Nu artístico

gênero artístico cujo objeto principal é o corpo humano desnudo
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Nu artístico é a designação dada à exposição do corpo de uma pessoa nua em diversos meios artísticos (pintura, escultura, performance ou, mais recentemente, cinema e fotografia). É considerado uma das classificações acadêmicas das obras de arte.

David, de Michelangelo, um exemplo de nu masculino (esquerda) e Vênus de Milo (direita), um exemplo de nu feminino.

A nudez na arte refletiu pelo general os padrões sociais para a estética e a moralidade da época na que a obra foi realizada. Muitas culturas toleram a nudez na arte mais do que na vida real, com diferentes parâmetros sobre o que é aceitável. Assim, num museu no qual se mostram obras com nus, em geral não é aceita a nudez do visitante. Como gênero, o nu é um tema complexo de abordar pelas suas múltiplas variantes, tanto formais quanto estéticas e iconográficas, e há historiadores da arte que o consideram o tema mais importante da história da arte ocidental.[nota 1]

Embora se costume associar ao erotismo, o nu pode ter diversas interpretações e significados, da mitologia até a religião, passando pelo estudo anatômico, ou ainda como representação da beleza e ideal estético da perfeição, como na Grécia Antiga. A arte foi de sempre uma representação do mundo e do ser humano, um reflexo da vida. Portanto, o nu não deixou de estar presente na arte, sobretudo nas épocas anteriores à invenção de procedimentos técnicos para captar imagens do natural (fotografia, cinema), quando a pintura e a escultura eram os principais meios para representar a vida. Contudo, a sua representação variou com os valores sociais e culturais de cada época e cada povo, e assim como para os gregos o corpo era um motivo de orgulho, para os judeus — e, depois, para o cristianismo — era motivo de vergonha, era a condição dos escravos e os miseráveis.[1]

O estudo e representação artística do corpo humano foi uma constante em toda a história da arte, da pré-história (Vênus de Willendorf) até a atualidade. O corpo proporciona prazeres e dores, tristeza e alegria, e é um companheiro presente em todas as facetas da vida, com o qual o ser humano transita pelo mundo, e pelo qual sente a necessidade de indagar no seu conhecimento, nos seus pormenores, no seu aspecto tanto físico como recipiente do seu “eu interior”. Da sua faceta mais mundana, relacionada ao erotismo, até a mais espiritual, como ideal de beleza, o nu foi um tema recorrente na produção artística praticamente em todas as culturas que se sucederam no mundo ao longo do tempo.

O nu teve desde tempos antigos — especialmente desde as formulações clássicas da Grécia Antiga — um marcado componente estético, pois o corpo humano é objeto de atração erótica, e constitui um ideal de beleza que vai mudando com o tempo, segundo o gosto coletivo de cada época e cada povo, ou até mesmo o particular de cada espectador. A sexualidade aproximadamente implícita destas imagens levou o gênero do nu a ser objeto quer de admiração quer de condenação e recusa, chegando a estar proibido em épocas de moral puritana, embora sempre desfrutasse de um público que adquiriu e colecionou este tipo de obras. Em tempos mais recentes, os estudos do nu como gênero artístico focam-se nas análises semióticas, especialmente na relação entre obra e espectador, bem como no estudo das relações de gênero. O feminismo criticou o nu como uso objetual do corpo feminino e signo do domínio patriarcal da sociedade ocidental. Artistas como Lucian Freud e Jenny Saville elaboraram um tipo de nu não idealizado para eliminar o conceito tradicional de nu e buscar a sua essência para além dos conceitos de beleza e de gênero.[2]

Fundamentos do nu na arte

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O Homem vitruviano (1487), de Leonardo da Vinci, Galeria da Accademia de Veneza. Estudo das proporções no corpo humano.

O nu teve desde a Grécia Antiga um marcado componente idealizador, pelo general representou-se mais desde o idealismo que desde a imitação naturalista, procurando na forma humana um ideal de perfeição que transcendesse a matéria para evocar a alma, a pureza da união entre corpo e espírito. Assim, os artistas gregos, mais do que imitar o corpo humano, aperfeiçoavam-no. Em palavras de Aristóteles: “a arte completa o que a natureza não pode terminar. Pelo artista conhecemos os objetivos inatingidos da natureza”.[4] Assim, no nu o espectador aprecia erros que não são tais, senão são julgamentos de gosto, reflexões estéticas que derivam de um conceito de beleza ideal inerente a qualquer pessoa. De tal maneira que é impossível estabelecer critérios gerais pelos quais qualquer um nu seja belo para todo o mundo, e alguns autores tentaram — sem sucesso — estabelecer uma “forma média”, baseada nas proporções mais habituais, que, porém não chega a satisfazer ao espectador, pois que a beleza é algo abstrato, incomensurável, utópico, e portanto de difícil realização prática.[5]

O ideal de perfeição do corpo humano provém da Grécia Clássica, e é constatável em todas as suas obras, se bem que não existe referência de como expressavam os escultores gregos as proporções ideais do corpo humano. Há chegado notícias do célebre “cânone de Policleto”, mas não se sabe exatamente em que consistia. Contudo, uma das expressões mais famosas das proporções no corpo humano provém de um arquiteto romano, Vitrúvio, quem no terceiro livro do seu De Architectura estabelecia que as proporções ideais em arquitetura se devessem basear na medida do corpo humano, que é um modelo perfeito, porque com braços e pernas estendidos encaixa nas duas principais formas geométricas — consideradas perfeitas —, o círculo e o quadrado. Esboçou assim o chamado Homem de Vitrúvio, que teve grande relevância na teoria artística do Renascimento.[6]

Contudo, estas tentativas de fundamentar o corpo humano em proporções perfeitas foram um tanto baldias, e os seus resultados frequentemente insatisfatórios, como a Nêmesis de Dürer (1501), baseada nas proporções vitruvianas e porém carente de atrativo físico. Em última instância, não há fórmulas para plasmar de modo exato a beleza do corpo, porque a nossa percepção sempre é tamisada pelo pensamento, pelo nosso gosto, as nossas lembranças, as nossas vivências. Dizia Francis Bacon que “não há beleza excelente que não tenha algo raro na proporção”.[7] O mesmo Dürer, após as suas primeiras tentativas de uma geometrização do corpo humano, renunciou a tal pretensão, e passou a inspirar-se mais na natureza. Na introdução do seu tratado Quatro livros das proporções humanas (1528) expressou: “não há um homem na terra capaz de emitir um julgamento definitivo sobre qual possa ser a forma mais formosa do homem”.[8]

 
O estudo do pintor (1563), de Giorgio Vasari, Casa Vasari, Florença.

Pode-se concluir que o fator estético do nu depende tanto de certas regras enquanto a proporção e simetria como a um variado conjunto de valores de caráter subjetivo, da espontaneidade e exuberância da natureza até a componente psíquica da percepção estética, sem recusar o caráter individual de tudo julgamento de gosto. Segundo Kenneth Clark, “o nu representa o equilíbrio entre um esquema ideal e as necessidades funcionais”, sendo estas o conjunto de fatores que outorgam vida e credibilidade ao nu artístico.[9]

As primeiras reflexões teóricas sobre o nu efetuaram-se no Renascimento: no tratado Della Pittura (1436–1439), Leon Battista Alberti opinava que o “estudo do nu” era a base do procedimento acadêmico da pintura, estabelecendo que “para pintar o nu, começai pelos ossos; acrescentai depois os músculos e cobri depois o corpo com carne, de modo que fique visível a posição dos músculos. Poderia objetar-se que um pintor não deve representar o que não se pode ver, mas este procedimento é análogo a desenhar um nu e depois cobri-lo de roupagens”. Esta prática acadêmica chegou praticamente até a atualidade, junto ao estudo do natural, constatável nos primórdios do século XV em uns desenhos de Pisanello, primeiro autor do que se conservam este tipo de rascunhos. Alberti também recomendava para qualquer representação de grupo efetuar antes um rascunho com as figuras despidas, antes de vesti-las na obra final, como se percebe num rascunho da Disputà de Rafael, onde um grupo de novos nus e de complexão atlética forma o conjunto que depois seriam os Padres da Igreja e os teólogos. O nu, junto à perspectiva, foram os dois grandes fatores estruturais da composição pictórica renascentista, e na segunda metade do século XV era já um estudo comum para a aprendizagem de qualquer aspirante a artista, como se denota por obras conservadas das oficinas de Filippino Lippi, Ghirlandaio e os irmãos Antonio e Piero Pollaiuolo, e assim está documentado nas "Vidas" (1542–1550) de Vasari.[10]

 
O nu era aceito pelos que concorriam aos salões literários franceses do século XIX, desde que o ambiente era claramente “clássico”, apresentando personagens duma cultura na qual a nudez era usual, como neste quadro de Jean-Léon Gérôme, Jovens gregos com peleja de galos (Musée d'Orsay, Paris, 1846).

O nu renascentista foi base do estudo do corpo humano para o ensino acadêmico da arte até praticamente o século XX, com a premissa de estar fundamentado na anatomia e de estar concebido sob um critério idealizador que excluísse qualquer conotação puramente sensualista. Um dos principais artistas que influíram na arte acadêmica foi Rafael, um dos primeiros que nas suas obras incluía nus sem justificação temática —como na sua Matança dos inocentes, na qual os soldados de Herodes vão nus, sem se ter fundado em referências bíblicas. Contudo, pelo seu estudo anatômico, pelas suas posturas estilizadas —que lembram mais bailarinos que soldados—, contêm um elemento ideal, elevado, puramente intelectual, que lhes confere um sentido de nobreza artística que os afasta de qualquer consideração pejorativa. Esse era o ideal academicista, e nas principais realizações dessa escola —principalmente as do chamado arte pompier do século XIX— o elemento de idealização do nu é primordial para a concepção da obra, na que qualquer indício de realismo ou de sensualidade seria considerado vulgar.[11]

Um componente indissolúvel do nu é o erotismo, elemento inelutável, pois a visão do corpo humano nu gera atração, desejo, apetite sexual. Para Kenneth Clark, este aspecto não se deve obviar nem tentar minimizar ou relativizar, e ainda menos menosprezá-lo; no seu ensaio sobre o nu contrapõe à afirmação de Samuel Alexander (em Beauty and Other Forms of Value) sobre que o nu de tipo erótico é uma “arte falsa e uma moral má” a vindicação de que se o nu não é erótico é uma “arte má e uma moral falsa”.[12] Contudo, o corpo humano pode produzir também outras sensações, enquanto veículo através do qual experimentamos o mundo; Clark menciona cinco das principais sensações que provoca o nu: harmonia, energia, êxtase, humildade e pathos.[13]

A difícil tarefa de delimitar no nu artístico a fronteira entre o erotismo e o idealismo, entre o sensual e o espiritual, levou artistas e filósofos a expor diversas teorias que justificassem a existência destes diversos âmbitos: Platão estabeleceu em O Banquete duas diferentes naturezas da deusa Afrodite, a natural e a celeste; a primeira representaria o material, o ligado à carne, aos sentidos, ao desejo e à atração sexual; a segunda significaria o espiritual, a beleza imaterial, relacionada ao bem e à virtude, a expressão da alma e do intelecto. Este conceito esteve vigente durante a Idade Média e foi retomado pelo neoplatonismo do Renascimento, tornando-se fórmula do nu classicista e acadêmico, como fica exemplificado no quadro Amor sacro e amor profano de Tiziano. Em tempos mais recentes, foi reformulado em termos similares por Friedrich Nietzsche, que em O nascimento da tragédia no espírito da música (1872) distinguia entre o apolíneo e o dionisíaco, ou seja, entre o equilíbrio intelectual e a desagregação orgiástica.[14]

Censura

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Fonte do Gênio Catalão (O Marquês de Campo Sagrado) (1856), de Fausto Baratta e Josep Anicet Santigosa, Pla de Palau, Barcelona. Após a sua inauguração, “iam mulheres em procissão a tomar vistas da gentileza de formas da estátua”, segundo relata o cronista Francesc Puig Alfonso. Portanto, o bispo de Barcelona mandou castrá-la e cobri-la com um tapa-sexo. Nos anos 1980, foi retirada a tela e ficaram ao descoberto os seus genitais mutilados, enquanto em 1990 um novo restauro acrescentou-lhe um pénis que parecia um tubo, feito com resinas. Finalmente, num novo restauro realizado entre 2007 e 2008, decidindo-se retirar a prótese do pénis e deixá-lo tal qual, como o Hermes de Praxíteles, pois não se conserva nenhum documento da obra original e é impossível saber a forma e o tamanho que lhe deu o seu criador.[15]

A representação artística do nu flutuou, na história da arte, da permissividade e tolerância de sociedades que o viam como algo natural, e até mesmo o alentavam como ideal de beleza — como na Grécia Antiga —, até a recusa e a proibição por sociedades de moral mais puritana, nas quais geralmente desde umas premissas baseadas na religião, o nu foi objeto de censura e inclusive de perseguição e destruição das suas obras. Nomeadamente, o cristianismo não tolerou a representação do corpo humano nu exceto em imagens de conteúdo religioso, no qual alguns temas isolados eram justificados pelas sagradas escrituras, como os casos de Adão e Eva, a crucifixão de Jesus ou a representação das almas no inferno. Na Idade Média, estas premissas estavam plenamente assumidas por artistas e pela sociedade em geral, e ao não existir transgressões a esta norma não se contabilizam numerosos casos de censura. Contudo, no Renascimento, a valoração da cultura clássica e o retorno ao antropocentrismo na cultura comportaram um auge do nu, justificado tão somente por motivos mitológicos ou alegóricos, o que propiciou a recusa da Igreja especialmente desde a Contrarreforma. O Concílio de Trento (1563) reservou um papel de destaque na arte, como meio de divulgação do ensinamento religiosa, mas ao tempo o constringiu à mais estrita interpretação das escritas, outorgando ao clero a tarefa de vigiar a correta observância dos preceitos católicos por parte dos artistas.[16]

Após o Concílio, o catolicismo contrarreformista censurou a nudez. Assim, o papa Paulo IV ordenou, em 1559, a Daniele da Volterra cobrir com roupas as partes íntimas das figuras do Juízo Final da Capela Sistina realizadas pouco antes por Michelangelo — por esta ação Volterra foi chamado desde então il Braghettone, “o calções” —. Pouco depois, outro papa, Pio V, encomendou a mesma tarefa a Girolamo da Fano, e ainda Clemente VIII tinha desejos de eliminar por completo a pintura, embora, por fortuna, foi dissuadido pela Accademia di San Luca.[17] Desde então, a Igreja católica encarregou-se com esmero de cobrir as nudezas de numerosas obras de arte, quer com telas ou com a famosa folha de parreira, a planta com a qual Adão e Eva se cobriram depois do pecado original. Outro exemplo de recusa do nu na arte foi a estátua de Davi de Michelangelo que, ao ser colocada na Piazza della Signoria de Florença, foi apedrejada pelo público que presenciava a cena, embora com o tempo se acostumassem, e até mesmo se ganhou o afeto dos florentinos.[18]

Na Espanha, defensora da Contrarreforma, a Inquisição foi encarregue de velar pela decência e o decoro na arte, designando inspetores para supervisar o cumprimento dos decretos conciliares, como o sogro de Velázquez, o pintor sevilhano Francisco Pacheco del Río. Em 1632, foi publicada, a pedido de um nobre de origem portuguesa, Francisco de Bragança,[nota 2] um documento intitulado Cópia dos pareceres, e censuras dos reverendíssimos mestres, e senhores catedráticos das insignes Universidades de Salamanca e Alcalá, e de outras pessoas doctas. Sobre o Abuso das figuras, e pinturas lascivas e desonestas; em que se mostra, que é pecado mortal pintá-las, esculpi-las, e tê-las patentes onde fossem vistas, no qual se expressava a comum opinião da época — sobretudo em âmbitos eclesiásticos — da imoralidade da representação do nu, quando este for lascivo sem justificação religiosa. Esta opinião generalizada explica o pequeno número de obras de nu na arte renascentista e barroca espanhola. Tiziano, por exemplo, ciente do puritanismo da corte espanhola, cobriu com ramos de figueira os corpos nus de Adão e Eva antes de enviar o quadro a Filipe II em 1571.[19] Em relação ao nu, o Tribunal da Inquisição tinha estabelecido que:

Um caso que poderia ter acabado numa perda de numerosas obras mestras de grandes artistas foi o protagonizado por Carlos III, que em 1762 ordenou queimar, por conselho do seu confessor, todos os quadros de nu pertencentes à coleção real, que colecionaram os monarcas hispânicos de Carlos I até Filipe IV. Entre as obras encontravam-se, por exemplo, As Três Graças e o Juízo de Paris de Rubens, Adão e Eva de Dürer, Vênus recreando-se na música e Vênus e Adonis de Tiziano. Finalmente, foram salvas da queimada pelo pintor de câmara do rei, Anton Raphael Mengs, que o convenceu para que servissem de modelos de estudo para a Real Academia de Belas Artes de São Fernando. Primeiro levou estas obras para a sua casa, e depois para a oficina dos pintores da Corte, a chamada Casa do Rebeque, junto ao Alcácer Novo. Algumas destas obras passaram em 1827 ao Museu do Prado, onde foram confinadas numa sala especial fechada ao público, que somente se visitava com licenças especiais, e não foram exibidas publicamente até 1838.[21] Em lembrete deste fato, em 2004 o Museu do Prado organizou uma exposição temporária chamada A Sala Reservada, com uma seleção dos melhores nus dos fundos da instituição.[22]

Os processos inquisitoriais afetaram até mesmo a um artista da talha de Francisco de Goya, que foi denunciado ao Santo Ofício pela sua obra A maja nua, confiscada pelo tribunal em 1814. A Inquisição a qualificou de “obscena”, e iniciou um juízo contra Goya, que conseguiu a absolvição graças à intervenção do cardeal.[23][24][25] Contudo, a obra ficou fora da vista do público praticamente até inícios do século XX. Esta obra gerou outra polêmica em 1927, quando Correios da Espanha emitiu um selo com esse quadro, sendo a primeira vez que aparecia um nu feminino na filatelia.

