Eunice Paiva
Maria Lucrécia Eunice Facciolla Paiva (São Paulo, 7 de novembro de 1929 – São Paulo, 13 de dezembro de 2018) foi uma advogada e símbolo da luta contra a ditadura militar no Brasil. Trabalhou ativamente pelos direitos humanos dos desaparecidos durante a ditadura civil militar e seus familiares e pela causa indígena.[3][4][5]
Eunice Paiva | |
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Nome completo | Maria Lucrécia Eunice Facciolla Paiva |
Nascimento | 7 de novembro de 1929 São Paulo, SP |
Morte | 13 de dezembro de 2018 (89 anos) São Paulo, SP |
Nacionalidade | brasileira |
Cônjuge | Rubens Paiva (c. 1952; m. 1971)[1] |
Filho(a)(s) | Vera Sílvia Facciolla Paiva Maria Eliana Facciolla Paiva Ana Lúcia Facciolla Paiva Marcelo Rubens Paiva Maria Beatriz Facciolla Paiva |
Educação | Universidade Presbiteriana Mackenzie |
Ocupação | advogada |
Religião | católica[2] |
Biografia
editarEunice Paiva passou a infância no bairro do Brás, onde residia em uma comunidade de italianos que vieram para o Brasil no começo do século XX, e mais tarde se mudou com a família para o bairro de Higienópolis. Desde cedo, cultivou o gosto pela leitura. Aos dezoito anos, se formou no curso de Letras da Universidade Mackenzie e falava fluentemente o francês e o inglês. Aos 23 anos, casou-se com o engenheiro Rubens Beyrodt Paiva, com quem teve cinco filhos: Vera Sílvia Facciolla Paiva (1953), Maria Eliana Facciolla Paiva (1955), Ana Lúcia Facciolla Paiva (1957), Marcelo Rubens Paiva (1959) e Maria Beatriz Facciolla Paiva (1960).[3] Foi amiga de grandes escritores, como Lygia Fagundes Telles, Antônio Calado e Haroldo de Campos.[6]
Em janeiro de 1971, seu marido foi sequestrado, torturado e assassinado nos porões do DOI-CODI (Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna) no Rio de Janeiro pela ditadura militar brasileira.[7] A família morava no Rio de Janeiro quando os militares foram até sua casa e levaram ela, o marido e a filha Eliana ao DOI-CODI, localizado na Rua Barão de Mesquita nº 425, no bairro da Tijuca. Eliana ficou presa por 24 horas, enquanto Eunice permaneceu por 12 dias, submetida a interrogatório.[8] Em 1973, Eunice ingressou novamente na Universidade Mackenzie e iniciou o curso de direito, formando-se aos 47 anos.[6]
Morreu no dia 13 de dezembro de 2018, aos 89 anos, em São Paulo, depois de 15 anos vivendo com Alzheimer.[9]
Atuação profissional
editarTendo papel central na busca por informações sobre o paradeiro de seu marido, Eunice Paiva liderou campanhas pela abertura de arquivos sobre vítimas do regime militar e tornou-se símbolo da luta contra a ditadura militar.[10] Com sua militância e crítica ao regime ditatorial arriscou a própria vida, como mostrou documentos do SNI (Serviço Nacional de Inteligência) que vieram a público em 2013, pois tanto ela quanto seus filhos foram vigiados por agentes militares de 1971 até 1984.[5] Foi uma das principais forças de pressão que culminou com a promulgação da Lei 9.140/95, que reconhece como mortas as pessoas desaparecidas em razão de participação em atividades políticas durante a ditadura militar. Eunice foi a única parente de desaparecido convidada a assistir à solenidade em que Fernando Henrique Cardoso assinou a lei.[11] Em 23 de fevereiro de 1996, após 25 anos de luta por memória, verdade e justiça, Eunice conseguiu que o Estado brasileiro emitisse oficialmente o atestado de óbito de Rubens Paiva.[6][12]
