi criada em volta do personagem Nosferatu e do seu apartamento para a homenagem aos 100 Anos do Cinema.[6] O primeiro boneco já contava com o cenário pronto, e partia da premissa que estava reverenciando Fassbinder e o Cinema Mudo — a estética do apartamento também remetia ao Expressionismo Alemão.[6]
A caracterização dos personagens e dos cenários foi caprichada, mas apesar disso percebe-se o toque artesanal de uma produção de poucos recursos, pois os bonecos de látex se desgastaram bastante ao longo dos quatro anos de produção,[5] inclusive, em algumas tomadas, a estrutura do boneco 'Belle' fica visível.[5]
Trilha sonora
editarRodrigues conheceu um trabalho anterior de trilha sonora, realizado para uma animação pelo cantor e produtor musical Ed Motta, que considerou minimalista e muito eficiente, então, pensou em convidá-lo para o projeto. Após a edição do curta, levou uma fita com o filme bruto para que o cantor assistisse e este ficou muito entusiasmado com as imagens, aceitando prontamente a tarefa. Jota Moraes, que já trabalhava com o cantor, ficou responsável pelos arranjos musicais do filme,[6] enquanto Ronaldo Bastos compôs a trilha sonora junto com Motta[8] e a cantora Beth Bruno, por interpretar a música Rainbow's End que a personagem 'Belle' canta ao longo da animação.[9][10][nota 1]
Personagens/vozes
editarA dublagem do curta teve a direção de Pedro Eugênio:[1][6]
- Marilyn Monroe (Belle) - Beth Bruno[9]
- Marcelo Mastroianni (Mágico) - Sérgio Britto
- Maria Antonietta Beluzzi (Vizinha) - Lina Rossana
- Bruno Ganz (Anjo) - Wendel Passos
- Grande Othelo (Namorado) - Pedro Eugênio
- Nosferatu (Vampiro) - Quiá Rodrigues
Temas e análises
editarO signo do filme é o olhar — "O olho é a janela da alma", como disse o cineasta em entrevista —, e a ideia da janela veio porque o cinema é uma espécie de 'janela' — o apartamento do personagem James Stewart se encaixa perfeitamente nesse contexto —, daí os voyers olhando uma mulher que se apronta para sair. Em close, o boneco Carlitos usa a revista Cahiers du Cinéma para olhar a protagonista, e no início do curta, aparece um outdoor, com o olho do filme Laranja Mecânica.[6]
As pequenas narrativas apresentadas lembram os roteiros dos filmes Short Cuts de 1993 e Janela Indiscreta de 1954.[5] O cenário de decoração exuberante do apartamento da protagonista foi inspirado no filme Ata-me! de 1990.[5] Influenciado também por grandes sucessos nacionais, como A Dama do Lotação de 1978 e Macunaíma, Rodrigues criou sua animação como um resgate cultural, estético e narrativo cinematográfico.[5] As muitas influências estrangeiras à cultura brasileira foram aglutinadas e deglutidas e devolvidas à tela como que guiadas pelo Manifesto Antropofágico de Oswald de Andrade de 1928: "Só me interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei do antropófago".[5] No curta, essa antropofagia apresenta-se em toda a narrativa. Os mitos do cinema, de épocas e culturas diferentes, na forma de bonecos, são realocados em um novo ambiente e contexto – num filme de animação brasileiro que se alimentou de influências nacionais e estrangeiras.[5]
Os personagens masculinos são admiradores de 'Belle', personagem baseado em Marilyn Monroe, que representa o cinema americano — e invejosos de Macunaíma, personagem que representa o cinema brasileiro –, metáforas entre o desejo e a realidade.[5] A observação crítica de Rodrigues sobre o contexto do filme é sintetizado no "happy end" de Macunaíma nos braços de 'Belle', sendo inusitado e simbólico, refletindo a paródia, a ironia e humor brasileiros.[5] 'Belle' também simboliza a "anima", a sedução, a inalcançável produção americana — a personagem demora em se arrumar —, enquanto Macunaíma representa o anti-herói, o "animus", a produção pobre, porém criativa do 'jeitinho brasileiro' — ele arruma um hibisco para entregar a amada —, além de não esconder sua irreverência e desdém. O casal simboliza o "cinema nacional nos braços do cinema americano" — como expressa o autor da animação. Uma relação de admiração e sedução, mas de antagonismo e ligação, com uma pitada de desleixo.[5]
-
O anjo Damiel do filme Asas do Desejo na fachada de um edifício.