Os exemplos de censura e perseguição do nu artístico são abundantes em toda a história recente da arte ocidental: no século XVIII, Luís, Duque d'Orleães destruiu a cutiladas o quadro Leda com o cisne de Correggio, pois considerava-o lascivo; porém, os fragmentos foram recolhidos e ensamblados novamente, exceto a cabeça, que foi repintada posteriormente.[26] No século XIX, o artista norte-americano Thomas Eakins foi expulso da Pennsylvania Academy of Arts de Filadélfia por ter introduzido a prática acadêmica do estudo do nu tomado do natural. Na Bélgica, em 1865, Victor Lagye foi encarregue de cobrir com peles as figuras de Adão e Eva do Trítico do Cordeiro Místico da Catedral de São Bavão de Gante. Na Grã-Bretanha, por encomenda da rainha Vitória, uma enorme folha de parreira cobriu uma réplica do Davi de Michelangelo, que ainda se conserva no Victoria and Albert Museum.[18]

 
Vênus (1532), de Lucas Cranach, o Velho, Städel, Frankfurt am Main, censurada pelo Metro de Londres em 2008.

Ainda no século XX houve numerosos casos de censura e agressões a nus artísticos: em 1914, uma sufragista britânica chamada Mary Richardson agrediu com um machado a Vênus do espelho de Velázquez, pois considerava que oferecia uma imagem da mulher como mero objeto. Richardson foi sentenciada a seis meses de prisão, o máximo permitido pela destruição de uma obra de arte.[27] Em 1917, a polícia fechou uma exposição de Amedeo Modigliani na galeria Berthe Weill, o mesmo dia da inauguração, por “ofensas ao pudor”, pois os nus mostravam penugem púbica. Por causa do escândalo, o artista não vendeu nenhum quadro.[28]

No século XXI, embora pelo geral o nu seja visto com naturalidade pela maior parte da povoação, ainda ocorrem casos de censura artística: em 2001, o Secretário de Justiça dos Estados Unidos, John Ashcroft, ordenou ocultar a estátua Spirit of Justice que preside a sala de conferências do Departamento de Justiça em Washington, pois mostrava os peitos nus.[29] Em 2008, foram retirados do Metro de Londres uns cartéis publicitários que reproduziam uma Vênus despida pintada por Lucas Cranach, o Velho, e que serviam para anunciar uma exposição dedicada ao pintor renascentista alemão, pois segundo a companhia “poderia ferir e ofender a sensibilidade dos usuários do Metro”.[30] Também em 2008, o primeiro ministro italiano, Sílvio Berlusconi, ordenou cobrir um seio nu que mostrava a alegoria A Verdade desvelada pelo Tempo de Giambattista Tiepolo, pois era a imagem central da sala de conferências de imprensa do Governo, e aparecia ao fundo do premer nos seus comparecimentos frente da televisão.[31]

Iconografia

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O nu teve, especialmente desde o Renascimento, um marcado sentido iconográfico, pois, talvez por pudor, o artista buscou frequentemente uma desculpa temática para poder representar nus, outorgando-lhes um significado geralmente relacionado à mitologia greco-romana e, às vezes, com a religião. Até o século XIX praticamente não há nus “ao natural”, despojados de tudo simbolismo, nus que somente reflitam a esteticidade intrínseca do corpo humano. As fontes iconográficas para estas representações encontram-se nos textos dos autores clássicos greco-romanos (Homero, Tito Lívio, Ovídio), para a mitologia, e na Bíblia (Antigo e Novo Testamento) para a religião. Muitos artistas estavam em dia das diversas temáticas mitológicas ou religiosas, assim como da obra de outros autores, por meio de gravuras e xilografias que circulavam por toda Europa, sobretudo desde o século XVI —poucos eram os artistas realmente eruditos e que podiam extrair informação diretamente das fontes clássicas, como Rubens, que sabia latim e vários idiomas europeus—. Com o tempo, foi forjado um corpus iconográfico que recolhia os principais mitos, lendas, passagens sagrados e relatos históricos, com obras como A lenda dourada de Jacopo da Varazze (século XIII), sobre vidas dos santos e de Jesus Cristo e a Virgem, ou A genealogia dos deuses pagãos de Boccacio (1360–1370), sobre mitologia grega e romana.[32]

Alguns dos temas mais recorrentes na iconografia do nu são:

O nascimento de Vênus
Segundo conta a lenda Vênus, deusa do amor, nasceu dos genitais do deus Urano, cortados pelo seu filho Cronos e depois arrojados ao mar: “quando Cronos acabou de cortar os genitais com o aço, lançou-os imediatamente às águas agitadas. O membro deste poderoso deus ficou aboiando e no seu redor surgiu uma espuma branca e resplandecente da qual nasceu uma garota”. Hesíodo, Teogonia, 188-202.[33]
Na mitologia grega, as Graças ou Graças (Gratiae em latim) eram as deusas do encanto, a beleza, a natureza, a criatividade humana e a fertilidade. Eram três irmãs: Aglaia (Beleza), Eufrosina (Júbilo) e Talia (Festividade). Moravam no Olimpo e, junto às musas, faziam parte do séquito de Apolo.[34]
Paris era o filho menor do rei de Troia, e foi eleito para dirimir a disputa entre as deusas Atena, Hera e Afrodite, enfrentadas sobre qual das três era a mais bela. Paris escolheu Afrodite, e a sua recompensa foi o amor de Helena, esposa do rei da Esparta, cujo rapto provocou a Guerra de Troia. Entre os autores clássicos que trataram este tema se encontram Homero (Ilíada) e Ovídio (As metamorfoses).[35]
Leda era uma princesa etólia que foi seduzida por Zeus em forma de cisne, engendrando aos gêmeos Castor e Pólux, e a Helena, cujo rapto por Paris iniciou a Guerra de Troia.[36]
Segundo a Bíblia, “Jeová Deus mandou cair um sonho profundo sobre o homem e, enquanto este dormia, tomou uma das suas costelas e então cerrou a carne sobre o seu lugar. E Jeová Deus procedeu a construir uma mulher da costela que tomara do homem”; “e ambos continuavam nus, o homem e a sua esposa, e, porém não se envergonhavam” (Gênesis 2, 21-25). Esta é a justificação para a nudez de Adão e Eva, os primeiros seres humanos, cuja nudez era natural, não manchada pelo pecado, e assim viviam no Paraíso até a sua expulsão após o Pecado Original.[38]
Segundo a tradição, Cristo foi crucificado levando somente um tapa-sexo, e o seu corpo mutilado pelos legionários. Assim, a maioria de imagens sobre o calvário de Cristo mostram o seu corpo nu.[39]
A alegoria é uma figura literária ou tema artístico que visa a representar uma ideia valendo-se de formas humanas, animais ou objetos cotidianos. Provém da Retórica de Aristóteles, onde especifica os instrumentos adequados para que a arte possa persuadir o espectador.[40]
Alegoria da música (1529), de Hans Baldung, Alte Pinakothek, Múnich.
Alegoria da justiça (1537), de Lucas Cranach, o Velho, Amsterdam Fridart Stichting.
Os putti (plural de putto, “criança” em italiano) são motivos ornamentais consistentes em figuras de crianças, frequentemente nus e alados, em forma de Cupido, querubim ou putto. São abundantes no Renascimento e no Barroco italianos, e fazem parte da recuperação de motivos clássicos típica da época.[41]
Putto em equilíbrio sobre um balão (1480), de Andrea del Verrocchio, National Gallery of Art, Washington D.C.
Cupido sustendo uma bola de cristal (1650–1655), de Caesar van Everdingen, coleção privada.
Anunciação (1655–1660), de Bartolomé Esteban Murillo, Ermitage, São Petersburgo.
A Toilette de Vênus (1751), de François Boucher, Metropolitan Museum of Art, Nova York.
Amor e Psique infantes (1890), de William-Adolphe Bouguereau.

Nu antiestético

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O nu costuma identificar-se com a beleza, mas nem todos os nus são belos ou agradáveis, também há representações de personagens nus que podem resultar feios ou repugnantes, ou carentes de qualquer atrativo físico, quer pela sua natureza pouco favorecida, quer por deformidades ou malformações, por estar representados na sua velhice ou por ser personagens malvados ou depravados, ou até mesmo monstros ou seres fantásticos da mitologia (sátiros, silenos) ou da religião (demônios, bruxas). Como no caso da beleza, a fealdade é relativa e com diferente percepção segundo a cultura, o tempo e o lugar: assim como para o homem ocidental uma máscara africana pode parecer horrenda, embora represente um deus benévolo para os seus adoradores, para um não ocidental uma imagem de Cristo crucificado pode resultar desagradável. A fealdade pode ser física ou espiritual, mas também se encontra na deformidade, a assimetria, a desfiguração, a falta de harmonia, e em conceitos de índole moral, como a maldade, a vileza ou a mesquinhez, junto a outras categorias como o grosseiro, o nauseabundo, o repelente, o grotesco, o abominável, o asqueroso, o obsceno, o sinistro, etc.[42]

Já na Grécia Antiga houve uma dicotomia entre o equilíbrio do período clássico e o sentimentalismo exacerbado e trágico do período helenístico: frente à energia vital e triunfadora dos heróis e atletas surgiu o pathos, a expressão da derrota, do dramatismo, o sofrimento, dos corpos moídos e deformados, doentes ou mutilados.[43] Este patetismo transladou-se na Idade Média ao calvário de Jesus Cristo e ao martírio de santos como São Sebastião e São Lourenço, cujos suplícios foram frequentemente plasmados na arte em autênticos paroxismos de dor e sofrimento.[44]

No terreno da filosofia, uma das primeiras rupturas com a beleza clássica ocorreu com Gotthold Ephraim Lessing, que na sua obra Laocoonte (1766) recusou a ideia de perfeição clássica elaborada por Johann Joachim Winckelmann, afirmando que não pode haver um conceito de perfeição universal para todas as épocas e todas as artes. Embora não recusasse a possibilidade de achar um sistema que relacione todas as artes, criticou as analogias absolutas —como a fórmula horaciana ut pitura, poese (“a pintura, como a poesia”, uma das bases da teoria humanista da arte)—. Para Lessing, a pintura e a poesia, examinadas nos seus contextos imitativos, são diferentes: a pintura resulta adequada para a representação de qualidades sensoriais, tangíveis, podendo apenas evocar elementos argumentativos; por outro lado, a poesia realiza o processo inverso.[45] Posteriormente, Johann Karl Friedrich Rosenkranz introduziu em Estética do feio (1853) a fealdade como categoria estética: seguindo o sistema dialético hegeliano, estabeleceu a beleza como tese e a fealdade como antítese, dando como síntese o riso: o feio fica anulado pelo cômico. Para este autor, o feio não existe em si mesmo, mas em contraste com o belo. Afirmou que o feio é relativo, enquanto o belo é absoluto; assim, o feio, o “negativo estético”, supera-se desde dentro, igual a o mal se devora a si mesmo. De igual forma sistematizou as categorias do feio: deformidade, incorreção e desfiguração.[46]

Aspectos técnicos: a representação do corpo humano

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Estudantes pintando a partir de um “modelo vivo” na École des Beaux-Arts de Paris, fotografia de final da década de 1880.

A representação da figura humana é praticamente o único tema comum presente na arte em toda a história, geografia, técnica ou estilo artístico.[47]

Tecnicamente, o estudo do corpo humano baseou-se desde a arte clássica greco-romana num ideal de proporção e harmonia, embora este ideal se represente de jeito aproximadamente realista segundo os diversos estilos artísticos que se foram sucedendo. A proporção é a base de qualquer representação humana; em palavras de Albrecht Dürer: “sem proporção nenhuma figura pode ser perfeita, por muita diligência que se tenha posto na sua realização”.[48] Esta proporção baseou-se ao longo do tempo em diferentes normas ou cânones para a sua realização: no Antigo Egito, a medida básica era o punho fechado e a largura da mão, donde se obtinha um módulo básico que se reproduzia por quadrículas; assim, a cabeça formava três módulos, de ombros a rodelas compreendia dez módulos, e de rodelas a pés, seis.[49] Para os gregos, o ideal era que a altura do indivíduo fosse o equivalente a sete vezes e meia do tamanho da cabeça para adultos, e entre quatro e seis cabeças para crianças e adolescentes. Este cânone provém, segundo a tradição, de Policleto, e é o mais clássico dos usados na Grécia Antiga, embora fossem empregues outros, como o de Lisipo de oito cabeças, ou o de Leocares, de oito cabeças e meia.[nota 4] Outros estudos estabeleciam que a altura podia inscrever-se numa circunferência com centro no púbis, divisível pela sua vez em outras duas, uma superior com centro no esterno e outra inferior com centro na rótula. Em definitiva, é difícil estabelecer um cânone ideal.[50]

 
A Lição de Anatomia do Dr. Tulp (1632), de Rembrandt, Mauritshuis, Haia.

