Privatizações do governo Fernando Henrique Cardoso

O governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2003) executou as maiores privatizações da história do Brasil.[1] Durante este período, cerca de 78,6 bilhões de reais foram aos cofres públicos provenientes de privatizações.[2] A venda de empresas estatais foi uma resposta do governo para impedir o agravamento da dívida pública.[3] Porém, as privatizações não contiveram o aumento da dívida, que foi de 78 bilhões de dólares em 1996 para 245 bilhões em 2002.[3][4][2]

Setores privatizados

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Durante o primeiro mandato de Fernando Henrique, que iniciou em 1º de janeiro de 1995 e terminou em 31 de dezembro de 1998, houve a privatização de oitenta empresas.[3]

Companhia Vale do Rio Doce

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Em maio de 1997, o governo federal sob a presidência de FHC, privatizava a Companhia Vale do Rio Doce. O governo considerava que a gestão estatal da Vale tornava a empresa menos competitiva, com menor flexibilidade em razão da obediência à legislação de licitações, além da impossibilidade de a União realizar aportes de capital na empresa para realização de investimentos.[5]

Fundada pelo Governo Federal em 1942, o governo fez uma oferta de uma parte da fatia acionária pertencente ao bloco de controle por 3,3 bilhões de reais [6][7], este valor corresponderia a quase 22 bilhões de reais atualmente, ou precisamente 21.920.374.410,00 em valores corrigidos pelo IPCA do período entre 1997 e 2020.

A venda do controle acionário de 41,73% das ações ordinárias da Vale foi concretizada em 6 de maio de 1997 em leilão realizado na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro. O novo controlador da companhia foi o Consórcio Brasil, liderado pela Companhia Siderúrgica Nacional, de Benjamin Steinbruch, com 16,30% (R$ 1,3 bilhão); 10,43% (R$ 834,5 milhões) com a Litel Participações (fundos de pensão Previ, Petros, Funcef e Fundação Cesp); 10% (R$ 800 milhões) com a Eletron S/A (liderada pelo banco Opportunity); e 5% (R$ 400 milhões) com a Sweet River (Nations Bank). [8]

O controle acionário da Vale foi adquirido por por US$ 3 338 178 240 ou cerca de 3,3 bilhões de dólares, na ocasião, com um ágio de 19,99%,[9] representando menos de um quarto do capital total da empresa,[10] antes pertencente à União, que representava 41,73% das ações ordinárias (com direito a voto) da empresa.[11] A União manteve ainda 35,19% das ações ordinárias. As ações preferenciais (sem direito a voto) continuaram em mãos de acionistas privados. No dia da privatização ocorreu uma manifestação em frente e Bolsa de Valores do Rio de Janeiro que contou com cerca de 300 pessoas, segundo consta no livro que descreve a história da empresa.[12][8]

O Consórcio Brasil criou a Valepar, que foi constituída em 9 de abril de 1997, com o objetivo, exclusivamente, de participar como acionista da Vale, da qual era controladora.[13]

Em 2001, a CSN deixou a Vale, após uma operação de descruzamento de ações entre as duas companhias. Previ e Bradespar venderam ao Grupo Vicunha suas participações na CSN, enquanto a CSN vendeu sua participação na Vale ao Previ e à Bradespar.[13]

Atualmente, a Vale do Rio Doce é uma das maiores empresas privadas do Brasil, com valor de mercado estimado em 53 bilhões de dólares.[14] Os defensores da privatização alegam que a medida foi "benéfica", uma vez que hoje ela gera mais empregos ao país e mais impostos ao Governo Federal do que na época em que ainda era estatal.[15] A empresa mantém cerca de sessenta mil pessoas empregadas e recolhe três bilhões de dólares em impostos ao ano.[15][16] Em 2008, faturou 38,5 bilhões de dólares e foi responsável por metade do superávit primário do Brasil.[15][17]

