Intervenção militar constitucional
No Brasil, intervenção militar constitucional é a hipótese, improcedente e sem fundamento jurídico,[1][2][3][4] de que as Forças Armadas pudessem assumir provisoriamente o governo do país, supostamente para assegurar a manutenção "da lei e da ordem" em momentos de ruptura institucional, sem que isso constituisse um golpe militar. Proponentes alegam que uma intervenção seria respaldada pelo Art. 142 da Constituição de 1988, e a hipótese é frequentemente defendida por militantes políticos para defender, de forma supostamente legal, o fechamento ou "intervenção militar" sobre o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF).
A expressão "intervenção militar constitucional" surge frequentemente em momentos de instabilidade no país, tendo sido invocada em protestos contra o governo Dilma Rousseff,[5] durante a greve dos caminhoneiros no Brasil em 2018[6] e em diversos momentos durante o governo Jair Bolsonaro,[7] sendo ocasionalmente invocada pelo próprio presidente Jair Bolsonaro e seus apoiadores durante a tentativa de golpe de Estado no Brasil em 2022–2023.[8][9]
Inconstitucionalidade
editarPara defender a constitucionalidade de uma intervenção militar, defensores da hipótese costumam invocar o Art. 142 da Constituição Federal de 1988, que diz:[10]
Art. 142 - As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.
Os proponentes de intervenção interpretam que o artigo dá respaldo para que, em nome "da lei e da ordem", as Forças Armadas assumam o poder executivo (com ou sem a manutenção do presidente em exercício) e intervenham nos demais poderes da federação.[11] A hipótese da constituição dar respaldo a uma intervenção militar para fechamento ou controle de um ou mais poderes da federação é amplamente afastada por juristas.[6][11]
A Ordem dos Advogados do Brasil emitiu, em 2020, parecer demonstrando a inconstitucionalidade de uma intervenção militar de qualquer natureza, incluindo sob a alegação de respeito ao Art. 142. O parecer destaca, entre outros argumentos, que "a Constituição estabelece que a atuação das Forças Armadas na garantia da ordem interna está condicionada à iniciativa de qualquer dos poderes constituídos. A provocação dos poderes se faz necessária, e os chefes dos três poderes possuem igual envergadura constitucional para tanto".[12]
Também em 2020, após reunião ministerial em que o presidente Jair Bolsonaro aventa a possibilidade de invocar referido artigo para uma intervenção sobre os demais poderes, a Câmara dos Deputados do Brasil emitiu parecer de que a constituição não autoriza intervenção militar, alegando que o mecanismo feriria a separação de Poderes prevista pela própria constituição.[10]
Intervenção "federal" ou "de estado"
editarApós a derrota de Jair Bolsonaro nas eleição presidencial no Brasil em 2022, parte de seus apoiadores saiu às ruas para pedir intervenção. Inicialmente, mensagens apócrifas circularam por WhatsApp e Telegram alegando que o candidato à reeleição, derrotado, teria a obrigatoriedade de permanecer 72 horas em silêncio antes de decretar intervenção federal, supostamente ancorado no art. 142. Não há em qualquer parte da legislação brasileira menção ao suposto período de silêncio de 72 horas.[13]
Diante da inviabilidade de intervenção militar que respeite a constituição, o discurso mudou e os manifestantes passaram a requerer "intervenção federal" ou, alternativamente, "intervenção de estado".[14] O novo pleito estaria ancorado no art. 34 da Constituição Federal que, de fato, prevê intervenção; no entanto, as hipóteses para intervenção se limitam à preservação da ordem em unidades da federação em que as forças locais não dão conta de contê-la, sem qualquer previsão de intervenção sobre os demais poderes da república em qualquer hipótese.[14] As manifestações ocorreram majoritariamente em frente a instituições militares como quartéis, indicando que, apesar da mudança de nome, o pedido permanece sendo de intervenção militar.[15]
A empresa Meta, proprietária do Facebook e do Instagram, anunciou que retiraria do ar postagens pedindo intervenção militar, citando a impossibilidade constitucional do pleito e, portanto, a caracterização como incitação a ato ilícito.[16][17]
Supostos apoios no Tribunal de Haia à intervenção federal