Outro fator importante no estudo da figura humana é a anatomia, tanto óssea como muscular: o esqueleto é formado por 206 ossos, que compõem um conjunto articulado que permitem a grande variedade de posturas e movimentos dos quais é capaz o corpo humano. Pela sua vez, os músculos são estruturas fibrosas que seguram os ossos e permitem o movimento, em ações de contração e expansão que são perceptíveis na complexão do corpo, e portanto de primordial importância para a sua representação artística.[51]

Cada parte do corpo tem as suas particularidades técnicas para desenhá-la: o tronco costuma ser realizado quadrangular, dividido em três partes de tamanho similar à cabeça, uma do púbis ao umbigo, outra do umbigo à linha inferior dos peitorais, e outra daí à cabeça. Para a sua representação de costas se tem de levar em conta a forma da espinha dorsal. Quanto ao torso, logicamente varia se é masculino ou feminino, sendo o primeiro mais anguloso e abrupto e o segundo mais suave e arredondado. Enquanto a braços, pernas, mãos e pés, é essencial o estudo do movimento articulado, assim como o seu relevo anatômico, no que são mais evidentes as formas ósseas e musculares. É preciso levar em conta que, sobretudo nos braços e nos ombros se foca a força e o gesto da figura, e que o antebraço tem diversos movimentos: pronação e supinação. As mãos são a parte mais articulada do corpo, e o seu grande número de posições e gestos implica uma autêntica linguagem comunicativa do corpo. Finalmente, a cabeça é uma parte essencial, pois o rosto é a parte mais diferenciada de cada indivíduo, e a sua expressão facial indica múltiplos sentimentos e estados de ânimo. Quanto à sua proporção, a cabeça é simétrica vista de frente: o seu centro situa-se na glabela, com um tamanho de três vezes e meia da altura da testa, em três módulos que correspondem um à testa, outro das celhas à ponta do nariz e outro da ponta do nariz ao mento.[52]

A anatomia artística correu em paralelo desde o Renascimento à científica — na Grécia Antiga não há dados que avaliem um estudo científico do corpo, mas simplesmente uma observação realista do natural —, baseada em dissecções do corpo humano; tanto artistas como médicos e cientistas estudaram os ossos, músculos e demais partes do corpo, donde extraíram os conhecimentos que aplicaram às obras de arte. Cabe destacar-se nesse sentido os estudos efetuados por Andreas Vesalius, que em 1543 publicou De humani corporis fabrica, um estudo anatômico do corpo baseado em dissecções, nas que, junto ao texto, destacavam múltiplas lâminas ilustrativas do corpo humano — obra de Jan van Calcar —, que serviram de base aos artistas para as suas imagens, baseadas cada vez mais no realismo objetivo. As lâminas deste livro estavam concebidas com critérios artísticos, aparecendo esqueletos e figuras esfoladas em posses artísticas ou gesticulando, quase teatrais.[53] Contudo, desde o século XVIII, e em paralelo à preservação dos estudos artísticos pelas academias nacionais, encarregadas da formação dos artistas, a arte e a ciência foram divergindo, especializando-se cada vez mais e centrando-se nas suas respectivas funções. A anatomia acadêmica baseou-se em manuais cujas ilustrações, se bem que apresentavam esqueletos e figuras esfoladas, eram representadas de jeito artístico, geralmente inspiradas na escultura antiga. Assim, foi frequente em todas as academias a presença de manequins articulados[nota 5] e de estátuas de homens esfolados, a mais famosa das quais foi concebida por Jean-Antoine Houdon.[54]

 
Artista e nu (1525), de Dürer, gravura representando a tomada de medidas em perspectiva para um quadro de nu.

Outros aspectos a levar em conta na representação humana são o movimento e a postura: com o movimento a anatomia sofre leves modificações das suas formas básicas, os retângulos podem tornar-se losangos ou trapézios, as curvas ressaltam-se e as dimensões reduzem-se. É preciso levar em conta os eixos transversais, principalmente de ombros e cadeiras, geralmente contrapostos. Quando a figura está em funcionamento, o movimento responde a dois fatores principais, o equilíbrio e a tração, que devem ser compensados. O equilíbrio é essencial para a correta colocação da figura na cena que o envolve, e para dotá-la de uma sensação de realismo. O centro de gravidade situa-se na última vértebra dorsal, e uma forma de comprovar que seja correto é traçar uma linha desde o umbigo até os pés (ou, de costas, desde o suco das vértebras lumbares), que deve cortar o ponto de apoio principal —esta fórmula não é válida, logicamente, se a figura corre ou salta, circunstâncias nas quais é difícil estabelecer um correto equilíbrio—. Se a figura tem as pernas separadas, pode-se comprovar o equilíbrio unindo os vértices de um polígono traçado pelas partes da figura que se apoiam no chão; se a linha gravemente curta a superfície desse polígono, o equilíbrio é real.[55]

O movimento baseia-se em dois eixos básicos: os horizontais (ombros, cintura e cadeiras) e os verticais (tronco, abdômen, cabeça, pernas e braços). Um dos mais básicos, e de grande tradição artística desde o Doríforo de Policleto, é o contrapposto, em que uma perna dá um passo à frente, fazendo que os ombros se inclinem em direção contrária às cadeiras. Desde esta postura, o número de variantes é infinito, procurando sempre uma relação harmônica entre os eixos anatômicos: pelo general, os verticais dependem dos horizontais, articulando-se em função do movimento principal do corpo.[56]

Quanto à postura, a representação de figuras em perspectiva baseia-se no escorço de reajustar as proporções para compensar o fator da distância no ponto de vista. O escorço pode ser da figura inteira ou duma parte da sua anatomia, segundo o ponto de vista do espectador. Por exemplo, quando uma figura aparece deitada, as suas proporções encurtam-se pela perspectiva, resultando que, desde uma posição elevada, que costuma ser a mais habitual, as dimensões próximas pareçam maiores que as afastadas.[57]

A base do nu artístico é o desenho, a realização de um rascunho ou um esboço sobre cuja base realizar-se-á a imagem final. No desenho acadêmico, estes rascunhos chamam-se precisamente “academias”, e costumam estar realizados fixando-se especialmente no modelado de luzes e sombras.

Um fator que articula a figura humana é a luz, que afeta ao volume e gera diversos limites segundo os jogos de luz e sombra (chiaroscuro), enriquecendo o perfil anatômico. A luz permite matizar a superfície do corpo, e proporciona uma sensação de suavidade à pele. É importante a focalização da luz, pois a sua direção intervém no contorno geral da figura e na iluminação do seu ambiente: por exemplo, a luz frontal faz desaparecer as sombras, atenuando o volume e a sensação de profundidade, ao mesmo tempo que remarca a cor da pele. Por outro lado, uma iluminação parcialmente lateral provoca sombras e proporciona relevo aos volumes, e se é desde a lateral a sombra cobre o lado oposto da figura, que aparece com um volume realçado. Por outro lado, contra a luz o corpo mostra-se com um halo característico no seu contorno, enquanto o volume adquire uma sensação leve. Com uma iluminação zenital, a projeção de sombras borra o relevo, e dá uma aparência algo fantasmagórica, igual passa iluminando desde embaixo — embora este último seja pouco frequente —. Um fator determinante é o das sombras, que geram uma série de contornos além dos anatômicos que proporcionam dramatismo à imagem. Junto aos reflexos luminosos, a gradação de sombras gera uma série de efeitos de grande riqueza na figura, que o artista pode explorar diversas maneiras para conseguir diferentes resultados. Também se tem de levar em conta que a luz direta ou a sombra sobre a pele modificam a cor, variando a tonalidade do característico rosa pálido até o cinzento ou o branco. A luz também pode ser filtrada por objetos que se interponham na sua trajetória (como cortinas, telas, jarrões ou objetos vários), gerando diversos efeitos e coloridos sobre a pele.[58]

 
Estudo anatômico de Leonardo Da Vinci.

Há duas principais modalidades técnicas para a realização do nu: o “valorismo” foca-se na descrição anatômica e nos efeitos de luz; o “colorismo” enquadra-se mais na pintura plana e no contraste puro entre tonalidades. Na pintura por valores parte-se de uma cor (tom local) que se vai aclarando ou obscurecendo, o que enfatiza o volume, mais rotundo e de intenso modelado, e gera potentes claro-obscuros e relevos quase escultóricos. Por outro lado, a pintura por cores — de origem impressionista — tende à plenitude cromática e de luz, sem fortes contrastes, substituindo os claros e obscuros da figura por diferentes cores, e não por efeitos de luz. Isto gera contornos mais matizados, expressando as luzes e sombras com tons frios ou cálidos.[59]

Quanto ao cromatismo, embora o ponto de partida seja a cor carne, esta pode variar do rosa pálido ao ocre ou o alaranjado, embora pelo general não apresente uma coloração saturada. Assim mesmo, as sombras que gera podem variar do verde pálido ao cinzento azulado ou os tons rosa ou siena. As carnações costumam partir de um ocre alaranjado, que costuma obscurecer-se com siena tostado ou aclarar com branco frio. Outros artistas partem de um rosa esbranquiçado, obscurecido com verdes e azuis pálidos (para sombras claras) ou com vermelhos e carmins (para sombras obscuras). Contudo, se tem de sublinhar que não hã uma cor carne de validez universal, pois apresenta tantas gradações e é tão difícil de interpretar quanto a cor do mar.[60]

 
Estudo de proporções de uma basílica em relação ao corpo humano (segunda metade do século XV), de Francesco di Giorgio Martini, Biblioteca Nazionale, Florença. Os teóricos do Renascimento consideravam que a arquitetura podia expor-se com os mesmos padrões de simetria que o corpo humano.[61]

As principais técnicas pictóricas para a realização do nu são a aquarela, o pastel e o óleo. A aquarela proporciona maior suavidade e delicadeza à anatomia, embora sintetize o relevo muscular e requer grande precisão para a sua execução, pois não permite a retificação. No geral, primeiro empregam-se aguadas para criar grandes zonas de cor e comprovar o efeito dos tons, sobre as quais se realiza o modelado aplicando camadas de cor, adicionando tons obscuros para criar volume. Finalmente, podem-se fazer retoques sobre o papel seco, especialmente para sublinhar os pormenores. A pintura ao pastel enfatiza os efeitos de cor e luz, embora não proporciona muito detalhismo à figura. Sobre uma base realizada em desenho vão-se aplicando camadas de cor, que creiam tonalidades de grande calidez e aspecto lumínico. A pintura a óleo proporciona detalhamento do desenho, riqueza cromática e intensidade da luz, outorgando uma síntese ótima à representação artística da anatomia. Sobre o desenho aplica-se um manchado de cores diluídas, para ajustar os tons e equilibrar as luzes e sombras; depois é realizado o modelado, aplicando uma cor mais espessa para perfilar volumes, matizar superfícies, sublinhar ou suavizar as sombras e estabelecer a atmosfera geral da imagem.[62]

 
Técnica por pontos: Istruzione Elementare per gli Studiosi della Scultura (lâmina IX), de Francesco Carradori, Florença, 1802.

Quanto à escultura, a representação escultórica do corpo requer grande destreza e habilidade, assim como um sentido plástico da imagem volumétrica, pois a imagem apresenta três dimensões, e é necessário estruturá-la com base em múltiplos pontos de vista. É preciso levar em conta fatores como o espaço e a massa, que delimitam a realidade física da obra; a superfície, cuja textura, tratamento e acabado pode influir não somente no seu aspecto visual, mas na incidência da luz sobre o material; o movimento, que reflete tensões dinâmicas e influi na sinuosidade do contorno; e a cor, que pode ser a natural da matéria usada ou pode ser aplicada sobre a obra — na Grécia Antiga, a escultura era policromada, embora atualmente tenha perdido a cor, fato que influiu na valoração da escultura clássica e que determinou a atual preferência pela escultura desprovida de valores cromáticos.[63]

História

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Vênus de Willendorf, Museu de História Natural de Viena (circa 20 000 a.C.)

Pré-História

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Na arte paleolítica o nu estava fortemente vinculado ao culto à fertilidade, como se pode apreciar na representação do corpo humano feminino —as chamadas “venus”—, geralmente de formas algo obesas, com peitos generosos e abultadas cadeiras. Destacam-se as venus de Willendorf, Lespugue, Menton e Laussel. A representação do falo — geralmente ereto —, em forma isolada ou em corpo completo, era igualmente signo de fertilidade, como no chamado Gigante de Cerne Abbas (Dorset, Inglaterra).[64] Também existem casos de representação da figura humana despida na pintura rupestre, reduzida a traços esquemáticos, destacando-se os órgãos sexuais.[65]

Arte Antiga

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Pode chamar-se assim às criações artísticas da primeira etapa da história, destacando-se as grandes civilizações do Próximo Oriente: Egito e Mesopotâmia. No Egito a nudez era vista com naturalidade, e abunda em representações de cenas cortesãs, especialmente em danças e cenas de festas e celebrações. Mas também fica patente nos temas religiosos, e muitos dos seus deuses representados em forma antropomórfica aparecem nus ou semidespidos em estátuas e pinturas murais. Igualmente aparece na representação do próprio ser humano, quer faraó ou escravo, militar ou funcionário público, como o famoso Escriba sentado do Louvre. Por contrapartida, na Mesopotâmia, próxima geográfica e cronologicamente ao Antigo Egito, o nu é praticamente desconhecido, exceto algum relevo assírio como Assurbanípal caçando leões (British Museum), ou algumas cenas de tortura de prisioneiros, enquanto na vertente feminina somente se encontram os peitos nus de um bronze caldeu representando uma jovem canéfora, presente no Louvre. Também não se encontram nus na arte fenícia ou judaica, na qual a lei mosaica proibia a representação humana.[66]

Arte clássica

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O Diadúmeno (430 a.C.), de Policleto, Museu Arqueológico Nacional de Atenas.

Denomina-se arte clássica à desenvolvida nas antigas Grécia e Roma, cujos progresso tanto científico como materiais e de ordem estética contribuíram para a história da arte um estilo baseado na natureza e no ser humano, onde preponderava a harmonia e o equilíbrio, a racionalidade das formas e dos volumes, e um sentido de imitação ("mimesis") da natureza que estabeleceram as bases da arte ocidental, de tal forma que a recorrência às formas clássicas foi constante ao longo da história na civilização ocidental.[67]

Grécia

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Em Grécia desenvolveram-se as principais manifestações artísticas que marcaram a evolução da arte ocidental. Após destacar as culturas minoica e micénica, a arte grega desenvolveu-se em três períodos: arcaico, clássico e helenístico. Grécia foi o primeiro lugar onde se representou o corpo humano de uma forma naturalista, longe do hieratismo e da esquematização das culturas precedentes. Para os gregos, o ideal de beleza era o corpo masculino nu, que simbolizava a juventude e a virilidade, como os atletas dos Jogos Olímpicos, que competiam nus. O nu grego era ao mesmo tempo naturalista e idealizado: naturalista quanto à representação fidedigna das partes do corpo, mas idealizado quanto à procura de umas proporções harmoniosas e equilibradas, recusando um tipo de representação mais real que mostrasse as imperfeições do corpo ou as enrugas da idade.[68]

O primeiro expoente do nu masculino é constituído por um tipo de figuras que representam atletas, deuses ou heróis mitológicos, chamadas kouros (plural: kouroi), pertencentes ao período arcaico (séculos VII a.C. a V a.C.) — a sua variante feminina é a koré (plural: korai), que porém costumavam representar vestida—. Posteriormente, o nu teve uma lenta mas constante evolução das formas rígidas e geométricas dos kouroi até as linhas suaves e naturalistas do período clássico, com um novo conceito à hora de conceber a escultura, passando da idealização à imitação. Nesta época surgiram as principais figuras da escultura clássica grega: Mirão, Fídias, Policleto, Praxíteles, Escopas, Lisipo, etc.[69] A Praxíteles coube inaugurar a categoria do nu feminino com sua Afrodite de Cnido, protótipo de uma família tipológica conhecida como Vênus Pudica, que teve uma vasta descendência na arte do ocidente.[70]

Durante o período helenístico — iniciado com o reinado de Alexandre o Grande, em que a cultura grega se expandiu por todo o Mediterrâneo oriental —, as figuras adquiriram um maior dinamismo e torção do movimento, que denotavam sentimentos exacerbados e expressões trágicas, rompendo o sereno equilíbrio da época clássica, como na sua obra fundamental, o Laocoonte e os seus filhos (século II a.C.).[43]

Com um claro precedente na arte etrusca, a arte romana recebeu uma grande influência da arte grega. Graças à expansão do Império Romano, a arte clássica greco-romana alcançou quase todos os rincões da Europa, norte da África e Próximo Oriente, sentando a base evolutiva da futura arte desenvolvida nestas zonas. A maior parte de estátuas romanas são cópias de obras gregas, ou estão inspiradas nelas, como o Torso do Belvedere (50 a.C.), a Vênus de Médici (século I a.C.) ou o Grupo de Santo Ildefonso (10 a.C.).[71] Mais original foi o seu pintura, da qual nos chegaram numerosas mostras graças sobretudo às escavações em Pompeia e Herculano, onde existem numerosas cenas nas quais abunda o nu, com clara tendência ao erotismo, mostrado sem rodeios, como uma faceta mais da vida.[72]

Arte medieval

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O Pecado e a Expulsão do Paraíso, de As Riquíssimas Horas do Duque de Berry (1416), Irmãos Limbourg, Museu Condé, Chantilly.