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Caricatura de Charles Chaplin como Carlitos.
-
Monsieur Hulot, personagem do ator Jacques Tati.
Recepção
editarA animação foi exibida em 1999 nos Festivais de Brasília, do Rio de Janeiro, de Gramado, de Recife, de Vitória e na Mostra Internacional de São Paulo. Internacionalmente, participou no ano de 2000 do Festival de Havana em Cuba, e dos Festivais de Cannes e de Biarritz, ambos na França e em 2001 do Taipei Film Festival em Taiwan.[5][6]
Crítica
editarPedro Butcher escreveu ao jornal O Globo que, nas comemorações dos 10 Anos da Mostra Curta Cinema no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) e no Espaço Unibanco,[11] trouxeram “um belo panorama da produção mundial de curta-metragens. São 138 títulos estrangeiros e 40 nacionais”.[12] De Janela pro Cinema foi destaque numa das seções da mostra dedicada a jovens cineastas selecionados para o Festival de Cannes:[11] “A simpaticíssima animação brasileira presta homenagem a figuras históricas do cinema como Chaplin e Nosferatu, o vampiro”.[12]
Também no jornal O Globo, Maria Cristina Valente escreveu que, outra atração do Festival Internacional de Bonecos em Canela, considerado um dos mais importantes da América Latina, “será a exibição de De Janela pro Cinema, o primeiro curta-metragem do animador Quiá Rodrigues, que usa referências de mais de 50 clássicos do cinema mundial para contar sua própria história”. O filme, com a trilha sonora de Ed Motta, já havia conquistado vários prêmios e uma indicação para a mostra competitiva de Cannes.[4]
Para O Globo, como enviado especial à Cannes, Pedro Butcher apontou que “subiu para cinco o número de filmes brasileiros no Festival de Cannes deste ano”[13] e que De Janela pro Cinema — “uma divertida homenagem à história da sétima arte feita com bonecos” —,[14] está incluído na seleção oficial do evento europeu, como o único representante da América Latina, especificamente na mostra Cinéfondation,[15] “seção recentemente criada para incentivar talentos novatos”, onde o vencedor “recebe latas de negativo e dinheiro para fazer outro filme”.[14] As produções nacionais na mostra — dois longas e três curtas, foram consideradas um “recorde”, “formando uma das melhores representações que o país já teve”[16] e que, “a presença nacional vem reforçada por uma iniciativa chamada “Imagem Brasil”, que pretende ser o embrião de uma entidade centralizadora da presença do cinema brasileiro nos festivais. Por trás dela está o Festival do Rio, associado a outras entidades.”[16]
Segundo Eliane Gordeeff, no entanto, a animação não apresenta a "miséria" de filmes como Vidas Secas de 1963, mas sim, a precariedade de um visual mal-acabado, resultado da "fome de criar" do seu criador, à margem dos poucos recursos econômicos disponíveis.[5]
Reconhecimento
editarDe Janela pro Cinema está em décimo sétimo lugar no ranking dos cem títulos selecionados em eleição realizada entre os críticos associados da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine) e convidados, dentro das comemorações dos 100 Anos da Animação Brasileira, onde se elegeu as melhores animações brasileiras, contemplando filmes de várias épocas, estilos estéticos e formatos.[17]
Premiações
editarPremiação | Categoria | Resultado | Ref. |
---|---|---|---|
Anima Mundi | Melhor Filme Brasileiro
Melhor Filme pelo Júri Popular |
Venceu | [1][6] |
Festival de Gramado | Prêmio Especial de Animação
Prêmio Especial do Júri |
Venceu | [1][6][18] |
Festival de Cuiabá | Melhor Curta pelo Júri Popular | Venceu | [1] |
Festival de Brasília | Prêmio de Crítica
Melhor Curta-metragem |
Venceu | [1][6] |
Festival de Vitória | Melhor Trilha Sonora
Melhor Animação |
Venceu | [1][19] |
Grande Prêmio Cinema Brasil | Melhor Animação | Venceu | [1][20][21] |
Festival de Recife | Melhor Filme de Animação
Melhor Direção de Animação Melhor Fotografia de Animação Melhor Trilha Sonora de Animação |
Venceu | [1][22] |
Cine Ceará | Melhor Roteiro
Melhor Animação |
Venceu | [1][6][23] |