A privatização da Vale do Rio Doce é alvo de muitas críticas e polêmicas, que referem-se a acusações de propina durante o leilão,[18][19] vícios no edital de venda e subvalorização, sendo o último considerado como um caso de crime de lesa-pátria.[20][21] Em 2007, mais de cem ações judiciais questionando a venda estavam abertas.[22] Muitas dessas ações acusam o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico, responsável pelas desestatizações, e Fernando Henrique de subvalorizar a companhia na época de sua venda.[22][23] Em 2010, o ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes suspendeu todas as ações judiciais para anular o processo de privatização.[24] A suspensão ficará em vigor até que o Supremo se pronuncie definitivamente sobre o caso.[24][25]

"A privatização da Vale do Rio Doce foi uma doação da empresa pública a um grupo privado. Fernando Henrique vendeu a Vale por menos do que o governador do Rio Grande do Sul, Antônio Britto, vendeu a Companhia de Energia Elétrica do Estado [CEEE]."
— Senador Pedro Simon, dezembro de 2008.[26]

Telebrás

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 Ver artigo principal: Privatização da Telebrás

Em julho de 1998, ocorreu a privatização da Telebrás, sendo a maior da história brasileira.[27] O governo federal arrecadou 22,058 bilhões de reais por 20% das ações que lhe pertencia e que representava o controle acionário da empresa.[28] A Telebrás foi dividida em doze empresas, que foram leiloadas na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, sendo três grupos de telefonia fixa, oito de telefonia móvel e uma a longa distância.[28]

Escândalo

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 Ver artigo principal: Escândalo do grampo do BNDES

Em 1999, o jornal Folha de S.Paulo obteve conversas gravadas por meio de grampo ilegal em telefones do BNDES, que levantaram suspeitas de que o presidente Fernando Henrique participou de uma operação para tomar partido de um consórcio no leilão da Telebrás.[29] A Polícia Federal se negou a investigar o conteúdo das conversas, alegando que foram obtidas de forma ilegal e não teriam valor jurídico.[30]

Na época, alguns especialistas defenderam o impeachment de FHC. Fábio Konder Comparato, professor de direito comercial da USP, e Celso Antônio Bandeira de Mello, professor da PUC-SP, afirmaram que o presidente cometeu crime de responsabilidade ao autorizar o uso de seu nome para pressionar o fundo de pensão Previ a se associar ao consórcio do Opportunity.[31] Celso Bastos, por outro lado, então professor de direito constitucional da PUC, alegou que as irregularidades não eram graves o bastante para justificar um pedido de impeachment. Em maio de 1999, partidos governistas se uniram para impedir a instalação de uma CPI para investigar o caso.[32] Incapaz de abrir inquérito contra o presidente, a oposição organizou protestos pelo impeachment, mas o caso não foi investigado.[33]

O escândalo culminou na queda de Luiz Carlos Mendonça de Barros (ministro das Comunicações), André Lara Resende (presidente do BNDES), Pio Borges (vice-presidente do BNDES) e José Roberto Mendonça de Barros (secretário-executivo da Câmara de Comércio Exterior).[34]

Ferrovias

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A privatização do setor ferroviário foi uma das alternativas para ''retomar os investimentos no setor ferroviário''. O governo de Fernando Henrique Cardoso concedeu linhas públicas para que a iniciativa privada pudesse explorar o transporte de cargas. No entanto, as concessionárias não se interessaram pelo transporte de passageiros, que foi quase totalmente extinto no Brasil.[35][36]

Em 1994, a RFFSA possuía uma dívida de R$ 3 bilhões, boa parte vencida ou de curto prazo, e não vislumbrava possibilidade de equacionamento da mesma, ainda com um passivo trabalhista de R$ 1 bilhão.[37] As malhas regionais foram concedidas a iniciativa privada, através de leilões, entre 1996 e 1998, com as seguintes concessionárias assumindo sua gestão:[38]

A Malha Centro-Leste da Rede Ferroviária Federal foi privatizada em leilão na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro por R$ 316,9 milhões, para consórcio formado pela Companhia Vale do Rio Doce e outros sete integrantes. A Malha Sudeste, o mais movimentado trecho ferroviário federal brasileiro, foi privatizada na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro por R$ 888,9 milhões para a MRS Logística. A Malha Oeste foi leiloada por R$ 62,4 milhões para o consórcio Novoeste, liderado pelo Noel Group. A Malha Tereza Cristina foi leiloada por R$ 888,9 milhões. A Malha Sul foi leiloada por R$ 216 milhões e a Malha Nordeste por R$ 15,7 milhões. [39][40][41]