A queda do Império Romano do Ocidente marcou o começo na Europa da Idade Média, etapa de certa decadência política e social, pois a fragmentação do império em pequenos estados e a dominação social da nova aristocracia militar implicou a feudalização de todos os territórios do antigo Império. O cristianismo impregnou a maior parte da produção artística medieval, na qual se sucederam diversas fases: desde a arte paleocristã, passando pela pré-românica, até o românico e o gótico, incluindo a arte bizantina e a dos povos germânicos.[73]

Com o desaparecimento das religiões pagãs perdeu-se a maior parte do conteúdo iconográfico relacionado ao nu, que ficou circunscrito às escassas passagens das Bíblia. Nos poucos casos de representação do nu são figuras angulosas e deformadas, afastadas do harmonioso equilíbrio do nu clássico, quando não são formas deliberadamente feias e moídas, como sinal do desprezo que se sentia pelo corpo, que era considerado um simples apêndice da alma.[74] O período gótico trouxe um tímida tentativa de refazer a figura humana, mais elaborada e partindo de umas premissas mais naturalistas, mas sob um certo convencionalismo que segurava as formas a uma rigidez e uma estrutura geometrizante que subordinava o corpo ao aspecto simbólico da imagem, sempre sob premissas da iconografia cristã.[75] O nu aproximadamente naturalista começou a aparecer com timidez na Itália pré-renascentista, especialmente na obra de Nicola Pisano, Giovanni Pisano e Giotto.[76]

Arte da Idade Moderna

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A Criação de Adão (1508–1512), de Michelangelo, Capela Sistina, Vaticano.

A arte na Idade Moderna — não confundir com arte moderna, que costuma empregar-se como sinônimo de arte contemporânea— desenvolveu-se entre os séculos XV e XVIII. A Idade Moderna implicou mudanças radicais a nível político, econômico, social e cultural: a consolidação dos estados centralizados, a instauração do absolutismo; os novos descobrimentos geográficos —especialmente o América — abriram uma época de expansão territorial e comercial, supondo o começo do colonialismo; a invenção da imprensa implicou uma maior difusão da cultura, que se abriu a todo tipo de público; a religião perdeu a preponderância que tinha na época medieval, ao que coadjuvou o surgimento do protestantismo; ao mesmo tempo, o humanismo surgiu como nova tendência cultural, deixando passo a uma concepção mais científica do homem e do universo.[77]

Renascimento

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Surgido na Itália no século XV (Quattrocento), expandiu-se pelo resto da Europa desde final desse século e começos do XVI. Os artistas inspiraram-se na arte clássica greco-romana, pelo qual se falou de “renascimento” artístico após o obscurantismo medieval. Estilo inspirado na natureza, surgiram novos modelos de representação, como o uso da perspectiva. Sem renunciar à temática religiosa, adquiriu maior relevância a representação do ser humano e do seu ambiente, aparecendo novas temáticas como a mitológica ou a histórica, ou novos gêneros como o paisagem ou a natureza-morta, o qual influiu na revitalização do nu.[78]

O nu renascentista inspirou-se em modelos clássicos greco-romanos, embora com uma função diferente da que tinha na antiguidade: se na Grécia o nu masculino exemplificava a figura do herói, na Itália renascentista o nu tem um caráter mais estético, mais vinculado a uma nova forma de entender o mundo, afastada de preceitos religiosos, o ser humano novamente como centro do universo. Destacou-se então principalmente o nu feminino, devido ao mecenato de nobres e ricos comerciantes que demonstravam, assim, sua posição privilegiada na sociedade.[79]

Uma das primeiras obras que cortavam com o passado e implicavam um retorno aos cânones clássicos foi o David de Donatello (circa 1440), obra de grande originalidade que se adiantou ao seu tempo, pois durante os seguintes cinquenta anos não houve realizações com as que podê-la comparar.[80] Com posterioridade a Donatello, o nu foi plasmado por artistas como Antonio Pollaiuolo, Botticelli e Luca Signorelli, com obras de grande dinamismo. Um classicismo mais sereno percebe-se na Itália central, como em Piero della Francesca, Perugino ou Rafael.[81] Por outro lado, Leonardo da Vinci afastou-se dos cânones clássicos, com figuras naturalistas concebidas segundo os seus amplos estudos de anatomia. A culminação do nu renascentista ocorreu na obra de Michelangelo, para o que o corpo humano nu tinha um caráter divino que lhe outorgava uma dignidade inigualável, em obras como o David (1501-1504), o Escravo moribundo (1513), A Criação de Adão (1508–1512) ou o Juízo Final (1536–1541).[82]

No século XVI, o nu teve uma ampla difusão graças às gravuras publicadas sobre obras clássicas greco-romanas, especialmente as de por Marcantonio Raimondi. Surgiu então a escola veneziana, que realizou importantes contribuições para o nu, não somente na continuidade de certos enfoques classicistas, mas também na inovação e experimentação de novas vias técnicas e estilísticas, com artistas como Giovanni Bellini, Giorgione, Tiziano, Tintoretto e Paolo Veronese.[83] No segundo quartel do século XVI surgiu o maneirismo, com o que em certa forma começa a arte moderna: as coisas já não se representam tal e qual são, senão tal e qual as vê o artista. O nu maneirista é de formas alongadas, exageradas, esbeltas, de uma elegância quase amaneirada. Destacam-se Parmigianino, Bronzino, Baccio Bandinelli, Bartolomeo Ammannati, Benvenuto Cellini, Giambologna, Pontormo e Rosso Fiorentino.[84]

Durante o século XVI, a aceitação do nu como tema artístico, que se transladou da Itália ao resto da Europa, gerou uma grande demanda destas obras, especialmente na Alemanha e nos Países Baixos, com artistas como Lucas Cranach, o Velho, Albrecht Dürer, Hans Baldung, Hieronymus Bosch, Jan Brueghel, o Velho e Jan Gossaert.[85] Na França foi desenvolvida a Escola de Fontainebleau, caracterizada por um gosto cortesão e sensualista, decorativo, voluptuoso, de uma elegância lânguida.[86] Na Espanha o influxo renascentista chegou tarde, subsistindo até quase meados do século XVI as formas góticas. El Greco foi um dos principais inovadores da pintura espanhola da época, com figuras longas e desproporcionadas nas quais não deixa de expor figuras despidas aproximadamente justificadas pelo tema.[87]

Barroco

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Vênus do espelho (1647-1651), de Diego Velázquez, National Gallery, Londres.
O barroco desenvolveu-se entre o século XVII e princípios do XVIII. A arte voltou-se mais refinada e ornamentada, com sobrevivência de um certo racionalismo classicista mas com formas mais dinâmicas e efeitistas, com gosto pelo surpreendente e anedótico, pelas ilusões ópticas e os golpes de efeito.[88] Durante o barroco continuou predominando o nu feminino, como objeto de prazer do mecenas aristocrático, que se recreava neste tipo de composições, onde geralmente a mulher tinha um papel subordinado ao homem.[89] O barroco teve como principal artista do nu a Peter Paul Rubens, cujas figuras femininas robustas e de uma carnal sensualidade marcaram época no conceito estético de beleza do seu tempo, com obras como As Três Graças (1636-1639) ou o Juízo de Paris (1639). Autor de mais de dois mil quadros, talvez seja o artista que mais nus representou na história.[90] No lado oposto ao idealismo de Rubens situa-se a obra de Rembrandt, herdeiro das formas arredondadas do nu nórdico de origem gótica, com figuras tratadas de jeito realista, igual de exuberantes que as de Rubens mais mundanas, sem dissimular as pregas da carne ou as enrugas da pele, com um pateticismo que ressalta a crua materialidade do corpo, no seu aspecto mais humilhante e lastimoso.[91] Na Itália destacou-se a obra de Gian Lorenzo Bernini, arquiteto e escultor que encenou a pompa da Roma papal de uma forma suntuosa e grandiloquente, e cujas obras expressam o movimento dinâmico e sinuoso tão próprio do barroco, como no seu Davi lançando a sua funda (1623-1624) ou Apolo e Dafne (1622-1625). Outro grande criador foi Caravaggio, que iniciou um estilo conhecido como naturalismo ou caravagismo, baseado na estrita realidade natural e caracterizado pelo uso do claro-obscuro (tenebrismo) para conseguir efeitos dramáticos e surpreendentes graças à interação entre luzes e sombras.[92]

Entre Itália e França originou-se outra corrente denominada classicismo, igualmente realista mas com um conceito da realidade mais intelectual e idealizado, e onde a temática mitológica evocava um mundo de perfeição e harmonia, similar à Arcádia romana. Iniciou-se na Escola Bolonhesa, da família Carracci, destacando-se igualmente Guido Reni, Francesco Albani e Nicolas Poussin.[93] Espanha continuou sendo nesta época um país artisticamente casto e recatado, onde o nu via-se com olhos pudorosos, sendo predominantemente de tema religioso, como se percebe na obra de Francisco Ribalta, José de Ribera, Francisco de Zurbarán, Gregorio Fernández e Pedro de Mena. Algo mais de liberdade teve Diego Velázquez, sem dúvida pelo seu posto como pintor real, pelo qual do pôde efetuar mais nus que qualquer outro artista espanhol do seu tempo, destacando-se a Vênus ao espelho (1647-1651), um dos nus mais magníficos e afamados da história.[94]

Rococó

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A Toilette de Vênus (1751), de François Boucher, Metropolitan Museum of Art, Nova York.
Desenvolvido no século XVIII — em convivência em princípios de século com o barroco, e no final com o neoclassicismo —, implicou a sobrevivência das principais manifestações artísticas do barroco, com um sentido mais enfatizado da decoração e do gosto ornamental, levados a um paroxismo de riqueza, sofisticação e elegância.[95] O nu nesta época foi herdeiro de Rubens —do qual pegaram sobretudo a cor e a textura da pele—, e tinha umas maiores conotações eróticas, de um erotismo refinado e cortesão, sutil e evocador, mas não isento de provocação e de um certo caráter irreverente, abandonando já qualquer indício de idealização classicista e assumindo o caráter mundano do gênero.[96]
 
Diana descansando depois de banhar-se (1742), de François Boucher
Jean-Antoine Watteau foi um dos iniciadores do estilo, com as suas cenas de festas galantes e idílicas paisagens plenas de personagens míticos ou, quando não, pessoas anônimas que desfrutam da vida. Um dos seus melhores expoentes foi François Boucher, com imagens que têm um ar bucólico e pastoral, inspiradas frequentemente na mitologia ovidiana, com um sentido galante e cortesão. Discípulo seu foi Jean-Honoré Fragonard, que continuou o estilo cortesão onde o amor galante desprega todos os seus encantos, com um fino erotismo de corte grácil e elegante.[97] No campo da escultura também se realizaram notáveis nus, nos quais se conjuga o tom pícaro e galante do rococó com um certo ar classicista e o interesse pelo retrato, com figuras como: Jean-Baptiste Le Moyne, Edmé Bouchardon, Jean-Baptiste Pigalle, Étienne-Maurice Falconet, Jean-Antoine Houdon, Augustin Pajou e Clodion.[98] Fora da França, em muitos lugares da Europa sobreviveu até meados do século XVIII o barroco, substituído ou entremisturado pela crescente exuberância do rococó. Destacaram-se artistas como: Giambattista Tiepolo, Corrado Giaquinto e Anton Raphael Mengs. Na Espanha, destacou Francisco de Goya, que evoluiu do rococó até um expressionismo de espírito romântico, mas com uma personalidade que confere à sua obra um caráter único. A sua obra mestra no gênero do nu é A maja despida (1797–1800), que pintou em paralelo a A maja vestida (1802–1805), e que é um dos primeiros nus onde se aprecia com nitidez o velo púbico.[99]

Neoclassicismo

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Hipatia (1885), de Charles William Mitchell, Laing Art Gallery, Newcastle upon Tyne.
O auge da burguesia após a Revolução Francesa favoreceu o ressurgimento das formas clássicas, mais puras e austeras, em contraste com os excessos ornamentais do barroco e rococó, identificados com a aristocracia. O nu neoclássico recuperou as formas da antiguidade greco-romana, mas desprovidas do seu espírito, do seu caráter ideal, do seu ethos exemplar, para se recrear unicamente na forma pura, depreendida de vida, pelo qual em última instância resultou uma arte fria e desapaixonado.[100]
 
Perseu com a cabeça de Medusa (1800), de Antonio Canova, Museus Vaticanos.
Jacques-Louis David foi o principal factótum deste estilo, que o converteu na corrente estética da França revolucionária e napoleônica, com um estilo severo e equilibrado de grande pureza técnica. Os seus discípulos seguiram o seu ideal clássico, mas afastando-se da sua rigorosa severidade e derivando para certo maneirismo sensualista, com certa graça erótica elegante e refinada, destacando-se: François Gérard, Pierre-Narcisse Guérin, Jean-Baptiste Regnault, Anne-Louis Girodet de Roussy-Trioson e Pierre-Paul Prud'hon.[101]

Se David foi o grande pintor neoclássico por excelência, na escultura o seu equivalente foi Antonio Canova, cuja obra tem a serenidade e harmonia do mais puro classicismo, embora não deixe de transluzir uma sensibilidade humana e um ar decorativista próprios da sua ascendência itálica. Outro destacado escultor foi o dinamarquês Bertel Thorvaldsen, que apesar do seu classicismo nobre e sereno, a execução fria e calculada restou-lhe mérito para alguns críticos, que apelidam a sua obra de insípida e vazia, embora em vida tenha tido um enorme êxito, e deixou uma copiosa produção onde prolifera o nu. Outro notável expoente foi o inglês John Flaxman, autor também de numerosos nus.[102]

Arte contemporânea

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A fonte (1856), de Jean Auguste Dominique Ingres, Musée d'Orsay, Paris.

Século XIX

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Entre final do século XVIII e princípios do XIX sentaram-se as bases da sociedade contemporânea, marcada no terreno político pelo fim do absolutismo e a instauração de governos democráticos — impulso iniciado com a Revolução Francesa —; e, no econômico, pela Revolução Industrial e a consolidação do capitalismo. No terreno da arte, começa uma dinâmica evolutiva de estilos que se sucedem cronologicamente cada vez com maior celeridade, que culminará no século XX com uma atomização de estilos e correntes que convivem e se contrapõem, influem-se e enfrentam-se.[103] No século XIX abunda mais que nunca o nu feminino — especialmente na segunda metade do século —, mais que em outros períodos da história. Contudo, o rol feminino varia para se tornar num mero objeto de desejo sexual, num processo de desumanização da figura da mulher, submetida ao ditado de uma sociedade preponderantemente hedonista.[104]

Romantismo
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Movimento de profunda renovação em todos os gêneros artísticos, os românticos puseram especial atenção no terreno da espiritualidade, da imaginação, a fantasia, o sentimento, a evocação ensonhadora, o amor à natureza, junto a um elemento mais obscuro de irracionalidade, de atração pelo ocultismo, a loucura, o sonho.
 