Em sua atuação como advogada, Eunice Paiva foi ganhando cada vez mais notoriedade por conta da sua seriedade e comprometimento. Dedicou-se à causa indígena, atuando profissionalmente contra a violência e expropriação indevidas de terras sofridas pela população indígena.[5] Em outubro de 1983, assinou com Manuela Carneiro da Cunha, na seção "Tendências e Debates" da Folha, o artigo "Defendam os pataxós", que foi um marco na luta indígena brasileira e serviu de modelo para outros povos indígenas, inclusive africanos, americanos e esquimós.[13] Em 1987, ao lado de outros parceiros, fundou o Instituto de Antropologia e Meio Ambiente (IAMA), ONG que atuou até 2001 na defesa e autonomia dos povos indígenas. Em 1988, foi consultora da Assembleia Nacional Constituinte, que promulgou a Constituição Federal Brasileira.[6]
Homenagens
editarLançado em 1978, o documentário Eunice, Clarice, Thereza, dirigido por Joatan Berbel, conta a trajetória de três viúvas de presos políticos: Clarice Herzog (viúva do jornalista Vladimir Herzog); Thereza Fiel (viúva do operário Manuel Fiel Filho); Eunice Paiva. Três mulheres unidas contra a ditadura e a repressão do regime militar.[14]
Publicado em 2015, o romance autobiográfico Ainda Estou Aqui, escrito pelo seu filho, Marcelo Rubens Paiva, aborda a vida de Eunice Paiva e faz um paralelo entre a sua história e o período de ditadura no Brasil. O livro ganhou o terceiro lugar no Prêmio Jabuti, na categoria indicação do leitor e foi indicado aos prêmios Oceanos e Governador do Estado, entrando na lista dos melhores livros de 2015, do jornal O Globo.[15]
O livro Ainda Estou Aqui ganhou uma adaptação para o cinema. Dirigido por Walter Salles e estrelado por Fernanda Torres, Ainda Estou Aqui foi lançado no Brasil em 7 de novembro de 2024. O filme ganhou o prêmio de Melhor Roteiro no Festival de Veneza de 2024, foi escolhido para representar o Brasil no Óscar 2025 na categoria de melhor filme internacional e recebeu o Globo de Ouro 2025 na categoria de melhor atriz em filme de drama, protagonizado por Fernanda Torres.[16][17][18][19][20][21]
Em 5 de abril de 2024, a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp), outorga o Colar de Honra ao Mérito Legislativo a três personagens que simbolizam a luta contra a ditadura: Clarice Herzog; Ana Dias (viúva do operário Santo Dias da Silva); e, postumamente, Eunice Paiva. Os maridos das três foram assassinados pelas forças de repressão.[22][23]
Em 8 de janeiro de 2025, para relembrar os dois anos dos ataques antidemocráticos em Brasília, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assina o decreto que cria o Prêmio Eunice Paiva de Defesa da Democracia, que deve ser entregue anualmente a uma pessoa que tenha colaborado de forma notória, seja por atuação profissional, intelectual, social ou política, para a preservação, restauração ou consolidação do regime democrático no Brasil. A premiação, além de destacar e exaltar as trajetórias dos vencedores, pretende evocar a memória de luta de Eunice Paiva em favor da resistência democrática e da defesa dos direitos humanos.[24][25]
Referências
- ↑ Maturana, João (22 de setembro de 2024). «Quem foi Eunice Paiva, mulher que inspirou Ainda Estou Aqui e é interpretada por Fernanda Torres no filme?». AdoroCinema. Consultado em 21 de novembro de 2024. Cópia arquivada em 10 de setembro de 2024
- ↑ Gabriel, Ruan (7 de novembro de 2024). «Eles ainda estão aqui: filhos de Eunice e Rubens Paiva falam sobre o filme que retrata a luta da mãe contra a ditadura». O Globo. Consultado em 10 de dezembro de 2024. Cópia arquivada em 28 de novembro de 2024