Em 1998, a RFFSA, já em fase de liquidação, incorporou a Ferrovia Paulista S.A. (FEPASA), ao que se seguiu, em dezembro desse ano, a privatização daquela malha por R$ 245 milhões. O transporte urbano de passageiros foi assumido pela CPTM.

Energia

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Foi aprovada a Emenda Constitucional n° 6/1995, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, permitindo que empresas de capital estrangeiro, mas que foram constituídas sob as leis brasileiras e cuja sede e administração se situem no Brasil, pudessem obter autorização ou concessão da União para a exploração de recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica no Brasil.[42][43]

Escelsa

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Em 11 de julho de 1995, a Escelsa (Espírito Santo Centrais Elétricas S.A.) foi a primeira empresa a ser privatizada no governo Fernando Henrique Cardoso, tendo seu controle acionário transferido para o setor privado por R$ 357,92 milhões. O vencedor do leilão foi o consórcio Parcel, formado pelas empresas Iven S.A. e GTD Participações.[44]

Em janeiro de 1996, a Light foi dividida em duas companhias: LightRio, com base no Rio de Janeiro, e LightPar, com base em São Paulo.O objetivo era tornar a privatização da porção fluminense mais atrativa, pois esta estaria então livre da obrigação de uma dívida de US$ 1.240 milhões devida pela Companhia Elétrica de São Paulo (Eletropaulo). A Light distribuía cerca de 77% da energia elétrica no Estado do Rio de Janeiro.[43]

A Light foi privatizada pelo programa federal de desestatização através de leilão na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, em 21 de maio de 1996, sem ágio, por US$ 2,26 bilhões, onde os compradores da empresa foram as empresas/consórcios:[45]

A Eletrobrás manteve 30% da Light, de forma que a União ainda detinha 39,14% da empresa, ao se considerar as ações do BNDESPar.[49]

Em janeiro de 2000, o BNDESPar vendeu aproximadamente 20,24% do capital total e ordinário da Light para a EDF. Em março de 2000, a EDF comprou participação 9,23% do BNDESPar por R$ 506,3 milhões, aumentando sua participação para 40%. [50][51]

Em 2001, a CSN vendeu sua participação à EDF e à AES por US$ 362 milhões.[52]

Gerasul

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Em dezembro de 1997, todo o parque gerador da Eletrosul passou a pertencer a outra empresa, a Centrais Geradoras do Sul do Brasil (Gerasul). Com isso, a Eletrosul transformou-se numa empresa de transmissão, alterando sua denominação para Empresa Transmissora de Energia do Sul do Brasil. A Gerasul foi vendida ao grupo franco-belga Tractebel em 15 de setembro de 1998 na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro por 947 milhões de reais.[53]

Distribuidoras

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Entre 1997 e 1999, o governo federalizou as distribuidoras de Alagoas (Ceal), Piauí (Cepisa), Acre (Eletroacre), Rondônia (Ceron) e do interior do Amazonas (Ceam), no entanto a privatização só viria a ocorrer em 2018.[54]

A Eletrobras celebrou acordos para a gestão compartilhada das empresas pertencentes aos governos do Mato Grosso do Sul (Enersul), Mato Grosso (Cemat), Paraíba (Saelpa), Rio Grande do Norte (Cosern), Maranhão (Cemar) e Pará (Celpa). As empresas foram privatizadas entre 1997 e 2000.[55]

No período, governos estaduais também promoveram a privatização de suas empresas de energia. O governo de São Paulo desmembrou suas duas empresas de energia (a CESP e a Eletropaulo) em várias empresas para facilitar sua privatização.[55]