A Liberdade guiando o povo (1830). Eugène Delacroix, óleo sobre tela.
O nu romântico é mais expressivo, outorga-se maior importância à cor que à linha da figura — ao contrário que no neoclassicismo —, com um sentido mais dramático, em temáticas que variam do exótico e do gosto pelo orientalismo até os temas mais puramente românticos: dramas, tragédias, atos heroicos e apaixonados, sentimentos exacerbados, quanto à liberdade, à pura expressão do interior do ser humano.[104]
 
Fragrant Iris, óleo sobre tela de Guillaume Seignac (1870-1924).
Entre o neoclassicismo e o romantismo situa-se a obra de Jean Auguste Dominique Ingres, cujas figuras se encontram a meio caminho entre a sensualidade e a preocupação pela forma pura, com certo ar gótico (peitos pequenos, estômagos proeminentes). A sua obra mais famosa é O Banho turco (1862), que implicou a culminação dos estudos que durante toda a sua vida dedicou ao nu.[105] Eugène Delacroix foi um prolífico artista que realizou numerosas obras de nu, de temática muito diversa, desde a religiosa, mitológica, histórica e literária, até as cenas de gênero ou o nu por si mesmo; para Delacroix qualquer pretexto era bom para mostrar a beleza física, como na alegoria de A Liberdade guiando o povo (1830).[106]

Em escultura, François Rude evoluiu do neoclassicismo ao romantismo, em obras de grande força expressiva onde tinha um papel protagonista o nu, com figuras colossais que traduzem na sua anatomia o dinamismo da ação, como na sua principal obra, A Marselhesa (1833). Igual processo estilístico denotou Jean-Baptiste Carpeaux, com figuras de intenso dinamismo, como O conde Ugolino e os seus filhos (1863).[107]

Academicismo
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A Mulher e a Concha (1885), óleo sobre tela de William-Adolphe Bouguereau.
Se bem que em princípio as academias estavam em sintonia com a arte produzida na sua época, pelo qual não se pode falar de um estilo diferenciado, no século XIX, quando a dinâmica evolutiva dos estilos começou a afastar-se dos cânones clássicos, a arte acadêmica ficou encaixotado num estilo classicista baseado em regras estritas, pelo qual atualmente se entende mais como um período próprio do século XIX, recebendo paralelamente diversas denominações, como a de arte pompier na França.
 
O Nascimento de Vênus (1879), de William-Adolphe Bouguereau.
No academicismo teve uma especial relevância o nu, considerado como a expressão por excelência da nobreza da natureza, padronizado numas premissas clássicas sujeitas a estritas regras tanto temáticas como formais, subordinadas ao ambiente geralmente puritano da sociedade do século XIX, no qual o nu era apenas aceite como expressão da beleza ideal, baseado estritamente no estudo anatômico.[108]

Um dos principais representantes do academicismo foi William-Adolphe Bouguereau, que realizou uma grande quantidade de obras de nu, geralmente de tema mitológico, com figuras de grande perfeição anatômica, como O Nascimento de Vênus (1879). Outro expoente foi Alexandre Cabanel, autor de nus mitológicos e alegóricos que são um pretexto para representar mulheres de beleza voluptuosa e sensual, como outro O Nascimento de Vênus (1863). Jean-Léon Gérôme foi um dos principais representantes do orientalismo acadêmico, com obras ambientadas em haréns e banhos turcos ao puro estilo ingresiano, além de temas mitológicos e históricos.

Na Grã-Bretanha, a sociedade vitoriana estimulou o academicismo como arte oficial que expressava de modo ótimo a moral puritana preponderante nos círculos da burguesia e da nobreza, com autores como Joseph Noel Paton, Charles William Mitchell, Frederic Leighton, John Collier, Edward Poynter, Lawrence Alma-Tadema, John William Godward, Herbert James Draper, etc.

Realismo
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La Pose (1879), de Luis Riccardo Falero, óleo sobre tela.
 
Después del baño (1895), de Raimundo de Madrazo y Garreta
Desde meados de século surgiu uma tendência que pôs ênfase na realidade, a descrição do mundo circundante, especialmente de operários e camponeses no novo quadro da era industrial, com um certo componente de denúncia social, ligado a movimentos políticos como o socialismo utópico e filosóficos como o positivismo.[109] O seu principal expoente foi Gustave Courbet, que foi o primeiro a retratar o corpo tal e qual o percebia, sem idealizar, sem contextualizar, sem o enquadrar num tema iconográfico, transcrevendo as formas que captava do natural, como em O sonho (1866) ou A origem do mundo (1866).[110]

Outro expoente foi Camille Corot, que foi principalmente paisagista, adicionando ocasionalmente figuras humanas às suas paisagens, algumas delas nus, num tipo de paisagens de ar arcádico, com atmosferas vaporosas e tons delicados.

O equivalente escultórico do realismo foi Constantin Meunier, que retratou preferentemente a operários e trabalhadores da nova era industrial, substituindo o herói clássico pelo proletário moderno, em obras onde se outorga especial relevância o sentido volumétrico da figura, como em O Pudelador (1885).[111]

Impressionismo
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La baigneuse blonde (1882), óleo sobre tela de Renoir.
O impressionismo foi um movimento profundamente inovador, que implicou uma ruptura com a arte acadêmica e uma transformação da linguagem artística, iniciando o caminho para os movimentos de vanguarda. Os impressionistas inspiravam-se na natureza, da qual visavam a captar uma “impressão” visual, a plasmação de um instante na tela — por influxo da fotografia —, com uma técnica de pincelada solta e tons claros e luminosos, valorizando especialmente a luz.[112]
 
Weiblicher Halbakt (1922), de Vlaho Bukovac.
Um dos seus iniciadores foi Édouard Manet, autor de duas obras que, sendo precisamente nus, provocaram um grande escândalo, mas foram obras rompedoras que abriram o caminho a uma arte nova: Le Déjeuner sur l'Herbe (1863) e Olympia (1863).[113]

Outros autores continuaram o caminho iniciado por Manet, como Edgar Degas, que após uns primeiros nus de influência ingresiana evoluiu para um estilo pessoal baseado no design de desenho, preocupado essencialmente pela transcrição do movimento, em cenas cheias de vida e espontaneidade. Degas iniciou um subgênero dentro do nu, o da toilette, as mulheres no banho, realizando o seu asseio pessoal, que teria grande desenvolvimento no final do século XIX e princípios do XX.[114]

Pierre-Auguste Renoir foi um dos maiores intérpretes do corpo feminino, que transcreveu de uma forma realista, mas com certo grau de adoração que lhe conferia um ar de idealizada perfeição, com uma visão sereia e plácida da nudez, num ideal de comunhão com a natureza.[115]

Posteriormente, os chamados pós-impressionistas foram uma série de artistas que, partindo dos novos achados técnicos efetuados pelos impressionistas, reinterpretaram-nos de um jeito pessoal, abrindo diferentes vias de desenvolvimento de primordial importância para a evolução da arte no século XX.[116]
 
A Idade do Bronze (1877), de Auguste Rodin, Tanyo Museum, Assago, Prefeitura de Hyogo.
 
Desnudo de mujer (1902), óleo sobre tela de Joaquín Sorolla.
Paul Cézanne tratou o nu como expressão da relação entre volumes de cor imersos na luz, como nos seus Banhistas (1879-1882). Paul Gauguin recriou um mundo de primitiva placidez onde a nudez era contemplada com naturalidade, como nas suas obras realizadas em Tahiti. Henri de Toulouse-Lautrec, em contraste com os estilizados nus dos salões acadêmicos, estudou a figura feminina na sua mais cruenta carnalidade, sem soslaiar as imperfeições próprias do corpo, com preferência por cenas de circo e music hall, ou bem de ambientes boêmio e de prostíbulos.[116] No terreno escultórico, Auguste Rodin foi um grande renovador, tratando o corpo humano de jeito intimista, com um forte componente de introspecção psicológica, e contribuindo novas tipologias ao tema do nu: O pensador (1880-1900), O Beijo (1886-1890), A Idade do Bronze (1877), etc.[117] Na Espanha, Joaquín Sorolla interpretou o impressionismo de uma forma pessoal, com uma técnica solta e pincelada vigorosa, com um colorido brilhante e sensitivo, onde cobra especial importância a luz, o ambiente de luz que envolve as suas cenas de temática mediterrânea, em praias e paisagens marinhos: Triste Herança (1899), Meninos na praia (1910).[118]
Simbolismo
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A Mermaid (1900), óleo sobre tela de John William Waterhouse.
 
La Clairiere (1900), óleo sobre tela de Julius LeBlanc Stewart.
O simbolismo foi um estilo de traços fantásticos e oníricos, que surgiu como reação ao naturalismo da corrente realista e impressionista, pondo especial ênfase no mundo dos sonhos, assim como em aspectos satânicos e terroríficos, o sexo e a perversão. Desenvolveu-se especialmente na França, sendo um dos seus iniciadores Gustave Moreau, artista de corte fantástico e estilo ornamental, com um erotismo sugestivo, que reflete os seus medos e obsessões, com um protótipo de mulher ambígua, entre a inocência e a perversidade.[119] Seguiram os seus passos artistas como Pierre Puvis de Chavannes, Odilon Redon, Aristide Maillol, ou os Nabis, grupo de artistas influenciados por Gauguin e preocupados pelo uso expressivo da cor (Félix Vallotton, Pierre Bonnard). Na Bélgica, Félicien Rops também se inspirou no mundo do fantástico e do sobrenatural, com inclinação para o satânico e as referências à morte, com um erotismo que reflete o aspecto obscuro e pervertido do amor.[120]

Em Grã-Bretanha surgiu a escola dos pré-rafaelitas, que se inspiravam nos pintores italianos anteriores a Rafael, bem como na recém surgida fotografia. Embora a sua temática fosse de preferências líricas e religiosas, também abordaram o nu, como Dante Gabriel Rossetti, Edward Burne-Jones, John Everett Millais e John William Waterhouse. O alemão Franz von Stuck expressou um erotismo de tórrida sensualidade que reflete um conceito da mulher como personificação da perversidade (O pecado, 1893). Na Áustria, Gustav Klimt recriou um mundo de fantasia de forte componente erótica, com uma composição classicista em estilo ornamental, na qual entrelaça o sexo e a morte, tratando a sexualidade sem tabus.[121]

Século XX

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Formas Únicas de Continuidade no Espaço (1913), de Umberto Boccioni, Museu de Arte Contemporâneo da Universidade de São Paulo.
 
Mulher reclinada à leitura (1915–1922), de Isaac Israels, óleo sobre tela.
No século XX surgiram os movimentos de vanguarda, que visavam integrar a arte na sociedade, buscando uma maior inter-relação artista-espectador, pois é este último que interpreta a obra, podendo descobrir significados que o artista nem conhecia. As últimas tendências artísticas perderam até mesmo o interesse pelo objeto artístico, valorizando mais o conceito, a ideia criadora, com uma revalorização da arte de ação, da manifestação espontânea, efêmera, da arte não comercial (arte conceptual, happening, environment).[122] No século XX o nu foi ganhando cada vez mais protagonismo, sobretudo graças aos mídia, que permitiram a sua maior difusão, especialmente no cine, a fotografia e a revista de banda desenhada, e recentemente, internet. O nu já não tem atualmente a conotação negativa que tinha em épocas anteriores, principalmente devido a que a sociedade percebe o nu como mais natural e não censurável moralmente.
Vanguardismo
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Fauvismo (1905-1908)

O fauvismo prescinde da perspectiva, o modelado e o claro-obscuro, experimentando com a cor, que é concebido de jeito subjetivo e pessoal, aplicando-lhe valores emotivos e expressivos, independentes a respeito da natureza. O seu principal representante foi Henri Matisse, que abriu as portas à independência da cor respeito ao tema, organizando o espaço com base em planos de cor e buscando novas sensações mediante o efeito impactante das violentas zonas de cores estridentes. Apesar do seu afã modernizador, Matisse conservou elementos clássicos como o nu: com o Nu azul (1906-1907) iniciou uma simplificação da forma humana à procura de uma síntese perfeita da estrutura do corpo, processo que lhe obsedaria por muitos anos e que culminaria no Nu rosa (1935).[123] Seguiram a estela de Matisse artistas como: André Derain, que na sua obra denota a influência da arte primitiva (A idade de ouro, 1905); Maurice de Vlaminck, que sentia predileção pelas cores puros, com um volume de origem cézanniana (Nu reclinado, 1905); Albert Marquet, em estilo mais naturalista (Nu contra a luz, 1909-1911); e Kees van Dongen, apaixonado nudista muito de moda na alta sociedade parisiense (A mulher das joias, 1905).[124]

Expressionismo (19051923)
 
Nu deitado (1917), de Amedeo Modigliani, Col. Gianni Mattioli, Milão.

Surgido como reação ao impressionismo, os expressionistas defendiam uma arte mais pessoal e intuitiva, na qual predominasse a visão interior do artista, refletindo nas suas obras uma temática pessoal e intimista com gosto pelo fantástico, deformando a realidade para ressaltar o caráter expressivo da obra.[125] Organizado inicialmente em torno do grupo Die Brücke (fundado em 1905), aos seus membros interessava um tipo de temática centrada na vida e a natureza, refletida espontânea e instintivamente. Um dos seus principais temas foi o nu.[126] Dos membros de Die Brücke destacou-se Ernst Ludwig Kirchner: que usava cores primárias, como os fauvistas, mas com linhas quebradas, violentas, em ângulos fechados, agudos, com figuras estilizadas, com um alargamento de influência gótica. Outros membros do grupo foram: Erich Heckel, Karl Schmidt-Rottluff, Max Pechstein e Otto Mueller.[127]

Em Viena destacou-se Egon Schiele, cuja obra girou em volta duma temática baseada na sexualidade, a solidão e a incomunicação, com obras muito explícitas pelas quais até mesmo esteve preso, marcado de pornografia.[128] Na França, foi formada a denominada Escola de Paris, um grupo heterodoxo de artistas que trabalharam no período entreguerras, um de cujos principais expoentes foi Amedeo Modigliani, artista de vida boêmia autor de numerosos nus. Outros membros da escola foram: Marc Chagall, Georges Rouault e Jules Pascin.[129]

Cubismo (1907-1914)
 
Mulher penteando-se (1914), de Alexander Archipenko, Museu de Israel, Jerusalém.

Este movimento baseou-se na deformação da realidade mediante a destruição da perspectiva espacial. De origem renascentista, organiza o espaço com base em um argumento geométrico, com visão simultânea dos objetos, uma gama de cores frias e apagadas, e uma nova concepção da obra de arte, com a introdução do collage.[130] O seu principal expoente foi Pablo Picasso, que passou por diversas fases antes de terminar no cubismo, do qual foi ponto de partida As senhoritas de Avignon (1907), um nu que implicou uma ruptura total com a arte tradicional, fazendo uma alegação contra a beleza convencional, a beleza baseada em regras e proporções. Durante os primeiros anos 1920 realizou nus de concepção mais clássica, mas de uma voluntária objetividade que os privava de vitalidade, a qual se reafirmaria quando posteriormente voltou à deformação das suas figuras, como na sua Mulher despida numa poltrona vermelha de 1929. Em obras posteriores desmistificou não somente o nu clássico, mas também o contemporâneo, com um sentido iconoclasta e rebelde, sempre à procura de caminhos novos e contra de tudo convencionalismo, seja do passado ou do presente, com um conceito cada vez mais abstrainte da figura humana.[131]

Outros representantes do cubismo foram: Georges Braque, iniciador do estilo com Picasso, cujo Grande nu (1908) guarda um grande paralelismo com As senhoritas de Avinhão; Fernand Léger, que recreou nas suas obras uma estrutura volumétrica da forma com base em tubos (Figuras despidas numa floresta, 1910); e Robert Delaunay, que realizou n´A cidade de Paris (1910) uma curiosa mistura entre a figuração e a abstração geométrica. Em escultura, Alexander Archipenko introduziu uma nova análise da figura humana, decomposta em formas geométricas e perfurada em certos pontos com buracos que creiam um contraste entre o sólido e o oco, numa nova forma de entender a matéria: Torso no espaço (1935).[132]

Futurismo (1909–1930)

Movimento italiano que exaltou os valores do progresso técnico e industrial do século XX, destacando-se aspectos da realidade como o movimento, a velocidade e a simultaneidade da ação, o futurismo aspirava a transformar o mundo, a cambiar a vida, mostrando um conceito idealista e algo utópico da arte coma motor da sociedade.[133] Embora os futuristas não se dedicassem especialmente ao nu, convém lembrar Umberto Boccioni e a sua Formas Únicas de Continuidade no Espaço (1913), uma versão moderna do “nu heróico” clássico.[134]

Dadaísmo (1916-1922)

Movimento de reação aos desastres da guerra, o dadaísmo implicou um enfoque radical do conceito da arte, que perde qualquer componente baseada na lógica e a razão, reivindicando a dúvida, o azar, o absurdo da existência. O seu principal factótum foi Marcel Duchamp, que realizou em Nu baixando de uma escada (1911) uma síntese entre cubismo e futurismo, onde o corpo foi decomposto em volumes geométricos e serializado em diversos movimentos superpostos. O nu foi também um tema propício para a experimentação em outras obras suas como O grande vidro (ou A namorada espida pelos seus solteiros, até mesmo, 1915–1923) e Dando-se: 1. A queda de água, 2. O gás de alumbrado (1944–1966).[135]

Surrealismo (1924-1955)
 
Homenagem a Newton (1985), de Salvador Dalí, Singapura.

