Nanblá Gakran

linguista laklãnõ
Nanblá Gakran

Professor Nanblá Gakran na UNB

Biografia
Nascimento
Morte
26 de junho de 2021 (57 anos)
Cidadania
Alma mater
Atividade
Grupo étnico
Laklãnõ-Xokleng
Descendentes
Carl Liwies Cuzung Gakran (d)

Nanblá Gakran (Terra Indígena Laklãnõ, 13 de novembro de 1963 - Terra Indígena Laklãnõ, 26 de junho de 2021) foi um educador e linguista indígena brasileiro, membro do povo Laklãnõ-Xokleng, primeiro integrante indígena a obter um doutorado em linguística do Estado de Santa Catarina[1] e o segundo a obter um mestrado na mesma área.

Além de atuar como educador indígena foi professor do departamento de História da UFSC, onde atuou também na licenciatura Intercultural Indígena, também foi professor do curso de pedagogia indígena Xokleng junto a FURB, do qual foi um dos organizadores.[2][3][4]

Especialista de destaque mundial no estudo e pesquisa da gramática e língua Laklãnõ[5], foi um dos desenvolvedores do alfabeto desta nação.[6]

Também atuou como membro (conselheiro) do Conselho Estadual dos Povos Indígenas de Santa Catarina CEPIN/SC. Membro do Fórum Estadual da Educação FEE/SC e membro (conselheiro) do Conselho Estadual da Saúde CES/SC. [2]

Formação

editar

Licenciado em Ciências Socias (2002) e Letras (2018), mestre em Linguística, em 2005 (UNICAMP)[7], doutor[8] em Linguística 2015 (UnB)[9], pós-doutor em política linguística em 2018 (UFSC)[10]. Nos primeiros anos de seu doutorado, Nanblá foi orientado pelo professor Aryon Dall’Igna Rodrigues[11], referência para os estudiosos de línguas indígenas brasileiras.[12]

Nanblá tinha como língua materna o Laklãnõ (Xokleng), hoje em dia falada apenas em Santa Catarina , língua que segundo estimativas da UNESCO possuí atualmente menos de 100 falantes, o que a torna uma língua criticamente ameaçada de extinção, encontrando-se no estágio 4 de risco em uma escala que vai até 5. [13]

Nanblá somente aprendeu a se comunicar na língua portuguesa na sua adolescência, quando no início da década de 80 auxiliou o antropólogo Greg Urban em seus trabalhos de pesquisa da nação Laklãnõ,[14] transcrevendo para ele as narrativas gravadas em sua língua materna, experiências que o iniciaram nos estudos e pesquisas da sua língua, bem como como na sua atuação como defensor da sua cultura, povo e língua.[15]

Conheceu, como ele mesmo relata,[16] o preconceito racial e social ao iniciar seu relacionamento com o Brasil não indígena, preconceito que o acompanhou desde então dentro e fora da academia e por toda a sua vida, discriminação[17] que não impediu sua luta.

Todos os títulos acadêmicos arduamente conquistados foram dificultados pelo racismo sistêmico[6] presente não só no meio acadêmico[9][10] mas em toda sociedade brasileira. Tais conquistas não deslumbraram Namblá, que não permitiu isolar-se intelectualmente na academia nem na cultura elitista ego/eurocentrista de produzir estudos não como fins, mas como meros meios de aquisição de tais títulos de soberba acadêmica.

Pragmático, Nanblá não abandonou a sua terra e povo e voltou para sua comunidade para compartilhar o conhecimento adquirido, ensinando e fortalecendo sua língua e cultura nas escolas existentes em sua terra natal, onde viveu até sua morte.[18]

Antes de Nanblá as escolas presentes nas terras indígenas de sua comunidade não contemplavam o ensino da língua Laklãnõ e possuíam a mesma grade curricular das demais escolas públicas, que não estimulavam e nem consideravam as particularidades culturais de sua nação.[19]

Nanblá iniciou nos anos 90 a incorporação do estudo da língua Laklãnõ nas escolas da Terra Indígena Laklãnõ[20] e com o apoio da FUNAI, prefeituras locais e pela FURB (Fundação Universidade Regional de Blumenau) desenvolveu um pequeno dicionário xokleng-português e um livreto com "lendas" nas duas línguas, bem como outros materiais que estão sendo usados hoje em sala de aula [19], articulou e atuou também na capacitação dos professores indígenas das escolas EIEB Laklãnõ e EIEB Vanhecu Patté, da Terra Indígena Ibirama. [2]

Através desta iniciativa, tanto os adultos, que não conheciam o laklãnõ-xokleng escrito, quanto as crianças, que não falavam a língua, despertaram para a importância de conhecer seu idioma e cultura. Hoje, a língua que a comunidade gosta de expressar em público é a sua língua materna, o laklãnõ, expressão linguística que tem se tornado um símbolo político muito forte ligado à ideia de fonte de empoderamento e da construção de uma identidade étnica positiva, além de perpetuar e fortalecer a existência da língua que antes quase deixou de existir.[19]

Nanblá entendia que a denominação "Xokleng" como fruto de um olhar externo, uma perspectiva do colonizador e não uma compreensão dos membros da sua comunidade, como nação, preferindo a denominação usada pela seu povo, "Laklãnõ", que significa "povo que vive onde nasce o sol", ou "povo do sol" ou ainda "povo ligeiro". Tal validação interna desta denominação de identidade foi acentuada no processo de politização da sua história e revitalização da sua língua que ocorreu na década de 1990, no qual Nanblá foi um dos principais articuladores. [20]

