Saíde Mingas
Avelino Henrique Saíde Vieira Dias Rodrigues Mingas[nota 1] (Luanda, 13 de fevereiro de 1934 — Luanda, 27 de maio de 1977) foi um economista, escritor, militar e político, figura destacada na luta anticolonial angolana.
Foi o primeiro ocupante do cargo de Ministro das Finanças de Angola independente, um dos dez membros da primeira composição do órgão legislativo nacional, o Conselho Revolucionário do Povo (ou "Conselho da Revolução"), além de membro do Comité Central do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA).
Associado próximo de Agostinho Neto e Lúcio Lara foi morto pela fracção nitista na tentativa de golpe de Estado de 27 de maio de 1977.
Biografia
editarNascido na zona de Ingombota,[1] em Luanda, em 13 de fevereiro de 1934,[2] Saíde Mingas era filho de André "Mongone" Rodrigues Mingas e de Antónia Diniz de Aniceto Vieira Dias.[3] Alguns dos irmãos de Saíde Mingas foram também outros notáveis na história angolana, como os cantores e compositores André Rodrigues Mingas Júnior e Ruy Mingas,[3] a linguista e investigadora Amélia Mingas,[3] a atleta e administradora Júlia Rodrigues Mingas e o comandante policial José "Zé" Rodrigues Mingas. Sua família tinha fortíssima ligação ao nacionalismo angolano,[3] principalmente na figura de seu pai, André Mongone, fundador e um dos líderes da Liga Nacional Africana,[4] e do seu tio, Liceu Vieira Dias, membro-fundador do MPLA.[3]
Proveniente dessa família da "elite" africana de Luanda,[5] pôde receber uma educação razoável,[3] concluíndo o período no Instituto Médio Industrial de Luanda.[6] Porém, Saíde Mingas envolveu-se logo cedo com os movimentos anticoloniais, principalmente utilizando a literatura em sua expressão política.[7]
Passa a militar nos movimentos nacionalistas por influência do tio, porém a prisão deste e de seu pai no começo da década de 1960 o faz seguir para Portugal para estudos.[6] Lá, revela-se como excelente atleta e desportista.[6] Jogando numa equipa desportiva, é avisado que estava para ser preso.[6] Conseguindo despistar a política política portuguesa sob pretexto de participar de uma competição na Espanha,[6] consegue fugir para Paris, ficando refugiado aos cuidados de Mário Pinto de Andrade,[3] assinando sua filiação formal ao MPLA.[6]
Fica servindo nos escritórios internacionais europeus do MPLA durante certo período até conseguir uma bolsa para continuar seus estudos em Cuba.[6] Em Cuba gradua-se como economista no Instituto de Planificação Física[6] e doutora-se em economia pela Universidade de Havana.[6] Recebe treinamento militar[5] com especialização em artes marciais.[6] Seu período em Cuba lhe torna, além de nacionalista, sobretudo um marxista.[6]
Retorna à sede do partido em Brazavile em 1971, com a formação militar de major,[6] sendo integrado e combatendo no Exército Popular de Libertação de Angola (EPLA), com o pseudónimo Lutuima.[6] É nomeado Director do Centro de Instrução Revolucionária da Frente Leste, posição que ocupa até 1972,[6] inclusive no período assumindo o "Movimento de Reajustamento da Frente Leste".[6] É transferido, em 1972, para o Departamento de Relações Exteriores,[6] sendo enviado também para trabalhar na sede partidária regional do MPLA de Lusaca onde o codinome Saíde é acrescentado formalmente ao seu nome.[6]
Após a Frente Leste e Lusaca, avançou rapidamente na liderança do MPLA, passando a fazer parte do círculo de confiança de Agostinho Neto e Lúcio Lara, principalmente durante a Revolta Activa em Brazavile. Foi enviado por Neto para servir como chefe do escritório do MPLA em Estocolmo, na Suécia, a mais importante nação europeia fora do bloco socialista a apoiar o partido.[6] O período em terras cubanas e suecas o faz retornar a escrever seus poemas, podendo os publicar em Estocolmo de maneira organizada pela primeira vez.[7] Adota o pseudónimo literário "Gasmin Rodrigues".[7] Mostra-se um formidável poliglota, dominando, além do português, o espanhol, o inglês, o sueco, o russo e o francês.[6]