O surrealismo pôs especial ênfase na imaginação, a fantasia, o mundo dos sonhos, com uma forte influência do psicanálise. Um dos seus principais representantes foi Salvador Dalí, com uma obra figurativa mas intensamente onírica, com uma grande obsessão pelo sexo, tema recorrente na sua obra: O grande masturbatório (1929), A Tentação de Santo Antônio (1946), Leda atômica (1949), Crucifixão (Corpus hypercubus) (1954), Dali nu (1954), etc.[136] Paul Delvaux enquadrou-se num tipo de pintura figurativa mas estranhamente inquietante, na qual as mulheres despidas convivem com homens que as olham com ávido voyeurismo, conseguindo recrear um ambiente de um erotismo de pesadelo. René Magritte desenvolveu uma obra na qual o corrente e o banal convive com o fantástico e estranho, frequentemente com fortes conotações eróticas, em atmosferas perturbadoras com uma iconografia recorrente, destacando-se a ambigüidade dos objetos que retrata. Óscar Domínguez mostra em A máquina de coser eletrosexual (1935) um delírio onírico no qual a componente sexual se combina com a mecanicidade da era industrial.[137]

Em escultura, Constantin Brâncuşi efetuou um processo de redução da figura humana para a mais estrita simplicidade, próxima à abstração (Musa dormida, 1911). Seguiu a sua estela Alberto Giacometti, com figuras reduzidas a simples filamentos, muito alongadas e abatidas, mostrando o isolamento do homem (Nu de pé, 1953). Henry Moore inspirou-se no corpo humano em muitas das suas obras, que supõem uma abstração da forma onde o corpo fica esboçado numas linhas simples e dinâmicas, ondulantes, que sugestionam mais que descrevem a forma básica do corpo (Figura reclinada, 1951).[138]

Art déco (1925-1945)

O art déco foi um movimento surgido na França em meados dos anos 1920 que implicou uma revolução para o interiorismo e as artes gráficas e industriais. Em pintura foi destacada a obra de Tamara de Lempicka, cujos nus apresentam mulheres que são um produto da sua época, elegantes e sofisticadas, com luxo e glamour, uma mulher moderna que assume sem travas a sua sexualidade, e que é admirada e respeitada pelos homens, uma mulher de alta sociedade que segue os ditados da moda.[139]

Últimas tendências
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O rapto da Europa (1994), de Fernando Botero, São Petersburgo, Florida.

Desde a Segunda Guerra Mundial a arte experimentou uma vertiginosa dinâmica evolutiva, com estilos e movimentos que se sucedem cada vez mais rápido no tempo. O projeto moderno originado com as vanguardas históricas chegou à sua culminação em diversos estilos antimátericos, que destacavam a origem intelectual da arte sobre a sua realização material, como a arte de ação e a arte conceptual, aos quais se enfrentou posteriormente a arte pós-moderna, que retorna à arte tradicional.[140]

Informalismo (1945–1960)

O informalismo é um conjunto de tendências baseadas na expressividade do artista, renunciando a qualquer aspecto racional da arte (estrutura, composição, aplicação preconcebida da cor). É uma arte eminentemente abstrata, embora alguns artistas conservassem a figuração, na qual cobra relevância o suporte material da obra, que assume o protagonismo acima de qualquer temática ou composição. Inclui diversas correntes como o tachismo, a art brut, a pintura matérica ou o expressionismo abstrato nos Estados Unidos.[141]

Alguns dos seus representantes que trataram o tema do nu foram: Jean Fautrier, autor de nus onde a figura encontra-se deformada, confeccionados com diversas texturas de cor, em suportes multimatéricos; Jean Dubuffet, que na sua série Corpos de Dama trata o corpo como uma massa que fica esmagada no suporte, como numa tábua de açougueiro; Willem de Kooning realiza nus femininos distorcidos ao máximo, como o seu série de Mujeres (1945-1950); Antoni Tàpies é um pintor basicamente abstrato, embora nas suas obras introduza às vezes partes do corpo humano, especialmente genitais, de formas esquemáticas, muitas vezes com aparência de deterioração, o corpo aparece rasgado, agredido, furado.[142]

Nova figuração (1945–1960)

Como reação à abstração informalista surgiu um movimento que recuperou a figuração, com certa influência expressionista e com total liberdade de composição. Um dos seus principais expoentes foi Francis Bacon, que expõe nas suas obras umas figuras cuja nudez é deforme, vulnerável, escarnecida, enquadradas em espaços irreais, que semelham caixas que encerram as figuras num ambiente opressivo, angustioso. Os seus nus, tanto masculinos como femininos, parecem massas de carne amorfa, que se retorce e livra uma luta desesperada pela existência.[143] Outro notável expoente foi Lucian Freud, para o que o nu foi um dos seus principais temas, que tratou de jeito realista, descarnado, pormenorizado, sem omitir nenhum pormenor, desde veias e músculos até enrugas e qualquer imperfeição da pele.[144] Em escultura destacaram-se: Germaine Richier, que seguiu a estela de Giacometti em figuras estilizadas de membros alongados, que semelhavam insetos, com um aspecto lacerado e andrajoso, como em decomposição (O pastor das Landas, 1951); e Fernando Botero, autor de figuras de grandes dimensões, que parecem bonecas inchadas (O rapto da Europa, 1994).

Pop art (1955-1970)

Surgiu na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos como movimento de recusa ao expressionismo abstrato, englobando uma série de autores que retornaram à figuração, com um marcado componente de inspiração popular, tomando imagens do mundo da publicidade, a fotografia, o história em quadrinhos e os mídia. O pop art assumiu o sexo como algo natural, sem rodeios, no quadro da libertação sexual da década de 1960 propugnada pelo movimento hippie. Um dos seus principais expoentes enquanto ao nu foi Tom Wesselmann, que realizou na série Grandes nus americanos (anos 1960) um conjunto de obras nas quais o nu se mostra como um produto de consumo, com uma estética publicitária e próxima às revistas eróticas tipo Playboy.[145]

Novo realismo (1958-1970)

Movimento francês inspirado no mundo da realidade circundante, do consumismo e a sociedade industrial, do qual extraem — ao contrário que no pop art — o seu aspecto mais desagradável, com especial predileção pelos materiais de detrito. Um dos seus principais representantes foi Yves Klein, artista revolucionário precursor da arte conceptual e de ação, autor das “antropometrias”, onde uma modelo despida, besuntada de pintura, se deita sobre uma tela deixando a marca do seu corpo pintada, marcando o ponto de origem do body art e o happening.[146]

Arte de ação (desde 1960)

São diversas tendências baseadas no ato da criação artística, na qual o importante não é a obra em si, mas o processo criador, e no que além do artista intervém frequentemente o público, com um grande componente de improvisação. Engloba diversas manifestações artísticas como o happening, a performance, o environment, a instalação, etc. Na Europa destacou-se o grupo Fluxus e artistas como Wolf Vostell, que realizou vários happenings nos quais intervinha o nu, como Desastres (Encofrado com cimento da vagina) (1972) e Fandango (1975).[147]

Hiper-realismo (desde 1965)

Como reação ao minimalismo de moda nos anos 1950 e 1960 surgiu esta corrente figurativa, caracterizada pela sua visão superlativa e exagerada da realidade, plasmada com exatidão em todos os seus pormenores, com um aspecto quase fotográfico. Destacaram-se artistas como John Kacere, que pinta fragmentos de corpos femininos, especialmente sexos e nádegas com calcinhas ajustadas; e o escultor John de Andrea, autor de nus de forte carga sexual (O artista e a sua modelo, 1976). Na Espanha, Antonio López García é autor de obras de feitio acadêmico, mas onde a mais minuciosa descrição da realidade se reúne com um impreciso aspecto irreal próximo do realismo mágico (Mulher na banheira, 1968).[148]

Arte conceptual (1965-1980)

Após o despojamento de matéria do minimalismo, a arte conceptual renunciou ao substrato material para se focar no processo mental da criação artística, afirmando que a arte está na ideia, não no objeto. Inclui diversas tendências, como a arte conceptual linguística, a arte povera, a body-art, a land art, a bio-art, etc. Também se poderiam enquadrar nesta corrente diversos gêneros de reivindicação social como a arte feminista e a arte homoerótica. Em relação ao nu, tem especial relevância a body art, movimento surgido no final dos anos 1960 e desenvolvido nos 1970, que tocou diversos temas relacionados ao corpo, em especial em relação à violência, ao sexo, ao exibicionismo ou à resistência corporal a determinados fenômenos físicos, com artistas como Dennis Oppenheim, Stuart Brisley, o grupo do acionismo vienês (Günther Brus, Otto Mühl, Hermann Nitsch e Rudolf Schwarzkogler), Youri Messen-Jaschin e Urs Lüthi.

A arte feminista tentou reivindicar a imagem da mulher como pessoa e não como objeto, incidindo na sua essência tanto material como espiritual, e sublinhando aspectos da sua condição sexual como a menstruação, a maternidade, etc. Algumas dos seus principais figuras foram: Donna Haraway, Cindy Sherman, Judy Chicago e Jenny Saville.[149]

Arte pós-moderna (desde 1975)

Por oposição à denominada arte moderna, é a arte própria da pós-modernidade. Os artistas pós-modernos assumem o insucesso dos movimentos de vanguarda como o insucesso do projeto moderno: as vanguardas visavam eliminar a distância entre a arte e a vida, universalizar a arte; o artista pós-moderno, por outro lado, é auto-referencial, a arte fala da arte, não pretendem fazer um trabalho social. Entre os diversos movimentos pós-modernos destacam-se a transvanguarda italiana e o neoexpressionismo alemão, bem como o neomaneirismo, a figuração livre, etc. Entre os seus representantes tocaram o tema do nu artistas como Sandro Chia, Markus Lüpertz, Georg Baselitz, Rainer Fetting, David Salle, Eric Fischl e Miquel Barceló.[150]

Médios audiovisuais

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Nu reclinado, Amélie (1852), de Félix-Jacques Moulin.

Além de na pintura e na escultura, o nu também se desenvolveu em outras artes, da dança e o teatro até novos meios e técnicas como a fotografia, o cine, a televisão e a revista em quadrinhos. Nestes meios, especialmente desde o século XX, o nu costuma estar vinculado ao erotismo, que representa um forte reclamo a nível comercial, pelo qual foi profusamente usado pela publicidade. Nestes meios costuma percorrer-se a atores e modelos fisicamente atraentes, cobrando um grande auge nos últimos tempos a demanda de imagens de celebridades despidas no novo meio de comunicação de massas, internet. Também proliferaram desde meados do século XX as revistas eróticas, como Playboy, Penthouse e Hustler, que oferecem imagens de modelos despidas e implicaram um marco na educação sexual de muitos adolescentes. Contudo, nem todo nu é erótico, e numerosos artistas trataram o tema do corpo humano despojado de roupa como metáfora da vulnerabilidade do corpo e da fragilidade da vida.

Fotografia

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Imagem de daguerreótipo (1851-1854), produzida por Félix-Jacques Antoine Moulin.
 
Impressão fotográfica (1915) à base de prata, feita por Charles Gilhousen.
A aparição da fotografia implicou uma autêntica revolução no terreno das artes plásticas, pois por diversos procedimentos técnicos permitia que qualquer pessoa, ainda sem formação artística, captasse imagens de uma forma muito mais realista que qualquer pintura. A fotografia moderna começou com a construção do daguerreótipo por Louis-Jacques-Mandé Daguerre, a partir do qual se foram aperfeiçoando os procedimentos técnicos. Em que pese a ser uma realização puramente técnica, cedo foi vislumbrada a potencialidade artística deste novo meio, pois a obra resultante podia ser considerada artística enquanto inclui a intervenção da criatividade da pessoa que capta a imagem, derivada do trabalho de percepção, design e narratividade efetuada na tomada da imagem. Assim, cedo a fotografia passou a ser considerada uma das artes, concretamente a oitava.[nota 6] No século XX estendeu-se notavelmente o seu uso, pois as contínuas melhoras técnicas em câmaras permitiam um uso generalizado desta técnica a nível amador. A sua presença foi essencial em revistas e jornais, assumindo os mídia um papel preponderante na cultura visual do século XX.[151] Contudo, no terreno do nu a fotografia encontrou mais travas que nas artes tradicionais, nas que era um tema frequente e respeitado pelos meios acadêmicos, principalmente pelo realismo das suas imagens, e pela conotação moral que supunha que uma pessoa se despisse para ser captada pela câmara. Isto levou a fotografia do nu a ser considerada meramente pornografia, e a ser relegada a circuitos clandestinos. Praticamente até o século XX não alcançou a fotografia de nu um status de obra artística, especialmente graças a numerosos criadores que a conceberam esteticamente e depurada de qualquer conotação sexual. Na fotografia de nu é importante o processo de composição e iluminação, assim como de retoque, para conseguir os efeitos desejados, pois por ser um meio intrinsecamente realista capta o corpo humano com todas as suas imperfeições, feito aceite por alguns artistas, que preferem mostrar uma imagem mais aperfeiçoada, derivada dos cânones estéticos que o nu procurou à arte desde o idealismo da arte clássica.[152]
 
Fotografia de modelo e desenho baseado na fotografia, de Alfons Mucha (1928).
 
Exemplar da coleção de Cem Fotogravuras da Librairie des Arts Décoratifs (1923).
Desde os seus começos, a fotografia esteve estreitamente relacionada à pintura, e muitos artistas começaram a inspirar-se em fotografias para elaborar as suas obras: assim, Eugène Delacroix chegou a confessar no seu Diário que tiveram muita utilidade para a sua obra umas fotografias de nus masculinos realizadas por Jules-Claude Ziegler. O pintor romântico baseava-se muitas vezes em fotos para estudar os pormenores das obras que ia realizar, afirmando que “luzes e sombras adquirem o seu verdadeiro sentido e dão o grau exato de firmeza e de brandura”. No impressionismo, numerosos artistas basearam-se igualmente na fotografia, como Edgar Degas, Camille Pissarro ou Pierre-Auguste Renoir. Alfons Mucha, um dos melhores desenhistas e ilustradores do modernismo, dedicado especialmente ao cartazismo e as artes gráficas, baseou-se frequentemente na fotografia para muitas das suas composições, empregando uma enorme câmara de fole, com a que obtinha imagens que lhe serviam para as suas realizações artísticas.[153]

À procura de uma maior artisticidade que outorgasse categoria às suas obras, na segunda metade do século XIX muitos fotógrafos basearam-se em técnicas artísticas para realizar muitas das suas composições, outorgando um certo ar pictórico às suas obras, no que a composição e o jogo de luzes e sombras estão inspirados nos grandes gênios da pintura. Portanto, esta corrente foi denominada fotografia academicista, com representantes como André Adolphe Eugène Disdéri, Émile Bayard, Eugène Durieu e Gaspard-Félix Tournachon.[154]

Um dos primeiros fotógrafos em dedicar-se com assiduidade ao nu foi Félix-Jacques Moulin, quem em 1849 abriu uma loja no bairro parisiense de Montmartre e começou a produzir daguerreótipos de senhoritas jovens em diversas poses. Contudo, em 1851 o seu trabalho foi confiscado, e foi sentenciado a um mês de prisão pelo caráter “obsceno” das suas obras.