Bancos

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Em 1992, havia 32 instituições bancária estaduais operando no país. Nesse ano, Banco Central publicou estudo sobre a má gestão e a ingerência política nessa rede, que prejudicavam a política monetária, o controle das contas públicas e a regulação do setor financeiro. Em 1992, o IPCA teve variação 1.119,1%.[56]

Governos estaduais usavam seus bancos nas mais diversas tarefas orçamentárias e políticas, de empregar aliados políticos a conceder empréstimos favorecidos para a própria administração e para empresários aliados, além do uso eleitoral. Havia crédito de má qualidade, de difícil recebimento, ao financiar empreendimentos fracassados, ou emprestando para o próprio governo controlador.[56]

Dentre os bancos estaduais existentes em 1996, dez foram extintos, seis privatizados pelos governos estaduais, sete federalizados para posterior privatização, cinco reestruturados com recursos do Proes e somente três não participaram da reestruturação.[57]

Foram federalizadosː o Banco do Estado do Amazonas (BEA), Banco do Estado do Ceará (BEC), Banco do Estado de Goiás (BEG), Banco do Estado do Maranhão (BEM), Banco do Estado do Piauí (BEP) e Banco do Estado de Santa Catarina (BESC).[56][58]

Em dezembro de 1997, o banco federal Banco Meridional foi privatizado em leilão realizado na Bolsa do Rio de Janeiro, com um ágio de 54,97% sobre o preço mínimo. O Banco Bozano, Simonsen venceu a disputa com um lance de R$ 265,66 milhões.[59]

O Banco do Estado de São Paulo – Banespa, que era o principal banco de fomento de São Paulo, sofre intervenção do Banco Central e passa a ser gerido pelo Sistema de Regime de Administração Especial Temporário (RAET), que vigora até 27.11.1996, quando 51% das ações do estado de São Paulo são transferidas para o Governo Federal.[60]

No dia 20 de novembro de 2000 é leiloado, sendo arrematado pelo Grupo Santander Central Hispano por R$ 7,05 bilhões, com ágio vai a 281%.[61]

Em dezembro de 2001, o Itaú comprou o BEG (Banco do Estado de Goiás) por R$ 655 milhões, em leilão na Bolsa do Rio de Janeiro, com ágio de 121,14% sobre o preço mínimo.[62]

O Bradesco adquiriu em leilão de privatização realizado na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro o BEA (Banco do Estado do Amazonas) por R$ 182,14 milhões em janeiro de 2002.[63]

As privatizações de alguns bancos só foram ocorrer no governo seguinteː caso do BEM (2004) e do BEC (2005). O BEP, o BESC e a Nossa Caixa foram incorporados pelo Banco do Brasil no final dos anos 2000.[56]

Críticas

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Em dezembro de 2011, o livro A Privataria Tucana, do repórter Amaury Ribeiro Jr., acusa a chamada "Era das Privatizações", promovida pelo governo Fernando Henrique por intermédio de seu ministro do Planejamento, José Serra, de uma "verdadeira pirataria praticada com o dinheiro público em benefício de fortunas privadas, por meio das chamadas 'offshores', empresas de fachada do Caribe [...]".[64]

Pesquisas de opinião pública

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Em 1994, uma pesquisa do Ibope sobre a privatização de bancos estaduais mostrou que 57% da população era favorável a privatização total ou parcial e 31% eram contrários.[65] Em 1995, outra pesquisa do Ibope indicou que 43% dos brasileiros eram a favor das privatizações e 34% eram contra.[65]

Em 1998, uma pesquisa da Latinobarómetro mostrou que metade dos brasileiros consideravam que as privatizações beneficiaram o país.[66] O índice era superior a média dos países da América Latina (46%).[66] O apoio caiu a partir daquele ano, chegando a 33% quando Lula assumiu a presidência.[66] Segundo a pesquisadora, o apoio às privatizações voltou a crescer, atingindo seu pico em 2009, quando 50% eram favoráveis.[66] Porém, uma pesquisa do Ibope divulgada em 2007 indicou o contrário.[65] A pesquisa, que entrevistou mil eleitores, revelou que 62% dos eleitores eram contrários e 25% favoráveis.[65]

Referências

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