No âmbito da Revolução dos Cravos e da expectativa de descolonização angolana, em julho de 1974 é enviado por Neto para servir como mais alto oficial do partido na Cimeira da Organização da Unidade Africana para discutir e tentar uma solução final à cisão da Revolta Activa e da Revolta do Leste.[8] Frustrada a empreitada, com outros comandantes recebe a atribuição de reformular o EPLA e transformá-lo nas Forças Armadas Populares de Libertação de Angola (FAPLA).[9]
A 8 de novembro de 1974 pousou em Luanda com a "delegação dos 26" do partido, chefiada pelo secretário-geral Lúcio Lara. A participação nesta missão contribuiu para sua a rápida ascensão nas posições de liderança do MPLA, inclusive a eleição para o Comité Central do Movimento.[6] Em janeiro de 1975, no Acordo do Alvor, compôs o Conselho Presidencial do Governo de Transição, como Ministro do Planeamento e Finanças.[10]
As funções do gabinete do Conselho Presidencial do Governo de Transição são suspensas em agosto de 1975, com Saíde Mingas voltando a combater como major das FAPLA nos enfrentamentos pela tomada de Luanda. As forças do MPLA saem-se vitoriosas e garantem o controle da capital.[11] Mesmo no processo de luta armada, se desdobra, a pedido de Manuel Rui, o coordenador da proposta de texto constitucional, na redação de toda a baliza econômica para a Constituição Angolana de 1975.[12]
Na proclamação da independência angolana, em 11 de novembro de 1975, toma posse como um dos dez membros da primeira composição do órgão legislativo nacional, o Conselho Revolucionário do Povo (ou "Conselho da Revolução"),[13] além de assumir a Direcção dos Serviços de Fazenda e Contabilidade.[14] Reformula este órgão e torna-se, em março de 1976, o primeiro ocupante do cargo de Ministro das Finanças do novo país.[14] Na política financeira e econômica, estabeleceu um período de transição especialmente cauteloso[15] diante das enormes dificuldades financeiras angolanas,[4] tentando conter o crescimento da dívida pública, manter o equilíbrio e os gastos orçamentários e a estabilização financeira-institucional.[15]
Morte
editarEm 1976, formou-se no seio do MPLA um grupo de oposição, denominado Fraccionismo (ou grupo nitista), que promovia inflamados discursos racistas e populistas contra uma suposta "elite branco-mestiça" e contra as políticas socioeconômicas, a que atribuíam a pobreza em massa do pós-guerra de independência e guerra civil recém-iniciada — fato último que fazia de Saíde Mingas um adversário pessoal do grupo.[13]
Por seu lado, numa reunião do Comité Central do MPLA em fevereiro de 1977, Saíde Mingas foi um dos que acusou os nitistas de "fraccionismo".[13] Além disso, coube-lhe, a 21 de maio de 1977, a leitura do documento de expulsão de Nito Alves e José Jacinto Van-Dúnem do partido.[13] Ao mesmo tempo, seu irmão mais novo, Zé Mingas, comandante policial da Direção de Informação e Segurança de Angola (DISA), era apoiador do grupo nitista e informou Alves sobre os planos de desmantelar a tentativa de golpe de Estado.[16]
Em 27 de maio de 1977, os nitistas tentaram o golpe de Estado.[13] Várias pessoas da cúpula da liderança nacional foram feitas reféns.[13] Entre os reféns estava Saíde Mingas, que se dirigia para um encontro com Neto e liderava um grupo para tentar retomar o quartel da 9ª Brigada e controlar as tropas em motim.[13] Saíde Mingas foi preso por elementos nitistas da DISA e levado com Eugénio Nzaji e outros militares contrários à revolta para o musseque Sambizanga, onde são, posteriormente, queimados vivos.[13] Zé Mingas não tinha conhecimento dos planos dos membros nitistas da DISA de sequestrar e matar seu próprio irmão, e acabou morto na violenta repressão estatal à tentativa de golpe.[16]