- ↑ a b Cardoso, Célia Costa (2020). Enredos de Resistência da Família Paiva: Violência Política, Solidariedade e Afetuosidade (1971 – 2015) (PDF) (Dissertação de Mestrado). São Cristóvão: Universidade Federal de Sergipe. Consultado em 7 de novembro de 2024
- ↑ «Morre Eunice Paiva, protagonista na luta contra a ditadura». 13 de dezembro de 2018. Consultado em 8 de novembro de 2024
- ↑ a b c Ferreira, Mariana (2018). «Eunice Paiva: uma Antígona brasileira na defesa dos direitos humanos para além da finda-linha». Mariana Rodrigues Festucci Ferreira. Analytica: Revista de Psicanálise. 7 (12). Consultado em 7 de novembro de 2024
- ↑ a b c d «Eunice Paiva». Memórias da ditadura. Consultado em 8 de novembro de 2024
- ↑ «Carta de Eunice Paiva a CDDPH Rubens Paiva». Comissão da Verdade do Estado de São Paulo. Consultado em 8 de novembro de 2024
- ↑ Bronze, Giovanna (7 de novembro de 2024). «Quem foi Eunice Paiva, personagem de Fernanda Torres em "Ainda Estou Aqui"». Consultado em 8 de novembro de 2024
- ↑ «Viúva de Rubens Paiva, Eunice morre aos 89 anos». Valor Econômico. 13 de dezembro de 2018. Consultado em 18 de novembro de 2024
- ↑ «Morre Eunice Paiva, protagonista de buscas por desaparecidos na ditadura»
- ↑ Neri, Emanuel (5 de setembro de 1995). «Fala de FHC divide familiares». Folha de S.Paulo. Consultado em 29 de dezembro de 2024
- ↑ Carlos Henrique Dias (11 de janeiro de 2025). «'Mortos e desaparecidos na ditadura': mapa mostra novas certidões de óbitos emitidas ou corrigidas pelo país». G1. Consultado em 11 de janeiro de 2025
- ↑ Rubens Paiva, Marcelo (2015). Ainda estou aqui. Rio de Janeiro: Objetiva
- ↑ «Curtas na TV». Câmara dos Deputados. Consultado em 8 de novembro de 2024
- ↑ «Marcelo Rubens Paiva». Consultado em 8 de novembro de 2024
- ↑ Pinto, Flávio (23 de setembro de 2024). «"Ainda Estou Aqui" é escolhido para representar o Brasil no Oscar 2025». Consultado em 7 de novembro de 2024
- ↑ Freitas, Conceição (8 de novembro de 2024). «Ainda Estou Aqui é uma lição de humanidade: ainda estamos aqui». Metrópoles. Consultado em 8 de novembro de 2024
- ↑ «"Ainda estou aqui" enfim chega às telonas neste fim de semana». A Tribuna. 8 de novembro de 2024. Consultado em 29 de dezembro de 2024
- ↑ Soto, Cesar (7 de novembro de 2024). «'Ainda estou aqui' estreia com aviso contra ditaduras: 'democracia é falha, mas é o melhor que temos', diz Fernanda Torres». g1. Consultado em 8 de novembro de 2024
- ↑ «Cotada para o Oscar, Fernanda Torres não era a primeira opção de Walter Salles para 'Ainda estou aqui'; saiba em quem diretor pensou». O Globo. 8 de novembro de 2024. Consultado em 29 de dezembro de 2024
- ↑ «Fernanda Torres ganha Globo de Ouro de melhor atriz e dedica prêmio a Fernanda Montenegro». G1. 6 de janeiro de 2025. Consultado em 7 de janeiro de 2025
- ↑ «Sessão Solene homenageia Clarice Herzog, Ana Dias e Eunice Paiva». Alesp. 5 de abril de 2024. Consultado em 29 de dezembro de 2024
- ↑ «Debates» (PDF). Diário Oficial. São Paulo. 3 de maio de 2024. p. 10. Consultado em 29 de dezembro de 2024.
12ª Sessão solene para entrega do colar de Honra ao Mérito Legislativo a Eunice Paiva (in memorian), Clarice Herzog e Ana Dias
- ↑ BRASIL (8 de janeiro de 2025). «DECRETO Nº 12.347, DE 8 DE JANEIRO DE 2025». Diário Oficial da União. Consultado em 9 de janeiro de 2025
- ↑ Cariucci, Manoela (8 de janeiro de 2025). «Decreto Eunice Paiva é assinado por Lula para premiar defensores da democracia». CNN Brasil. Consultado em 9 de janeiro de 2025