Miami Brazilian Film Festival | Melhor Curta pelo Júri Popular
Melhor Direção de Arte |
Venceu | [6] |
Festival de Cannes | Mostra Cinéfondation | Indicado | [2] |
Festival de Havana | Melhor Animação | Segundo lugar | [6][24] |
Taipei Film Festival | Prêmio de Melhor Filme | Venceu | [25] |
Mostras
editarCinema
- Mostra de Cinema de Tiradentes (2000): realizado na cidade de Tiradentes, Minas Gerais. O cineasta Carlos Heichenbach foi o homenageado da mostra.[26]
- Mostra Latino-Americana (2000): De Janela pro Cinema foi um dos primeiros filmes a serem exibidos na inauguração da sala de cinema da Casa França-Brasil, que apresentou os três curta-metragens que representaram o Brasil no Festival de Cannes do mesmo ano, na sessão Curtas Brasil em Cannes.[27][28][29]
- Mostra Curta de Cinema (2000): realizado no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) e no Espaço Unibanco.[11]
- Mostra Bonequinho Viu (2000): a 5ª mostra aconteceu em um telão na praia de Copacabana de forma gratuita, sendo uma antiga sessão do Festival do Rio realizada em parceria com o jornal O Globo.[30][31]
- Noite Cinema Animadores (2001): realizado no Espaço Unibanco.[32]
- Encontro com o Cinema Brasileiro (2001): promovido pelo Centro Cultural Banco do Brasil do Rio de Janeiro (CCBB RJ) e dedicado à animação. Foi uma prévia ao Anima Mundi daquele ano.[33][34]
- Mostra Curta a Massa (2001): realizado na Casa França-Brasil. A animação foi apresentada na sessão Curta Petrobrás às Seis.[35]
- Festival Internacional de Curtas de Belo Horizonte (2004): que homenageou o cineasta brasileiro José Eduardo Belmonte. A animação foi apresentada na Mostra Retrospectiva.[36]
Televisão
- Sessão Curta na Tela (2001): o Canal Brasil teve uma programação especial motivada pela 9ª edição do Festival Anima Mundi, apresentando filmes brasileiros de animação, incluindo curtas premiados no Brasil e no exterior.[37]
Festival de bonecos
- Festival Internacional de Teatro de Bonecos (2000): realizado na cidade de Canela, Rio Grande do Sul, onde a animação teve uma sessão especial.[4][38]
Ver também
editarNotas
Referências
- ↑ a b c d e f g h i j k l «De Janela pro Cinema § Base de Dados». Cinemateca Brasileira. N.d. Consultado em 5 de março de 2023
- ↑ a b c «CINÉFONDATION 2000» (em inglês). Festival de Cannes. N.d. Consultado em 25 de novembro de 2021. Arquivado do original em 27 de novembro de 2021
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- ↑ a b c d e Valente, Maria Cristina (25 de maio de 2000). «Canela, um convite à diversão em junho» (PDF). O Globo. Rio de Janeiro: Acervo Digital O Globo. Consultado em 8 de maio de 2024
- ↑ a b c d e f g h i j k l m n o p q r s t u Gordeeff, Eliane M. (abril de 2011). «O Reflexo Cultural na Estética da Animação: a imagem animada em De Janela pro Cinema» (PDF). Lisboa: Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa e Centro de Investigação e Estudos em Belas-Artes (FBAUL/CIEBA). Revista :Estúdio - Artistas sobre outras obras. 2 (3): 130-135. ISSN 1647-6158. Consultado em 4 de outubro de 2022
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Leitura adicional
editar- Gordeeff, Eliane (2018). «Reflexos culturais: De Janela pro Cinema». In: LEITE, Sávio. Diversidade na Animação Brasileira. Goiânia: MMMrte. pp. 30–47. ISBN 9788553021031
Ligações externas
editar- De Janela pro Cinema. no IMDb.
- De Janela pro Cinema no Facebook
- «De Janela pro Cinema (Versão Oficial)». (Vimeo). Consultado em 30 de agosto de 2022
- «Making off 1: De Janela pro Cinema». Matérias com bastidores da produção do curta-metragem (Vimeo). Consultado em 30 de agosto de 2022
- «Making off 2: De Janela pro Cinema». Matérias com bastidores da produção do curta-metragem (Vimeo). Consultado em 14 de outubro de 2022
- «Nas janelas do cinema: Vídeo em comemoração aos 16 anos do curta de animação De Janela pro Cinema, de Quiá Rodrigues». O vídeo mescla trechos da animação com cenas clássicas dos longas que foram as principais referências para a construção da arte e dos personagens na produção (Vimeo). Consultado em 14 de outubro de 2022