 
Os dois caminhos da vida (1857), de Oscar Gustav Rejlander.
Outro pioneiro do nu fotográfico foi Oscar Gustav Rejlander, que em 1857 realizou um trabalho alegórico intitulado Os dois caminhos da vida, cujo objetivo é oferecer uma mensagem moral ao mostrar o mal à esquerda e o bem à direita, de jeito mais luminoso, no que se encontram a virtude, o trabalho e os bons costumes; porém, dado que a imagem mostra uma parcial nudez, provocou um escândalo social, sendo acusado de empregar prostitutas como modelos.
 
Mulher baixando uma escada (1887), de Eadweard Muybridge.
Outro terreno de representação nudista foi o da experimentação científica, sendo de relevância os estudos de Eadweard Muybridge sobre o movimento humano, a partir de uma técnica denominada cronofotografia, que permitia captar o movimento mediante sucessivas tomadas instantâneas, experimentos que serviram de base para a posterior descoberta do cinematógrafo. Muybridge dedicou-se a registrar os movimentos dos seres humanos e dos animais do zoológico de Filadélfia, publicando os seus resultados em 1887 no livro Locomoção animal, que inclui nus como Dois homens nus lutando e Mulher baixando uma escada.
 
Mulher envolta em véu cor-de-rosa (c.1910). Fotografia de Robert Demachy.
 
Fotografia intitulada Golora, colorida manualmente por Gilhousen (1915)
Entre o final do século XIX e o começo da Primeira Guerra Mundial desenvolveu-se o pictorialismo (do inglês picture, “imagem”), movimento que visava reivindicar a fotografia como um meio artístico que requeria de umas capacidades especiais — com especial ênfase nos valores intrínsecos da fotografia como arte —, afastando-a do amadorismo. Estes artistas distanciam-se da realidade para que as suas tomadas sejam imagens compositivas e não uma mera reprodução do ambiente físico, motivo pelo qual buscam deliberadamente o efeito floue, com uma forte influência do impressionismo. Alguns fotógrafos desta corrente realizaram nus de indubitável artisticidade, com o que o nu fotográfico começou a ser considerado uma arte afastada da simples pornografia, destacando-se Robert Demachy, muito conhecido pelas manipulações das suas obras proporcionando um acabamento similar às pinturas, e Alfred Stieglitz, primeiro em explorar a qualidade estética do estudo de fragmentos isolados do corpo humano. Os fotógrafos pictorialistas foram os primeiros em conseguirem introduzir o nu fotográfico em exposições e eventos artísticos de importância.[155]
 
Fotografia intitulada Fonte da Juventude, colorida manualmente por Charles Gilhousen (1917).
Em princípios do século XX, e em paralelo às vanguardas artísticas, a fotografia passou a ser um meio de inovação e experimentação artística, com novas técnicas e procedimentos como o fotomontagem. Um destes pioneiros foi Man Ray, impulsionador do dadaísmo e do surrealismo nos Estados Unidos, que chegou a fazer fotografias sem câmara, pondo objetos sobre apelícula e expondo-os por segundos à luz, criando imagens ambíguas entre a figuração e a abstração. Um exemplo desta experimentação com a luz é Beleza ultravioleta (1931). Uma das suas obras mais famosas é Le Violon d'Ingres (1924), onde retratou a sua modelo e amante Kiki de Montparnasse na postura da célebre pintura A Banhista de Valpinçon de Jean Auguste Dominique Ingres, mas sobrepondo sobre as costas despidas da modelo os dois “f” de um violoncelo. Quanto ao expressionismo, destacou-se o tcheco František Drtikol, especializado no nu e no retrato. Influenciado pelo romantismo e pelo simbolismo, foi evoluindo para uma maior preocupação pelo espaço e pelas possibilidades arquitetônicas da luz. Emmanuel Sougez defendeu os princípios da Nova Objetividade, considerando a fotografia como uma arte autônoma. As suas primeiras fotografias tinham como tema principal a natureza morta e o nu, empregando uma estética austera e puramente fotográfica.
 
Nu masculino recreando A Criação de Adão de Michelangelo (1870), de Gaudenzio Marconi.
O nu masculino na fotografia não foi tão habitual quanto o feminino, mas teve uma produção constante durante toda a história da fotografia, especialmente em relação à arte homoerótica. O nu masculino não tinha em princípio tanta aceitação como o feminino, considerado o paradigma da beleza pela sociedade do século XIX, com uma visão ainda fortemente machista dos papéis sexuais, na qual a possível sensibilidade para temas eróticos por parte da mulher não era considerada. Um dos pioneiros foi Gaudenzio Marconi, que retratou homens nus em poses imitadas das grandes obras de arte, como A Criação de Adão de Michelangelo (1870) ou A Idade do Bronze de Rodin (1877). Eugène Durieu também realizou fotografias com a intenção de servir de modelos para os artistas, ao jeito das academias desenhadas.
 
Fotografia dos anos 1920.
Outro tipo de fotografias eram as que tinham fins científicos, como os estudos de movimento de Eadweard Muybridge, ou os estudos etnológicos e do âmbito desportivo. Pouco a pouco estas fotografias adquiriram maior artisticidade, e começaram a ser aceites como produtos estéticos, como se percebe na publicação Le Nu esthétique (1902), de Émile Bayard. Entre final do século XIX e princípios do XX foi desenvolvido o nu masculino, concebido plenamente como imagens evocadoras da beleza masculina, desenvolvido por fotógrafos como Wilhelm von Gloeden, Wilhelm von Plüschow, Fred Holland Day, Vincenzo Galdi, etc. Após a Primeira Guerra Mundial começou o culto ao corpo, pondo-se de moda o nudismo e a cultura física, os corpos musculosos e varonis frente ao efébico modelo da fotografia artística anterior. Um dos fotógrafos que melhor retrataram esta estética foi Kurt Reichert. Esta tendência ressaltou-se após a segunda contenda mundial, onde o culturismo pôs de moda um corpo excessivamente musculado, que recebeu a alcunha beefcake (“pastel de carne”), representado por fotógrafos como Bob Mizer e Bruce Bellas. Posteriormente, o nu masculino foi adquirindo com o tempo o mesmo nível de artisticidade e aceitação social que o feminino, enquanto foi adquirindo cada vez maior explicitude — como no terreno da ereção, até então um tema tabu —, sendo praticado por fotógrafos do nível de George Platt Lynes, Carl Van Vechten, Herbert List, Bruce Weber, Roy Blakey, etc. Um dos mais famosos e controversos foi Robert Mapplethorpe, dedicado especialmente ao nu de homens afroamericanos, com uma obra de fortes conotações sadomasoquistas.[156]
 
Fotografia de modelo em estúdio.
Atualmente, o nu artístico é plenamente aceite na sociedade ocidental, e é frequente a sua presença nos mídia e na publicidade, com três modalidades principais: o nu abstrato, o nu erótico e o nu desportivo; e três setores principais de aplicação: o nu puramente artístico, o nu publicitário e o nu editorial.[157] Um dos mais afamados fotógrafos da segunda metade do século XX foi Helmut Newton, criador de um estilo próprio, cheio de glamour e sedução, com belas mulheres em ambientes luxuosos, e uma certa tendência para o fetichismo. Os seus modelos costumam ser de complexão atlética, mas elegantes e sofisticadas, como se viu na sua série de Big nudes (“grandes nus”) dos anos 1980.[158] Entre 1970 e 1980 foi destacada a obra de David Hamilton, arquiteto e decorador —foi diretor artístico das revistas Elle e Queen— antes de se iniciar na fotografia de jeito amador. Em 1962 adquiriu a sua primeira câmara, com a que desenvolveu um estilo de fotografias de tom luminoso, com cores suaves e um grão grosso —técnica que passou a ser denominada “atmosfera hamiltoniana”—, com uma estética algo naïf, e preferência pelos disparos ao ar livre, com especial predileção pelos ambientes mediterrâneos da Costa Azul francesa. Contudo, a sua obra esteve embaciada por retratar em numerosas ocasiões a novos adolescentes, apresentadas em poses naturais e algo ingênuas. Diretor de cine além de fotógrafo, realizou filmes como Bilitis (1977), Laura (1979) e Tenras primas (1980).[159]
 
Nu feminino em ambiente florido.
Outros fotógrafos destacados destes anos foram: Peter Lindbergh, considerado como um dos melhores fotógrafos de moda do mundo da década de 1990; Herb Ritts, fotógrafo de modas; Jiří Růžek, especialista em nu artístico e glamour, com uma sutil e delicada sensualidade carregada de erotismo; Helena Almeida, pintora e fotógrafa que incorpora pigmentos e materiais próprios das artes plásticas nas suas obras, que costumam ser auto-retratos; Nobuyoshi Araki, interessado pelo sexo e a morte, com uma controversa obra de forte natureza sado-masoquista; Narcis Virgiliu, com uma obra de um certo tom surrealista e abstratizante, com referências a temas mitológicos —como os mitos de Sísifo e Pigmaleão — ou à relação entre a vida e a natureza; Wacław Wantuch, autor de nus semelhantes a esculturas, com um especial cuidado na iluminação e buscando ângulos espetaculosos; Misha Gordin, pioneiro do nu conceptual, com surpreendentes imagens elaboradas num quarto obscuro tradicional com a técnica de mascaramento.[160]
 
L'ange blanc, fotografia do gênero fine art.
Cabe sublinhar o trabalho de Spencer Tunick, conhecido pelas suas fotografias de grandes massas de gente despida dispostas em diversas localizações urbanas, variando a postura e disposição das pessoas, geralmente voluntários que acodem a um ato artístico concebido quase como uma performance ou instalação. Começou em 1992 fotografando pessoas despidas pelas ruas de Nova York, passando posteriormente a outros estados de América do Norte, no seu projeto denominado Naked States (“Estados nus”). Mais tarde fez uma gira internacional, à que denominou Nude Adrift (“Nu à deriva”). Em 2003 chegou a fotografar 7000 pessoas despidas em Barcelona, um recorde superado em 2007, na Cidade do México, com 19 000 participantes. Tunick converte o corpo em parte integrante da cidade, da paisagem, buscando transcender a essência da materialidade humana, pois a perda da individuação no grupo metamorfoseia a corporeidade numa entidade superior, de ordem espiritual, onde se desenfeitiza o corpo nu, que se torna num veículo para a arte.[161]
 
Atriz Annette Kellerman no filme A Daughter of the Gods (1916).
O cine, técnica baseada na reprodução de imagens em movimento, surgiu com o invento do cinematógrafo pelos irmãos Lumière em 1895. Se bem que em princípio unicamente implicava a captação de imagens do natural, como se fosse um documentário, de seguida a cinematografia evoluiu para a narração de histórias, com processos técnicos como a montagem, que permitiam rodar cenas e ordená-las de modo que apresentasse uma história coerente. Com a incorporação de elementos tomados do teatro —processo iniciado por Méliès—, o cine alcançou um grau de autêntica artisticidade, sendo batizado como o “sétima arte”.[nota 7]
 
Inspiração (1915), primeiro filme americano não pornográfico que continha cenas de nu.
O nu no cine esteve frequentemente ligado ao cine erótico e pornográfico, embora numerosos filmes comerciais apresentaram nus parciais ou totais por “exigências do roteiro” . Já nos primeiros anos, no chamado “cine mudo”, encontram-se diversos casos sobretudo na indústria norte-americana de Hollywood: Inspiração (1915), foi o primeiro filme não pornográfico que apresentou cenas de nu, ao qual se seguiram casos como Hipócritas (1915), A filha dos deuses (1916), etc. Contudo, entre 1934 e 1960 o nu foi proibido nos Estados Unidos pelo Código de produção cinematográfica, também conhecido como Código Hays. Fora deste código encontravam-se os filmes nudistas, concebidos para difundir este estilo de vida, embora em numerosas ocasiões servissem de pretexto para mostrar nus de jeito pouco justificado.
 
Atriz sueca Janet Agren em uma cena do filme Racconti proibiti... di niente vestiti (1972), de Brunello Rondi.
O imoral Mr. Teias (1959) de Russ Meyer, foi a primeira longa-metragem não naturista que exibia abertamente a nudez e, embora fosse qualificado de pornográfico, deu origem a um gênero chamado Nudies ou Nudie-cuties, com filmes como The adventures of Lucky Pierre (1961). Nos anos 1960 surgiu um gênero denominado sexploitation, mistura de sexo e violência, com exemplos como ' Sexploiters (1965). Também nos 1960 começaram a surgir nus em filmes correntes do circuito comercial, tratados com maior naturalidade, como em Peeping Tom (1960), que contém a primeira cena de nu feminino num filme do pós-guerra, à qual se seguiram: Promessas! Promessas! (1963), Midnight Cowboy (1969), Laranja Mecânica (1971), etc.
 
Atriz anglo-jamaicana Martine Beswick no cenário do filme Il bacio (1974), dirigido por Mario Lanfranchi.
Na Europa, o nu no cine teve uma evolução paralela, com maior ou menor intervenção da censura ou da qualificação de filmes segundo os diversos países. O primeiro nu feminino integral foi protagonizado pela atriz Hedy Lamarr no filme Êxtase, dirigida por Gustav Machatý em 1933, que chegou a ser condenada pelo Papa Pio XI. Outros exemplos de nu no cine europeu são: Lui, Se Se (1952), Verão com Monika (1953), , Belle de jour (1967), etc. Mulheres apaixonadas (1969) gerou polêmica por mostrar nus masculinos frontais numa cena de luta entre Oliver Reed e Alan Bates; Glenda Jackson ganhou o Óscar à melhor atriz no filme, o primeiro ator que o ganhou por um papel que incluía cenas de nu. Último tango em Paris (1973), de Bernardo Bertolucci, foi um dos primeiros filmes comerciais em mostrar o nu sem rodeios, em paralelo à revolução sexual propugnada pelo movimento hippie, e propiciou o boom do cine erótico, em voga entre 1970 e 1980, com filmes como Emmanuelle (1974) e História de O (1975), de Just Jaeckin, O Império dos Sentidos (1976), de Nagisa Oshima, e Calígula (1979), de Tinto Brass.
 
Atriz italiana Eleonora Giorgi no cenário do filme Il bacio (1974), dirigido por Mario Lanfranchi.
 
A atriz italiana Laura Antonelli em um uma cena do filme Il merlo maschio (1971), de Pasquale Festa Campanile.
Passados os anos em que o nu no cine era motivo de escândalo e provocação, atualmente a sua presença é assumida com certa naturalidade, sendo frequentes os filmes nos quais o nu se mostra em cenas que assim o requerem, como as que transcorrem na natureza, quer no banho ou em cenas de amor. Assim, por exemplo, A lagoa azul (1980), de Randal Kleiser, mostra o despertar do instinto sexual em dois náufragos numa ilha tropical, onde o nu é parte consubstancial do ambiente natural em que se movimentam. A Bela Intrigante (1991), de Jacques Rivette, mostra a relação entre um pintor e a modelo, que posa despida para ele e volta-o motivar após uma etapa de falta de inspiração do artista. Igual ocorre em Titanic (1997), de James Cameron, no que Kate Winslet posa despida para que a desenhe Leonardo di Caprio. Estes filmes evidenciam a estreita relação entre o cine e a arte tradicional, que no âmbito do nu artístico deixou realizações como As Aventuras do Barão Munchausen (1988), de Terry Gilliam, onde aparece Uma Thurman posando como a Vênus de O Nascimento de Vênus de Botticelli.