Memória
editarSaíde Mingas é lembrado entre os maiores heróis nacionais angolanos. Seu nome foi dado a uma praça em Luanda (perto do edifício do Banco Nacional de Angola),[17] bem como a muitas instituições governamentais[18] e outros monumentos e logradouros públicos espalhados pelo país.[19]
Em 2019, o Presidente angolano João Lourenço ordenou a revisão oficial dos acontecimentos de 1977 dentro do "Plano de Reconciliação em Memória às Vítimas dos Conflitos Armados em Angola".[20] A filha de Saíde Mingas, a advogada Xissole Madeira Vieira Dias Mingas, recebeu, em junho de 2021, a certidão oficial de óbito de seu pai.[21]
Notas
- ↑ Seu nome registra as grafias "Saídi", "Saydi", "Saidy", "Saídy", "Sayd" e "Said"
Referências
- ↑ Nascimento, Washington Santos. (2015). «Das Ingombotas ao Bairro Operário: Políticas Metropolitanas, Trânsitos e Memórias no Espaço Urbano Luandense (Angola, 1940-1960)». Locus: Revista de História. 21 (1)
- ↑ «Saydi Mingas. Documentos referenciados». ATD. Consultado em 1 de abril de 2023
- ↑ a b c d e f g Fátima d'Alva Penha Salvaterra Peres (31 de março de 2010). A Revolta Activa - Os conflitos identitários no contexto de luta de Libertação Nacional. Lisboa: Universidade NOVA de Lisboa
- ↑ a b Sousa, Ana Carolina Melos de. (7 de dezembro de 2016). O Movimento Popular Pela Libertação de Angola (MPLA) : de elite revolucionária a elite dirigente (PDF). Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul
- ↑ a b Fernado João da Costa Cabral Andresen Guimarães (março de 1992). The Origins of the Angolan Civil War. International Politics and Domestic Political Conflict 1961—1976 (PDF). Ann Arbor: The London School of Economics And Political Science / ProQuest LLC. p. 465 e 489
- ↑ a b c d e f g h i j k l m n o p q r s t Luís, João Baptista Gime (2021). Elites independentistas e nacionalismo no século XX: Angola (1956-1975) (PDF). Lisboa: Universidade de Lisboa
- ↑ a b c «Angola & Literatura - 'POESIA', de Saydi Mingas - Luanda 1978 - RARO». Livros Ultramar - Guerra Colonial. 14 de fevereiro de 2017
- ↑ Maria-Delfina Bonada (6 de julho de 1974). «Il Manifesto - quotidiano comunista: Entrevista a Saydi Mingas, dirigente do MPLA, em Mogadiscio, Somália, durante a cimeira da OUA. Situação do MPLA, "Documento dos 19", próximo Congresso do MPLA». Fundação Mário Soares
- ↑ «"O País tem uma falta de memória histórica generalizada" - Maria Helena, viúva de Iko Carreira». Club-K. Consultado em 20 de julho de 2019. Cópia arquivada em 5 de setembro de 2019
- ↑ Governo de Transição foi há 44 anos. Jornal de Angola. 31 de janeiro de 2019.
- ↑ Dossier 270: O 27 de Maio de 1977 em Angola - Cronologia. Esquerda.Net. 22 de maio de 2017.
- ↑ Manuel Albano (21 de novembro de 2021). «Manuel Rui Monteiro recordado por Fernando Oliveira». Jornal de Angola
- ↑ a b c d e f g h Inácio Luiz Guimarães Marques (2012). Memórias de um golpe: O 27 de maio de 1977 em Angola (PDF). Niterói: Universidade Federal Fluminense
- ↑ a b História. MINFIN. 2020.
- ↑ a b «História». Banco Nacional de Angola. 2018
- ↑ a b Luís dos Passos. «Quem matou em casa do Kiferro foi o Tony Laton» (Parte 2 fim). Kesongo. 7 de junho de 2022.
- ↑ Chama eterna dos heróis. Jornal de Angola. 24 de setembro de 2017.
- ↑ INEF prepara professores sob condições inadequadas. Jornal de Angola. 9 de maio de 2021
- ↑ Liceu Almirante Lopes Alves / Liceu Nacional do Lobito / Escola de 3.º nível Comandante Saydi Mingas. SIPA. 27 de julho de 2011.
- ↑ Governo angolano lançou novo plano de reconciliação. Oposição quer "ver para crer". VOA Português. 11 de dezembro de 2019.
- ↑ Filhas de Nito Alves e Saidy Mingas falam em perdão mas lamentam a dor de não crescer com os pais. VOA Português. 5 de junho de 2021