editarCircularam imagens alegando que uma suposta ministra do Tribunal de Haia (nome popular do Tribunal Penal Internacional e da Corte Internacional de Justiça[18]), Stefani Germanotta, estaria monitorando a situação e pronta para tomar as providências após o período;[19][18] Além de uma suposta diretora do "Departamento Anti-Fraudes Eleitorais" deste tribunal, Igrad Gaak, teria afirmado que "as provas são irrefutáveis".[20] Ambas as postagens foram utilizadas para defender "intervenção federal" no país. Porém Stefani Germanotta é o nome de batismo de Lady Gaga e Igrad Gaak é a ex-atriz pornográfica Mia Khalifa.[20][21]
Outra cantora também já foi usada erroneamente em publicações referente as eleições e a intervenção, Agnetha Fältskog, vocalista do grupo Abba, em uma entrevista que concedeu em 2013, esta foi transformada em uma juíza sueca.[21]
Ver também
editarReferências
- ↑ Câmara dos Deputados do Brasil, ed. (4 de junho de 2020). «Câmara emite parecer esclarecendo que artigo 142 da Constituição não autoriza intervenção militar». Consultado em 10 de novembro de 2022
- ↑ CNN Brasil, ed. (9 de novembro de 2022). «Artigo 142 não prevê intervenção militar nem federal; entenda». Consultado em 10 de novembro de 2022
- ↑ Valor Econômico, ed. (31 de outubro de 2022). «O que é o artigo 142 da Constituição e por que ele não dá às Forças Armadas poder moderador». Consultado em 10 de novembro de 2022
- ↑ «Reivindicação por intervenção militar de bolsonaristas é inconstitucional». UOL. Consultado em 1 de novembro de 2022
- ↑ cartola-agenciadeconteudo. «Especialistas: intervenção militar constitucional não existe». Terra. Consultado em 1 de novembro de 2022
- ↑ a b «A Constituição prevê a possibilidade de uma intervenção militar?». BBC News Brasil. Consultado em 1 de novembro de 2022
- ↑ «Deputada bolsonarista defende intervenção militar "constitucional"». CartaCapital. 21 de maio de 2020. Consultado em 1 de novembro de 2022
- ↑ Jiménez, Afonso Benites, Carla (29 de maio de 2020). «Bolsonaro invoca "intervenção militar" contra o STF e flerta com golpe». El País Brasil. Consultado em 1 de novembro de 2022
- ↑ «Parecer da Câmara diz que artigo 142 da Constituição 'não autoriza intervenção militar'». G1. Consultado em 1 de novembro de 2022
- ↑ a b «Câmara emite parecer esclarecendo que artigo 142 da Constituição não autoriza intervenção militar - Notícias». Portal da Câmara dos Deputados. Consultado em 1 de novembro de 2022
- ↑ a b «'Estão fazendo confusão', diz jurista, sobre artigo 142 da Constituição». VEJA. Consultado em 1 de novembro de 2022
- ↑ «OAB divulga parecer sobre inconstitucionalidade das propostas de intervenção militar constitucional». Conselho Federal da OAB. Consultado em 1 de novembro de 2022
- ↑ «É falso que artigo 142 prevê que presidente deve ficar em silêncio por 72 horas após eleições | Aos Fatos». aosfatos.org. Consultado em 7 de novembro de 2022
- ↑ a b Brito', 'Aline (2 de novembro de 2022). «Intervenção militar ou de Estado: especialista explica implicações de termos». Política. Consultado em 7 de novembro de 2022
- ↑ «Armamentistas engrossam atos antidemocráticos que pedem golpe contra Lula». Folha de S.Paulo. 6 de novembro de 2022. Consultado em 7 de novembro de 2022
- ↑ «Meta anuncia que vai retirar do ar posts que pedem intervenção federal | Metrópoles». www.metropoles.com. 4 de novembro de 2022. Consultado em 7 de novembro de 2022
- ↑ «O que é intervenção federal e por que ela não autoriza uma ação das forças armadas». Valor Econômico. Consultado em 7 de novembro de 2022
- ↑ a b «De fake news com Lady Gaga a tradução tosca: as gafes dos atos golpistas». VEJA Gente. Consultado em 7 de dezembro de 2022
- ↑ Entretenimento, Portal Uai; Entretenimento, Portal Uai (4 de novembro de 2022). «Bolsonaristas acreditam em 'intervenção federal' comandada por Lady Gaga». Portal Uai Entretenimento. Consultado em 7 de novembro de 2022
- ↑ a b «Mia Khalifa volta a falar de Brasil e faz piada com fake news em que seria 'diretora antifraude eleitoral do Tribunal de Haia'». O Globo. Consultado em 7 de novembro de 2022
- ↑ a b «Bom humor vira arma nas redes contra atos de aliados de Bolsonaro que contestam resultado das urnas». Estadão. Consultado em 7 de dezembro de 2022