Nanblá foi profissional, acadêmico, líder comunitário e cidadão exemplar, pai de três filhos (Caio Kuzug, Natã Txuli e Txulunh Favenh)[12], produziu vasto material sobre seu tema de estudo, mas antes destas possíveis descrições, foi e nunca deixou de ser, indígena, deixou um grande exemplo de determinação não só para os professores e jovens Laklãnõs, mas para toda comunidade indígena e brasileira, inspirando-os na continuidade do trabalho de fortalecimento do estudo e defesa das línguas e cultura dos povos originários.[15]

Veja também

editar

Referências

  1. «Morre o Professor Nanbla, primeiro indígena a se tornar doutor em linguística – Apufsc-Sindical». Consultado em 7 de agosto de 2022 
  2. a b c «FURB - Universidade Regional de Blumenau». www.furb.br. Consultado em 3 de agosto de 2022 
  3. SeTIC-UFSC (27 de junho de 2021). «Nota de Pesar: falece Nanblá Gakran, ex-professor da licenciatura intercultural indígena na UFSC». Notícias da UFSC. Consultado em 2 de agosto de 2022 
  4. SeTIC-UFSC. «ARANDU – Laboratório de Estudos em Etnologia, Educação e Sociobiodiversidades». Consultado em 4 de agosto de 2022 
  5. Redação (27 de junho de 2021). «Morre Nanblá Gakran, primeiro indígena a se tornar doutor em SC, aos 58 anos». O Município Blumenau. Consultado em 7 de agosto de 2022 
  6. a b Gakran, Namblá. «Elementos fundamentais da gramática laklãnõ». Consultado em 2 de agosto de 2022 
  7. Gakran, Nanbla. «Aspectos morfossintaticos da lingua laklãnõ (Xokleng) Je». Consultado em 3 de agosto de 2022 
  8. «Morre o Professor Nanbla, primeiro indígena a se tornar doutor em linguística». www.nsctotal.com.br. Consultado em 3 de agosto de 2022 
  9. a b Gakran, Namblá. «Elementos fundamentais da gramática laklãnõ». Consultado em 3 de agosto de 2022 
  10. a b «Nanblá Gakran – Mekukradjá». Itaú Cultural. Consultado em 3 de agosto de 2022 
  11. D’angelis, Wilmar da Rocha (2014). «Aryon Rodrigues: 70 anos dedicados à Linguística e às Línguas Indígenas». DELTA: Documentação de Estudos em Lingüística Teórica e Aplicada: 503–512. ISSN 0102-4450. doi:10.1590/0102-445019423428624035. Consultado em 2 de agosto de 2022 
  12. a b «Nanblá Gakran – KAMURI». Consultado em 2 de agosto de 2022 
  13. «Xokleng». Sorosoro (em inglês). Consultado em 2 de agosto de 2022 
  14. URBAN, GREG (1985). «The Semiotics of Two Speech Styles in Shokleng». Elsevier: 311–329. Consultado em 3 de agosto de 2022 
  15. a b «Nanblá Gakran – KAMURI». Consultado em 2 de agosto de 2022 
  16. «Nanblá Gakran – Mekukradjá». Itaú Cultural. Consultado em 3 de agosto de 2022 
  17. Gayo, Clarice Ehmke; Wittmann, Luisa Tombini (1 de junho de 2022). «"Quero e vou continuar sendo índia aqui, lá ou acolá"». Revista Eletrônica História em Reflexão (31): 189–213. ISSN 1981-2434. doi:10.30612/rehr.v16i31.14847. Consultado em 3 de agosto de 2022 
  18. Gakran, Dr Nanblá. «BIOGRAFIA DO NANBLÁ GAKRAN». Consultado em 3 de agosto de 2022 
  19. a b c «Xokleng - Povos Indígenas no Brasil». pib.socioambiental.org. Consultado em 3 de agosto de 2022 
  20. a b «Povos indígenas Laklãnõ-Xokleng, da TI Ibirama La Klãnõ, lutam por regularização de território, contra preconceito e contra pandemia mundial da covid-19». Mapa de Conflitos Envolvendo Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil. Consultado em 3 de agosto de 2022 

Bibliografia

editar
  • Biografia Nanblá Gakran, disponível em: https://www.academia.edu/33248857/BIOGRAFIA_DO_NANBL%C3%81_GAKRAN, pesquisa realizada em 2 de agosto de 2022.
  • GAKRAN, N. Aspectos morfossintáticos da língua Laklãnõ (Xokleng), Jê. 2005. 123 f. Dissertação (Mestrado em Linguística) – Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas. 2005.
  • GAKRAN, N. Elementos fundamentais da gramática Laklãnõ. 2015. 283 f. Tese (Doutorado em Linguística) – Departamento de Linguística, Português e Línguas Clássicas, Instituto de Letras, Universidade de Brasília. 2015.
  • GAKRAN, N.; JOLKESKY, M. P. de V. Aspectos do sistema verbal Laklãnõ/Xokleng. Não publicado, s/d.
  • GAKRAN, Nanbla (Org.). Nosso idioma reviveu. São Leopoldo : Comim, 1999. 54 p.
  • GAKRAN, Nanblá (Org.). Vídeo: Laklanon (Povo do Sol) Sobrevive Resgate da Cultura Xokleng: Centro de Referência Virtual Indígena . Armazém da Memoria. disponível em: https://armazemmemoria.com.br/centros-indigena/, consulta realizada em 03 de agosto de 2022.
  • URBAN, Greg (1985) "Ergatividade e Acusatividade em Shokleng (Gê)." International Journal of American Linguistics 51 (2):164-187.
  • URBAN, Greg (1993) "As Funções Representadas da Fala no Mito Shokleng." In Reflexive Language: Reported Speech and Metapragmatics , editado por John A. Lucy, 241-259. Cambridge: Cambridge University Press.
  • URBAN, Greg (1988) "Rituais de lamentação no Brasil ameríndio". Antropólogo americano 90 (2):385-400.