Assim, nestes últimos anos não é estranho encontrar cenas de nu em filmes comerciais como Splash (1984, Ron Howard), Nove semanas e meia (1986, Adrian Lyne), Instinto básico (1992, Paul Verhoeven), Prêt-à-Porter (1994, Robert Altman), The Full Monty (1997, Peter Cattaneo), Eyes Wide Shut (1999, Stanley Kubrick), etc. Atualmente, o nu é até mesmo uma forma de cotização para atores e atrizes, pois é um forte reclamo para o público, existindo a opinião de que um dos fatores do Óscar à melhor atriz para Halle Berry por Monster's Ball (2001) foi a sua aparição despida no filme.[162] Um dos filmes com maior número de nus coletivos —requereu 750 extras— foi O perfume (2006), de Tom Tykwer, onde na cena final, em que o assassino vai ser justiçado, este espalha uma fragrância que hipnotiza o público assistente, que se põe numa desenfreada orgia que permite o prófugo escapar.[163]

O nu masculino, embora não tão frequente quanto o feminino, também esteve presente em numerosas produções, praticado por atores como: Richard Gere (American Gigolo, 1980), Arnold Schwarzenegger (Terminator, 1984), etc.[164]

Artes cênicas

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Josephine Baker na revista Un vent de folie (1925).

O nu é também um recurso habitual nas artes cênicas como o teatro e a dança, especialmente desde meados do século XX. Nestas formas artísticas o corpo tem uma especial relevância, pois é transmissor, pelos seus gestos e movimentos, de uma grande quantidade de expressões e sentimentos. No teatro, onde se encena um conto ou drama literário, o nu pode estar justificado —como no cine— pelo roteiro, em cenas no âmbito doméstico ou qualquer situação que o requeira. O nu teatral adquiriu um grande auge nestes últimos tempos graças ao teatro experimental e à influência do happening e a performance, espetáculos que pela sua representação ante um público têm um forte componente teatral. Em tais casos a nudez é empregue como forma de provocação, de impactar o público, de pôr em dúvida os convencionalismos sociais.[165]

Contudo, o nu chegou também ao teatro clássico, em casos como o papel de Desdémona representado pela atriz Sarah Stephenson na montagem do Otelo de Shakespeare efetuado no Mermaid Theatre de Londres em 1971. Em 2007 houve uma grande polêmica pela aparição de Daniel Radcliffe nu na obra Equus, dirigida por Peter Shaffer no Gielgud Theatre da capital inglesa. Radcliffe insistiu em que o nu era somente um elemento mais na obra. A obra conseguiu um enorme sucesso, tanto de público como de crítica.[166]

 
Colette Andris, bailarina de striptease dos anos 1920.
Na dança, o nu adquire um especial significado, pois é uma forma de expressão do corpo humano, que é o instrumento do qual se servem os bailarinos para mostrar a sua arte. As técnicas de dança requerem grande concentração para dominar todo o corpo, com especial insistência na flexibilidade, na coordenação e no ritmo. Na antiga Roma era frequente que as dançarinas se despissem, especialmente nas festas saturnais e lupercais, sendo prova do seu sucesso o que chegassem até a atualidade os nomes de algumas destas bailarinas, como Taletusa e Cíteris.[167] No século XX buscaram-se novas formas de expressão baseadas na liberdade do gesto corporal, liberto das ataduras da métrica e do ritmo, adquirindo maior relevância a auto-expressão corporal e a relação com o espaço. Isadora Duncan foi uma das principais promotoras do nu na dança, bailando em numerosas ocasiões seminua ou com finas telas transparentes, como se podia constatar nos copos e nas cerâmicas da Grécia Antiga, com a pretensão de romper com o academismo e a rigidez do ballet clássico.[168] Desde então a nudez na dança contemporânea oscilou segundo a época, aparecendo à época de liberdade e aberturista social, e retraindo-se em períodos de moral mais puritana. Em tempos modernos o corpo nu foi usado por coreógrafos como Jan Fabre, Daniel Léveillé, Maureen Fleming, Lia Rodríguez, Alban Richard, Eléonore Didier, Anna Ventura, Kataline Patkaï.[168]
 
Fotografia tirada por Alfred Cheney Johnston, na década de 1920.
O nu foi adquirindo relevância na dança especialmente desde a década de 1960, concebido como a mais pura forma de expressão do corpo. Se nos 60 estava em consonância com a libertação sexual, nos anos 1980 teve certo aspecto de reivindicação política, enquanto atualmente é uma mera escolha estética. Para a historiadora Rose Lee Goldberg, a nudez seria uma reação contra a excessiva técnica dos meios audiovisuais, afirmando que “é como se cada certo tempo precisássemos lembrar que a coreografia tem a ver com o corpo”.[169] Ainda que atualmente seja frequente a nudez na dança, há alguns anos era um tema incômodo, até mesmo para coreógrafos inovadores como Merce Cunningham, que no seu balé Rain Forest (1968), no qual colaborou com o artista pop Andy Warhol, frente à sugestão deste de que os bailarinos atuassem nus, decidiu usar malhas de cor pele, que em algumas cenas estavam cortadas para dar a sensação de aranhões na pele. Em 1970 Yonne Rainer apresentou no Judson Flag Show a bailarinos nus sob bandeiras norte-americanas, que gerou uma grande polêmica. Porém, pouco a pouco a nudez foi ganhando terreno: nos 1980, a companhia Dancenoise, formada por Lucy Sexton e Anne Iobst, usou a nudez como uma ferramenta integral, junto a uma estética punk e outros elementos de grande impacto, como o sangue, em espetáculos próximos da performance. Para Sexton, “a nudez de seguida converte-se em vestuário, e essa é a natureza de estar nu no palco: há um momento inicial em que se abre a porta e cai algum tipo de barreira entre o artista e o público. Eles estão nervosos e excitados e ao artista acontece o mesmo, e elimina-se algum tabu social”.[169]
 
Fotografia da atriz Dorothy Flood na década de 1920, feita por Johnston.
Outros trabalhos onde a nudez tem um papel protagonista foram: Glory, de Jeremy Wade, um duo nu que apresenta aos bailarinos arrastando-se e retorcendo-se pelo chão, como signo de vulnerabilidade; Giant Empty e Excessories, de Miguel Gutiérrez, no qual os artistas se tocavam os peitos e os pénis, como mostra de objetuação do corpo; Michael, de Ann Liv Young, no qual o nu é uma metáfora de autenticidade, de naturalidade do corpo; ou NOVA, de Rose Anne Spradlin, onde bailarinos rasgam com tesoiras a roupa a outros até os deixar nus.[169]

Uma variante cênica na que adquiriu grande relevância o nu —especialmente desde princípios do século XX — foi o cabaré, espetáculo geralmente noturno que costuma combinar música, dança e canção —mas que pode incluir também a atuação de humoristas, ilusionistas, mimos e muitas outras artes cênicas —, desenvolvido em salas como Moulin Rouge e Folies Bergère de Paris, onde estrelas como Linopovska e Pouliguen triunfaram com tão somente mostrar os seios nus integrais. Foi nos cabarés que apareceram os primeiros travestis num palco, e onde se representaram as primeiras pantomimas de homossexuais e lesbianas. Neste tipo de espetáculos triunfaram estrelas como Loie Fuller, Cléo de Mérode e Josephine Baker, que se tornou famosa ao dançar o charleston vestida somente com um cinturão de bananas.[170]

Espetáculos como o cabaré puseram em voga o strip-tease, uma forma de dança na que a pessoa executante se vai tirando a roupa sensualmente ante os espectadores, no que o deleite estético se encontra no fato de se despir com movimentos sensuais, e não na própria nudez. Este tipo de espetáculo fez famosa à célebre Mata Hari em princípios do século XX, enquanto atualmente lançou ao estrelato a figuras como Dita Von Teese e Chiqui Martí, defensora do strip-tease como arte, para o que cunhou o termo strip art. Igualmente, o strip-tease foi um recurso frequentemente usado pelo cine, como o de Brigitte Bardot e Jeanne Moreau em Viva Maria! (1965), Kim Basinger em Nove Semanas e Meia (1986) e Demi Moore em Striptease (1996).[171]

Outros meios

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Modelo pin-up de SuicideGirls, página web de softcore altporn cujas modelos têm um perfil gótico ou punk.
O nu encontra-se presente, além de nos meios artísticos tradicionais, em outros meios de reprodução audiovisual, como a televisão, a publicidade, as revistas e demais meios editoriais, o revista em quadrinhos ou, mais recentemente, internet. A representação de nus dentro de filmes e televisão gerou polêmica durante muito tempo. A nudez integral teve muita mais aceitação no cine e na televisão europeus, onde —em contraste com os seus homólogos norte-americanos— a audiência percebe em geral o nu e a sexualidade como um pouco menos censurável que a violência, outro dos fatores frequentemente criticados nas produções audiovisuais. Contudo, o nu num contexto sexual não pornográfico ficou em muitos países europeus no fio do qual é socialmente aceitável para espetáculos públicos, apesar de que esta situação foi liberalizada no final do século XX: na década de 1970 as soap operas australianas Number 96 e The Box incluíam nus regularmente, e nos Países Baixos o nu foi mostrado em programas de debate como Jensen! e Giel.
 
Augusto De Luca: "Models", nudes de 1980
As emissoras de televisão e a maioria das companhias de televisão por cabo nos Estados Unidos foram mais reticentes a mostrarem nus, sendo uma exceção a PBS. Quando se transmitem em televisão, os filmes teatrais que contêm nus normalmente se emitem com essas cenas cortadas, ou o nu é ocultado de alguma forma, como com imagens digitais para vestir os atores nus. Alguns serviços de cabo premium como HBO, Showtime e, mais recentemente, FX Networks obtiveram popularidade por, entre outras coisas, apresentar filmes sem retocar. Adicionalmente, produziram séries que não se mostram tímidas com as cenas de nus, como Oz, Sex and the City, The Sopranos, True Blood.

As séries de televisão rara vez mostraram nus atrevidos. Depois do escândalo motivado pelo espetáculo de Janet Jackson no descanso da Super Bowl de 2004 — onde a artista ensinuou um peito sem querer —, a Comissão Federal de Comunicações dos Estados Unidos declarou que era hora de tomar medidas drásticas para a televisão diurna, e as nove cadeias norte-americanas começaram a impor uma regra não escrita para evitar qualquer classe de cenas para adultos atrevidas. Contudo, no âmbito europeu o nu é exibido cada vez com maior naturalidade, em séries como: Roma, Espártaco e Os Tudor.

A nudez apresenta-se ocasionalmente em outros meios de comunicação como capas de albumes musicais de intérpretes como Jimi Hendrix, John Lennon e Yoko Ono, Scorpions. Vários músicos de rock atuaram nus nos palcos, incluindo membros de Jane's Addiction, Rage Against the Machine, Green Day, Black Sabbath, Stone Temple Pilots, The Jesus Lizard, Blind Melon, Red Hot Chili Peppers, Blink-182, Queens of the Stone Age, Of Montreal e The Bravery.
 
A Bowing in Art 1996

Em meios editoriais, o nu foi um recurso frequentemente usado como reclamo especialmente para o público masculino, quer em revistas de corte erótico ou em magazines de notícias e reportagens que incluem algumas páginas de modelos despidas, onde é típica a presença de um pôster central desdobrável. Em princípios do século XX as modelos que apareciam neste tipo de publicações recebiam a alcunha de pin-ups, e embora pelo general fossem modelos amadoras algumas adquiriram notável fama, como Bettie Page. Contudo, atualmente este tipo de trabalhos realizam-nos modelos fotográficas, atrizes de cine, cantantes ou top-models do mundo da moda e da publicidade. Algumas revistas dedicadas ao nu erótico atingiram uma grande notoriedade e difusão mundial, como Playboy, Penthouse e Hustler, chegando a desnudar a famosas modelos e atrizes, como Marilyn Monroe, que inaugurou o primeiro número de Playboy em 1953, ou Madonna, que em 1985 apareceu em Playboy e Penthouse.

Outro meio usual de difusão do nu erótico são os calendários, destacando-se pela sua qualidade o Calendário Pirelli, elaborado desde 1964 pela seção britânica da marca Pirelli, e que se caracteriza pela sensualidade das suas imagens.
 
Fotografia artística de torso feminino, em preto e branco.
O nu encontra-se assim mesmo num meio gráfico como a revista em quadrinhos, geralmente numa temática erótica e dirigido para um público adulto. Aqui também existe uma distinção entre erotismo e pornografia, dependendo das imagens, como se percebe no Japão, onde distinguem entre os gêneros ecchi (エッチ), que não mostra sexo explícito, e hentai (変態), que sim o faz. A primeira historieta na que esteve presente o erotismo foi Bringing Up Father (1913), de George McManus, na qual apareciam banhistas jovens. Outra das pioneiras foi Betty Boop, desenhada por Grim Natwick e Max Fleischer entre 1934 e 1937. Nos anos 1960, a incipiente revolução sexual permitiu à revista em quadrinhos erótica superar o moralismo dos 50 por diversos caminhos: na França, foram editadas revistas em quadrinhos de luxo com heroínas independentes e ativas sexualmente, como Barbarella (1962), de Jean-Claude Forest.[172]

A aparição de internet implicou um grande meio de difusão do nu, nas suas múltiplas variantes, do nu artístico ao erótico e pornográfico. Muitas páginas web contam com este tipo de material como reclamo para o público, sendo especialmente demandadas as imagens de personagens famosos — as chamadas celebrity —. Em internet são recopiladas todo tipo de imagens provenientes de revistas, calendários e publicações de moda, além de fotografias feitas especialmente para este meio, existindo um abundante material, sobretudo de atrizes e modelos femininas, com nomes mundialmente conhecidos. O nu masculino é menos frequente, e costuma estar mais restringido a âmbitos homoeróticos. O nu artístico também dispõe em internet de uma ótima plataforma de lançamento, e muitos fotógrafos expõem a sua obra neste meio para fazer a conhecer o seu trabalho.

  1. Segundo Francisco Calvo Serraller, “o nu não é somente uma forma de arte, mas é a explicação ou a razão mesma de ser da arte ocidental: esse ponto ou intersecção dramática entre o natural e o celeste, entre o ideal e o real, entre o carnal e o espiritual, entre o corpo e a alma”. (Calvo Serraller 2005, p. 61.) Também Javier Portús, conservador do Museu do Prado, opina que “durante séculos o nu foi a forma artística por excelência no Ocidente, aquela capaz de expressar melhor os valores da cor e da matéria pictórica”. (Javier Portús (abril de 2004). «Pasión por los desnudos20 de agosto». Arquivado do original em 14 de dezembro de 2014 )
  2. O autor da publicação o fez de jeito anônimo. Foi Vicente Carducho que nos seus Diálogos da Pintura disse que era um “claríssimo lusitano”, e posteriormente Salvador Salort identificou-o com Francisco de Bragança em Reflexiones sobre el arte de la pintura después del Concilio de Trento: “La copia de los pareceres” de Francisco de Bragança y Vicente Carducho, Braguetone de Felipe IV, em Anuario de la Academia Española en Roma, 2000). (Clark 1996, p. 18)
  3. Atualmente somente se conserva uma cópia na Galeria Borghese de Roma, que está pintada com têmpera sobre tábua e mede 112 cm de alto e 86 cm de largo. Atualmente assume-se que é uma cópia e não precisamente do original, mas uma recriação a partir do cartão realizada por um discípulo de Leonardo, Cesare da Sesto.
  4. A polêmica continuou no Renascimento: Michelangelo defendeu o cânone de Policleto, como se demonstra no seu Davi; Leonardo era partidário do cânone de oito cabeças, e Botticelli chegou a conceber um de nove cabeças, como na sua figura de São Sebastião. (Parramón 2002, pp. 8-9.)
  5. Segundo Vasari nas suas Vidas (1542–1550), o primeiro artista a usar um manequim articulado foi Fra Bartolomeo. No geral, medem entre 30 e 35 cm, embora existam alguns de tamanho natural. (Parramón 2002, p. 26.)
  6. Embora a fotografia seja anterior ao cine, este é considerado a sétima arte e a fotografia o oitavo, pois adquiriu tal categoria antes de a fotografia atingisse este status.
  7. Denominação introduzida pelo crítico Ricciotto Canudo em 1911. («Ricciotto Canudo». Consultado em 4 de setembro de 2010 )

Ver também

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Referências

  1. Calvo Serraller 2005, p. 62.
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